Acórdão nº 366/01 de Tribunal Constitucional, 12 de Julho de 2001

Data12 Julho 2001
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

Acórdão nº 366/01

Processo nº 240/99

  1. Secção

Relator : José de Sousa e Brito

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional :

  1. As assistentes M... e I... recorreram para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70, nº 1, alínea b) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, do acórdão do Supremo Tribunal Militar de 25 de Fevereiro de 1999, que revogou o despacho do juiz auditor do 2º Tribunal Militar Territorial de Lisboa de 6 de Março de 1998, o qual determinara manter o pedido de extradição formulado e a validade dos mandatos de captura referentes ao réu A..., e que julgou extintas, por prescrição, as penas global e parcelares aplicadas ao mesmo réu.

    Também o promotor de justiça, que representa o Ministério Público junto do Supremo Tribunal Militar, recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo dos artigos 280º, nº 1, alínea b) da Constituição, conjugado com os artigos 285º do Código de Justiça Militar, 70º, nº 1, alínea b) e 72º da Lei nº 28/82, relativamente ao mesmo acórdão do Supremo Tribunal Militar de 25 de Fevereiro de 1999 (de que o promotor de justiça pedira aclaração) e ainda ao acórdão desse Tribunal de 25 de Março de 1999 (que decidiu sobre o pedido de aclaração).

  2. Para entendimento dos requerimentos de interposição do recurso (cfr. infra, nº 7 e 8) é indispensável relatar a marcha do processo em que se inserem.

    A... foi julgado, à revelia, no 2º Tribunal Militar Territorial de Lisboa, vindo a ser condenado, por acórdão de 27 de Julho de 1981, como autor moral de quatro crimes previstos pelo artigo 216º, nº 4 (falsificação de documento autêntico) do Código Penal de 1886 e de um crime previsto pelo artigo 424º, § 4º (promoção dolosa) do mesmo Código, e material de outro crime previsto pelo mesmo artigo 424º, § 4º, de dois crimes previstos pelo artigo 228º (promoção dolosa) do mesmo Código e do crime previsto pela Lei Constitucional nº 8/75, de 25 de Julho (funcionário da Direcção-Geral de Segurança, pertencente às categorias de pessoal dirigente e pessoal técnico de investigação criminal, superior e auxiliar, até chefe de brigada, inclusive, e/ ou funcionário da sua antecessora Polícia Internacional e de Defesa do Estado, das categorias de pessoal de direcção e investigação, até chefe de brigada, inclusive). Por consequência, foi o réu condenado nas penas de três anos de prisão maior por cada um dos crimes previstos pelos referidos artigos 216, nº 4 e 228º, de três anos de prisão maior e quatro meses e quinze dias de multa à razão de 20$00 por dia, por cada um dos crimes previstos pelo artigo 424 § 4º e de vinte e dois meses de prisão pelo crime da Lei nº 8/75. O mesmo acórdão aplicou ao réu alguns perdões e, em cúmulo jurídico das penas subsistentes, condenou o réu na pena unitária de oito anos de prisão maior e nove meses de multas a 200$00 por dia, multa esta na alternativa de seis meses de prisão.

    Por acórdão do referido 2º Tribunal Militar Territorial de Lisboa de 12 de Fevereiro de 1990, foi decidido julgar extinto o procedimento criminal pelos crimes que o citado réu A... foi acusado e condenado, com excepção de infracção do artigo 1º, alínea b) da Lei nº 8/75 e, face aos perdões já aplicados, declarar extinta a pena imposta pela aludida infracção.

    Deste acórdão foi interposto recurso pelas assistentes I... e M... para o Supremo Tribunal Militar, que, por acórdão de 24 de Maio de 1990 lhe deu provimento, em parte, revogou o acórdão recorrido e decidiu ainda que:

    "

    1. O procedimento criminal contra [...] A... está findo, correndo o prazo para prescrição das respectivas penas, prazo que, não havendo alteração por interrupção ou início de execução, se completará em [...] 27 de Julho de 1996 , em relação ao[s] réu[s] [...] A...;

    2. Sobre as penas unitárias impostas [...] para além do perdão de seis (6) meses decretado pelo acórdão de 8 de Julho de 1982 deste Supremo Tribunal incide ainda o perdão de [...] dezoito (18) meses de prisão em relação ao réu A..., nos termos do artigo 13º, nº 1, alínea b) da Lei nº 16/86 citada."

    A conclusão da alínea a) foi fundamentada pelo acórdão no artigo 585º do Código de Processo Penal de 1929 segundo o qual "a prescrição da pena, imposta a um réu condenado à revelia, começará a contar-se desde a data em que foi proferida a sentença condenatória", pelo que o acórdão concluiu que "quando foi proferido o acórdão de 27 de Junho de 1981, iniciou-se o prazo para a prescrição da pena".

  3. Em 6 de Março de 1998, o juiz auditor do 2º Tribunal Militar Territorial de Lisboa proferiu despacho em que entendeu que as penas aplicadas ao abrigo da Lei Constitucional nº 8/75 não podem prescrever e, por isso, determinou que se mantinha o pedido de extradição formulado e a validade dos mandados de captura referentes ao réu A....

