Acórdão nº 263/00 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Maio de 2000

Data03 Maio 2000
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 263/00

Procº nº 628/99.

2ª Secção.

Relator:- BRAVO SERRA.

I

1. O Licº J... intentou pelos Juízos Cíveis da comarca de Lisboa e contra o Estado Português, acção, seguindo a forma de processo ordinário, solicitando a condenação deste último no pagamento de uma indemnização de Esc. 35.880.000$00, acrescidos de juros, tendo, em síntese, alegado que aquele montante representava o prejuízo sofrido pelo autor em virtude de lhe não ter sido possível actualizar as rendas de oito fracções autónomas de dois prédios urbanos de sua propriedade, impossibilidade essa que adveio da legislação em vigor que determinou o congelamento de rendas.

Por saneador/sentença proferido em 25 de Março de 1994 pelo Juiz do 10º Juízo Cível de Lisboa, foi a acção julgada improcedente e, na sequência, absolvido o réu do pedido.

Não se conformando com o assim decidido recorreu o autor para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 16 de Maio de 1995, negou provimento ao recurso.

De novo inconformado, pediu o autor revista para Supremo Tribunal de Justiça.

Na alegação que produziu, o recorrente, inter alia, invocou que "o Estado tem o dever de indemnizar, nos termos do artº 22º, os prejuízos que no exercício da sua função legislativa cause a um cidadão ou a um grupo de cidadãos", que "tal responsabilidade abrange tanto os actos lícitos e a responsabilidade pelo risco como os actos ilícitos, sendo o artº directamente aplicável, sem necessidade de mediação legislativa ordinária", e que "são contrárias à Constituição, não podendo ser aplicadas, as seguintes normas: artºs. 41º, 42º, 46º, 47º, 48º, 50º e 67º, todos da Lei nº 2030, 10º do Dec. Lei nº 47344, 1095º do CC, 6º, nºs. 1, 2 e 3, 11º e 12º e Tabelas anexas da Lei nº 46/85, 30º, 31º, 32º, 34º, 68º, nº 2, 69º, nº 1, 71º, 107º e 109º, todos do RAU, bem como o artº 9º preambular, as normas constantes das Portarias nºs. 648-A/86, de 31 de Outubro, 847/87, de 31 de Outubro, 716/88, de 28 de Outubro, 965-B/89, de 31 de Outubro, 1011-D/90, de 30 de Outubro, 1133-B/91, de 31 de Outubro, 1025/92, de 31 de Outubro, e 1103-B/93, de 30 de Out.", por violação dos "artºs 1º, 2º, 13º, 18º e 62º, todos da actual Const. e 4º, 5º e 8º,nºs 12º, 15º e 17º, da Const. de 1933".

Por acórdão de 23 de Setembro de 1999, o Supremo Tribunal de Justiça negou a revista.

2. Pode ler-se, em dados passos desse aresto e no que ora releva:-

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A questão fundamental que o recorrente coloca nas suas conclusões das suas alegações, que delimitam o objecto do recurso, tem a ver com a responsabilidade civil do Estado por actos legislativos, a que alude o art. 22 C.R..P.

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Tem sido entendimento uniforme na doutrina e jurisprudência (cfr. a propósito o Ac. deste tribunal, de 1-6-94, in Col. tomo 2º, pág. 127) que o citado normativo consagra o tipo de responsabilidade subjectiva do Estado por actos legislativos ilícitos e culposos.

Questão controvertida será já a de saber se o dito preceito versa igualmente sobre a responsabilidade objectiva do Estado ou por actos legislativos.

......................................................................................................................................................................................................................................................................Por ora só nos interessa apurar da responsabilidade civil do Estado por actos legislativos ilícitos e culposos, e saber se, na hipótese em apreço, se verificam os pressupostos da obrigação de indemnizar por banda do Estado, pressupostos enunciados na lei ordinária (art. 483 do Cód. Civil), para a qual a lei constitucional necessariamente remete.

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Nesta conformidade, a conduta do lesante será reprovável quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se possa concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo.

Ora, se aplicarmos os princípios expostos à situação que nos ocupa, dir-se-à que existe culpa do legislador quando este podia e devia ter evitado a aprovação de lei inconstitucional -- ... O erro do legislador (...) só exclui a culpa quando for desculpável. O problema da culpa (...) resume-se, na prática, à questão de saber quando é exigível que o legislador conheça a inconstitucionalidade da lei.

