Acórdão nº 215/00 de Tribunal Constitucional (Port, 05 de Abril de 2000

Magistrado ResponsávelCons. Vítor Nunes de Almeida
Data da Resolução05 de Abril de 2000
EmissorTribunal Constitucional (Port

Proc. n.º 171/99 ACÓRDÃO Nº 215/2000

  1. Secção

Consº Vítor Nunes de Almeida

ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

I - RELATÓRIO

1. - A e mulher, propuseram contra o BANCO ... e contra B e mulher, no Tribunal Judicial de Paredes, uma acção ordinária pedindo:

a. que os demandados reconheçam o seu direito de propriedade sobre o prédio urbano, que descrevem, inscrito no artigo 113º da matriz e na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 17.900;

b. que se declare nula e de nenhum efeito a arrematação efectuada em 14 de Maio de 1979 pelos réus B e mulher no processo n.º 119/78, do Tribunal Judicial de Paços de Ferreira;

c. que se declare nula e de nenhum efeito a arrematação efectuada em 7 de Novembro de 1988 pelo réu BANCO... no processo n.º 106/85, do Tribunal Judicial de Paredes;

d. que se ordene o cancelamento da inscrição n.º 7.158 da Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira;

Por decisão de 17 de Janeiro de 1992, o senhor Juiz de Círculo de Paredes julgou verificada a ineptidão da petição inicial, absteve-se de conhecer do pedido e absolveu da instância os réus B e mulher e o BANCO....

2. - Desta decisão interpuseram os autores recurso de agravo para o Tribunal da Relação do Porto, tendo o BPA recorrido subordinadamente. A Relação, por acórdão de 14 de Janeiro de 1993, decidiu conceder provimento ao agravo, determinando o prosseguimento do processo.

Notificado deste acórdão, foi a vez de o Banco... se não conformar com o assim decidido interpondo recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça.

Neste Tribunal, veio a ser proferido, em 29 de Setembro de 1993, um acórdão pelo qual se negou provimento ao recurso, confirmando o acórdão da Relação, assim se revogando o despacho saneador na parte em que considerou inepta a petição inicial.

3. - Voltando os autos ao Tribunal de Círculo de Paredes, foi proferido um novo despacho saneador, prosseguindo a instância, ainda que o BANCO... tenha agravado do novo saneador.

Em 29 de Abril de 1997, veio a ser proferida a decisão final da acção, na qual se julgou a acção proposta por A e mulher improcedente e não provada e se absolveu os réus, BANCO... e B e mulher, dos pedidos formulados.

4. - Os autores não se conformaram com o assim decidido, tendo levantado recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, tendo o agravo do despacho saneador suscitado pelo BANCO... subido com a apelação.

Na Relação do Porto, veio a ser proferido, em 19 de Maio de 1998, um acórdão que negou provimento ao recurso por se ter entendido que "competia aos autores, como elemento constitutivo do seu direito, provar que o questionado prédio era sua propriedade. Porém, não obstante terem invocado a compra do prédio por escritura pública, não conseguiram provar que o direito de propriedade já existia na titularidade dos vendedores, e o usucapião, também o não lograram provar, como se decidiu na sentença recorrida, e bem, aliás."

Os autores, ainda inconformados, interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ).

Nas suas alegações, os recorrentes sustentaram, na parte em que ao presente recurso interessa, o seguinte:

"AJ) o conceito de TERCEIRO, para efeitos do registo predial (artº 5º, n.º 1 do C.R.Predial) subscrito pelo douto Acórdão uniformizador do S.T.Justiça, n.º 15/97, publicado no Diário da República, 1ª Série- A, de 4/7/1997, pág. 3295, não deve ser seguido no caso dos autos, por colidir abertamente com as normas constitucionais que protegem o direito à propriedade privada, sua transmissão e ao direito de não ser expropriado sem uma indemnização."

AL) Ora se os AA. forem privados do seu direito de propriedade, depois do mesmo reconhecido como válido e eficaz, à custa do registo de uma aquisição a non domino, tal equivale na prática, a uma expropriação forçada e sem indemnização, pois não podem demandar os vendedores a pedir a restituição do preço alegando que estes não eram donos, por carência de fundamento.

AM) Por outro lado, os AA não viram até à data atacado pelos RR e ou quem quer que seja a validade e eficácia da escritura pública de 27/11/1978, pelo que o seu direito permanece por inteiro e só em sede própria poderá ser posto em causa.