    O réu recorreu do despacho, alegando estar extinta a sua responsabilidade criminal, por força da prescrição - não interrompida - da pena unitária aplicada, por decurso do prazo legalmente estabelecido.

    As assistentes contra-alegaram, concluindo que: a) as penas aplicadas ao abrigo da Lei nº 8/75 são imprescritíveis pois só assim será alcançado o objectivo daquela lei excepcional; b) Não tendo havido, no caso vertente, trânsito em julgado do Acórdão que condenou o recorrente, não está fixado o momento a partir do qual deverá ser contada a prescrição da pena aplicada, nos termos do artº 122º, nº 2 do Código Penal; c) no caso sub judice os perdões das penas só serão efectivos após o trânsito em julgado, que não aconteceu, da decisão condenatória, não sendo possível aplicar um perdão a uma pena que não se encontra ainda fixada; d) em consequência, o perdão não extingue, no caso vertente, as penas aplicadas ao recorrente.

    O promotor de justiça no Supremo Tribunal Militar emitiu parecer em que conclui: a) é de dar provimento ao recurso quanto à pena aplicada ao réu A... não ser imprescritível; b) conforme se decidiu no acórdão do Supremo Tribunal Militar de 24 de Maio de 1990, o procedimento criminal contra o réu A... está findo, tendo esta decisão transitado em julgado, o procedimento criminal terminou quando foi proferida a decisão condenatória, em 27 de Junho de 1981; c) a decisão constante do citado acórdão de 24 de Maio de 1990, em que a pena aplicada ao réu A... prescreveu em 27 de Julho de 1996, é uma decisão condicional de natureza opinativa, pelo que não transitou, não havendo caso julgado; d) o regime mais favorável ao réu A... é o do Código Penal de 1886 pelo que, tendo sido ele condenado em 27 de Julho de 1981, a prescrição da pena só ocorrerá em 27 de Julho de 2001, a não ser que haja, entretanto, início de execução ou interrupção.

  4. Por acórdão de 25 de Fevereiro de 1999, o Supremo Tribunal Militar deu provimento ao recurso, embora por fundamentos diferentes, revogou o despacho recorrido e julgou extintas, por prescrição, as penas global e parcelar aplicadas ao recorrente. Na fundamentação do decidido, disse, nomeadamente, este acórdão :

    " Nos termos mesmos do despacho recorrido, a imprescritibilidade das penas aplicadas ao abrigo da Lei nº 8/75, isto é, in casu, a de vinte e dois meses de prisão pela infracção ao artº 1º, alínea b) da citada lei, dispensava o abordar de outras questões.

    Porém, os perdões já decretados a incidirem somente sobre essa pena, no caso das demais, impostas ao abrigo do Código Penal, terem prescrito, levariam à extinção dela e, consequentemente, à extinção da acção penal contra o recorrente.

    Daí que haja necessidade de se analisar, em relação a este, se existe causa de extinção, seja do procedimento criminal, seja das várias penas a ele impostas.

    Relativamente ao procedimento criminal é indiscutível que a sua prescrição não existe no que toca às infracções previstas na Lei nº 8/75, de 25 de Julho ex vi do disposto no artigo 11º da mesma lei que preceitua "o procedimento criminal pelos factos a que se refere o presente diploma é imprescritível".

    Será, porém, igualmente imprescritível o procedimento criminal pelos crimes comuns cometidos pelos autores daquelas infracções e sujeitos a julgamento simultâneo nos tribunais militares?

    Uniformemente quer este Supremo Tribunal, quer os tribunais militares de instância decidiram sempre pela prescritibilidade do procedimento criminal relativamente a tais crimes.

    O Mmº Juiz Auditor recorrido vem, todavia, no seu despacho de sustentação, defender a tese contrária, com base em três fundamentos: não ser admissível que possa prescrever o procedimento criminal por crimes mais graves do que os previstos na dita Lei nº 8/75, não poder esta lei reproduzir todas as normas incriminadoras das leis penais gerais e serem tais crimes julgados nos tribunais militares.

    Estes argumentos não têm consistência.

    Quanto ao primeiro, ter-se-á que referir a razão de ser da imprescritibilidade dos factos incriminados pela Lei nº 8/75.

    Esta veio criar, nos seus artigos 1º a 5º, diversas infracções, que anteriormente o não eram, a maior parte das quais praticadas antes da publicação da lei, mais concretamente entre 28 de Maio de 1926 e 25 de Abril de 1974.

    Ora, se o legislador não tivesse decretado a imprescritibilidade do procedimento criminal relativamente às mesmas infracções, muitas destas poderiam prescrever na mesma altura da sua criação, o que, para além de traduzir uma desigualdade entre os incriminados, frustraria a intenção de alei, que era, como se vê do respectivo preâmbulo, obter uma punição de todos eles.

    Contudo, relativamente aos crimes comuns, não se impunha a mesma necessidade de declarar imprescritível o respectivo procedimento criminal já que as normas incriminadoras existiam desde há muitas dezenas de anos.

    Assim, bem se compreende que o legislador tivesse decretado a imprescritibilidade apenas das infracções criadas na altura, independentemente do nível da sua punibilidade.

    Necessário não era, se o legislador tivesse querido tornar imprescritível também o procedimento criminal pelos crimes comuns, reproduzir na Lei nº 8/75 todas as normas incriminadoras...

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