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Assim, se atentarmos no caso dos autos, verificamos que nem o Tribunal Constitucional se pronunciou (art. 279 C.R.P.) pela inconstitucionalidade das normas legais postas em causa pelo recorrente, nem o interesse particular pode sobrepôr-se no domínio da legislação sobre arrendamento urbano para habitação ao interesse público aí dominante.

No caso concreto, o legislador não podia deixar de dar prioridade ao direito à habitação, de resto também consagrado no art. 65 e seu nº 3 C.R.P., uma vez colocado em confronto com o direito de propriedade, invocado pelo recorrente.

Na verdade, o direito à iniciativa privada e à propriedade privada, princípio constitucional que se mostra subjacente à pretensão do recorrente, previsto quer na Constituição de 1933, no seu art. 8º, nºs 7 e 15, quer na Constituição de 1976 e na vigente, nos arts. 61, nº 1 e 62, nº 1, não é um direito absoluto, devendo conjugar-se com outros igualmente previstos constitucionalmente, designadamente com aqueles que dizem respeito aos direitos sociais e ao direito ao trabalho, os quais, por vezes, para poderem afirmar-se implicam que haja cedências por parte dos titulares do direito à iniciativa e à propriedade privada. Por isso é que o Estado se viu forçado, para garantir o direito à habitação, a emitir normas e diplomas legais referentes ao mercado do arrendamento para fins habitacionais, levando-o a proibir as actualizações de rendas e limitando, noutros casos, os aumentos de rendas, bem como a consagrar (art. 1095 do Cód. Civil) o princípio da prorrogação obrigatória dos contratos deste género.

Daí que as normas legais contra as quais o recorrente se insurge tenham sido norteadas pelo interesse público, procurando o legislador minorar a desigualdade material das partes em conflito, bem típica dos contratos de arrendamento para fins habitacionais. Se encararmos, portanto, por este prisma, as restrições legais impostas ao direito de propriedade, nenhuma censura pode merecer-nos a descrita actuação do legislador. E, uma vez arredada a censura à actuação do legislador, excluida fica também a possibilidade de a caracterizarmos como culposa.

De resto, nem sequer poderia falar-se de ilicitude, outro dos pressupostos da obrigação de indemnizar, pois que a sua existência implicava a aceitação de violação de uma norma ou princípio constitucional que, como resulta do que atrás ficou dito, não ocorreu.

Haverá um facto ilícito legislativo sempre que a aprovação de lei inconstitucional (ou ilegal), em face da legislação em vigor nesse momento, viole direitos, liberdades e garantias ou ofenda quaisquer outros direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares --...

Assim, para se afirmar a existência de ilicitude seria necessário que a legislação publicada, contra a qual o recorrente se insurgiu, tivesse violado o direito à propriedade privada por si invocado, o que, como se viu, não aconteceu, face ao confronto estabelecido entre esse direito e o direito à habitação, ambos consagrados na nossa Lei Fundamental.

Ainda a este propósito cabe esclarecer que, contrariamente ao que sustenta o recorrente, a legislação em causa não violou também o princípio da igualdade, previsto no art. 13 C.R.P..

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De facto, se é certo que até ao D.L. nº 445/74, de 12/9, os aumentos de renda apenas eram proibidos em relação a prédios situados em Lisboa e Porto (e só a partir daquele diploma a proibição se estendeu a todo o país), isso resultou de, ao longo de vários anos, as necessidades de alojamento da população portuguesa serem muito mais prementes naquelas duas cidades do que no resto do país, impondo-se, por isso, um tratamento diferenciado, por as situações não serem idênticas.

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Ora, no confronto entre as necessidades de alojamento naquelas duas grandes cidades e as verificadas no resto do país, a desigualdade de tratamento justificava-se plenamente. Não há, pois, que falar de tratamento arbitrário por parte do legislador, no que toca ao congelamento de rendas nessas cidades, em confronto com o que se passou no resto do país, até Setembro de 1974. No caso em apreço a diferenciação estabelecida pelo legislador baseou-se, não em motivos subjectivos ou arbitrários, mas antes em fundamentos objectivos, racionais e razoáveis.

Improcedem, portanto, as conclusões das alegações do recorrente...

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