AN) Ora a seguir-se eventualmente o entendimento do douto Acórdão n. 15/97, tal poderia significar que in casu apesar dos AA e ora recorrentes serem donos do prédio por o terem adquirido ao seu legítimo dono e possuidor, ficariam privados do mesmo, sem o competente processo e ou indemnização, em favor de uma aquisição A NON DOMINO, apenas porque registada, sendo certo que o registo predial não é OBRIGATÓRIO NEM CONSTITUTIVO DE DIREITOS.

AO) Não deve vir assim a ser eventualmente seguido o entendimento do douto Acórdão n. 15/97 e no caso deve o TRIBUNAL RECUSAR-SE a aplicá-lo, in CASU, por materialmente inconstitucional."

Nas suas alegações, o BANCO... faz a história da questão e de como chegou à aquisição do imóvel em causa, considerando que a acção e o recurso têm de improceder uma vez que os AA não logram fazer a prova dos fundamentos do pedido.

O STJ, por acórdão de 28 de Janeiro de 1999, decidiu negar a revista, confirmando assim o acórdão da Relação.

Para chegar a tal conclusão, o STJ equacionou e resolveu as seguintes questões:

a. podem os recorrentes e autores ser considerados titulares do direito de propriedade do prédio em causa nos autos?

b. e, por causa disso, nas arrematações de 11 de Maio de 1979 e de 7 de Novembro de 1988 foi vendido um bem que não estava na titularidade jurídica do executado dos autos, tendo o acórdão recorrido violado o direito substantivo indicado pelo recorrente?

c. violando inclusivamente as normas constitucionais respeitantes ao direito de propriedade?

Para responder às questões suscitadas nos autos, o acórdão do STJ, depois de elencar os factos provados nos autos, começa por transcrever a decisão tirada por aquele mesmo Tribunal em 20 de Maio de 1997 e que consta do acórdão uniformizador n.º 15/97 (publicado no Diário da República, 1ª Série - A, de 4 de Julho de 1997):

"A transmissão da titularidade do direito de propriedade é apenas um efeito essencial do contrato de compra e venda. Simplesmente, a eficácia não pode ser vista somente num plano interno (entre vendedor e comprador ou seus herdeiros), mas também num plano exterior (em relação a terceiros). E, neste plano, há que tomar em conta os princípios do registo predial (...)"

E conclui a citação do mencionado acórdão referindo que "Terceiro para efeitos do registo predial são todos os que tendo obtido registo de um direito sobre determinado prédio veriam esse direito ser arredado por qualquer facto jurídico anterior não registado ou registado posteriormente posteriormente".

E, prosseguindo o acórdão, procura demonstrar que não se tendo alegado a usucapião do imóvel, a escritura de compra e venda do prédio só transmite a propriedade relativamente a terceiro (na dimensão atrás referida) se "foi acompanhada do registo desse acto, em data anterior à penhora e à arrematação".

O acórdão conclui que não existe também qualquer violação das normas constitucionais atinentes ao direito de propriedade, uma vez que este direito não é garantido em termos absolutos, mas apenas dentro dos limites previstos e definidos na Constituição.

Quanto ao mérito do recurso de revista, escreve-se no acórdão recorrido o seguinte:

"Os recorrente A e mulher tem indiscutivelmente a seu favor a circunstância de terem, por escritura pública, comprado o prédio urbano referido nos autos.

Não conseguiram, porém, demonstrar (quer eles quer os vendedores F e mulher) a aquisição do direito de propriedade através de quaisquer das formas de aquisição originária (incluindo o invocado usucapião).

Conclui-se, por isso, ser fora de questão que não podem ser havidos como titulares dum direito de propriedade com aptidão para causar a nulidade das arrematações.

Com efeito,

Porque os exequentes/arrematantes, procederam ao registo das penhoras sobre o prédio, em época anterior ao registo da aquisição dos recorrentes, é obvia a sua posição de terceiros.

E, porque esta última posição é indiscutível, reconhece-se a final que na data da arrematação a aquisição feita pelos recorrentes não podia ter a eficácia que estes pretendem.

Acresce que esta situação não contende com qualquer princípio constitucional nem ataca o direito de propriedade no modo em que este é proclamado pela Constituição."

Conclui-se negando a revista, mas com uma declaração de afastamento quanto à fundamentação, do seguinte teor: "Voto a decisão por se não ter provado a usucapião, já que, quanto ao conceito registral de terceiro, sigo a concepção restritiva de origem italiana (defendida por Manuel de Andrade, que é a mais próxima dos conceitos...

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