Acórdão nº 304/01 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Junho de 2001

Magistrado ResponsávelCons. Vítor Nunes de Almeida
Data da Resolução27 de Junho de 2001
EmissorTribunal Constitucional (Port

Procº nº 592/00 ACÓRDÃO Nº304/01

  1. Secção

Consº Vítor Nunes de Almeida

ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

I - RELATÓRIO

1. – E... e mulher M... propuseram, no Tribunal Cível da Comarca do Porto, contra S... e mulher C... uma acção ordinária de reivindicação de propriedade relativa a uma garagem que os réus ocupam, segundo os autores sem título bastante, pelo que pretendem que sejam declarados legítimos donos da garagem, considerando-se a detenção por parte dos réus ilegal e de má fé, condenado-se os mesmos a restituírem-lhes a garagem livre e desocupada.

Por sentença de 5 de Julho de 1998, o Tribunal julgou a acção procedente e provada, julgando que os AA são proprietários da garagem identificada e que os RR não têm título legítimo para ocuparem a garagem, sendo condenados a restituí-la aos AA livre e devoluta.

Os réus, não se conformando com a sentença, interpuseram recurso para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 18 de Maio de 1999, decidiu negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Ainda inconformados, os réus interpuseram recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), resumindo a revista a uma única questão: a de saber se a alínea e) do nº2 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro, se aplica a todos os arrendamentos nela previstos que tenham sido celebrados antes da entrada em vigor do referido diploma.

2. - O STJ, por acórdão de 6 de Julho de 2000, decidiu negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Analisando a questão, o STJ começa por afirmar que a norma agora questionada não fazia parte do elenco das excepções elencadas no nº2 do artigo 1083º do Código Civil (CC), o que podia indiciar tratar-se de uma norma inovadora. Porém, analisada a sua eventual natureza interpretativa, o STJ conclui que, a ser a lei nova interpretativa, ela não seria substancialmente retroactiva pelo que não violaria qualquer expectativa legitimamente fundada dos recorrentes.

Mas, o STJ entende que a norma em causa é inovadora, o que, todavia, não obsta à sua aplicação imediata.

Escreve-se no acórdão do STJ:

"Com efeito, na lição do Prof. Pereira Coelho, "a nova lei que concedeu ao senhorio um tal direito de denúncia dispõe directamente sobre o conteúdo da relação locativa independentemente do contrato em que a mesma relação se originou (artº 12º, nº2, 2ª parte do CCV)".

Não se trata de um efeito do contrato, de um efeito das declarações de vontade das partes, mas de um efeito da lei, que, independentemente do que tivesse sido acordado entre as partes ou do silêncio delas a tal propósito alterou o estatuto do senhorio nos arrendamentos de que se trata, conferindo-lhe um amplo direito de denúncia do contrato" - Breves Notas ao Arrendamento Urbano, in RLJ 125, pág. 260 e 264.

A tese contrária abriga-se quase sempre na doutrina do Prof. Baptista Machado segundo a qual "sendo o contrato um acto de previsão e um acto de autonomia negocial, as partes tomam em conta, quando o celebram, a lei que então se acha em vigor e que é em função dessa lei que elas realizam o equilíbrio das suas convenções" – cfr. Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil, 1968, pág. 108.

É esta a ideia força de toda a argumentação dos recorrentes, embora não refiram aquele Mestre coimbrão.

Contudo, esquecem-se, como todos os que assim pensam, que esta construção foi elaborada para os contratos em geral e no âmbito da aplicação do princípio da autonomia privada, o qual, no entanto, cede terreno no domínio dos arrendamentos vinculísticos, onde a lei restringe a liberdade contratual fixando o estatuto fundamental das pessoas através das normas de carácter público.

Aí, é de aplicar a lei nova nos termos do artº 12º, nº2, 2ª parte, visto o legislador ter disposto sobre o conteúdo da relação jurídica, abstraindo dos factos que lhe deram origem."

3. - Ainda inconformados, os réus interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, para que se aprecie a norma do artigo 5º, nº2, alínea e) do RAU, aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro [no requerimento diz-se que a norma é do decreto-lei, mas, só pode ter sucedido por lapso, uma vez que o nº2 do artigo 5º do DL 321-B/90, não tem alínea e)], quando interpretada como sendo possível ao senhorio denunciar livremente o contrato de arrendamento de uma garagem no termo do mesmo, ainda que o dito contrato tenha sido celebrado antes da entrada em vigor do RAU.

Segundo os recorrentes, uma tal interpretação normativa viola o princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático.

4. – Neste Tribunal, os recorrentes apresentaram alegações, nas quais formularam as seguintes conclusões:

"I

O pensamento fundamental de que arranca a eficácia prospectiva da lei (...) é o de, não podendo exigir-se às pessoas o dom de preverem as alterações legislativas futuras, ser justo aplicar aos diferentes actos jurídicos as normas em vigor ao tempo da sua prática, por ser com os efeitos desta que os interessados, ao agirem, podem e devem, razoavelmente, contar."

II

"Sendo o contrato um acto de previsão e um acto de autonomia negocial, as partes tomam em conta, quando o celebram, a lei que então se acha em vigor e que é em função dessa lei que elas realizam o equilíbrio das suas convenções."

III

"De harmonia com a jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional, embora o princípio da não retroactividade da lei não tenha assento na Constituição vigente, salvo quanto á matéria penal, todavia uma lei retroactiva pode ser inconstitucional, não por ser retroactiva, mas por contrariar normas ou princípios constitucionais, como, por ex., o princípio da protecção da confiança "ínsito no princípio do...

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