Acórdão nº 200/01 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Maio de 2001

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução09 de Maio de 2001
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃ0 Nº 200/01

Processo n.º 168/99

  1. Secção

Relator – Cons. Paulo Mota Pinto (Cons. Guilherme da Fonseca)

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    1. A Câmara Municipal de Constância veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, "ao abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro", do acórdão n.º 1/99, do Tribunal de Contas, proferido em sessão plenária da 3ª Secção, de 3 de Fevereiro de 1999, que negou provimento ao recurso interposto pela mesma Câmara "da decisão que fixou os emolumentos a pagar pela Autarquia pela devolução da conta de gerência n.º 271/96", dizendo, após convite nesse sentido do relator no Tribunal Constitucional, que "a norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada, e se pretende ver apreciada por esse Alto Tribunal, é a do artigo 9º, n.º 1, do Regime de Emolumentos do Tribunal de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/96, de 31 de Maio".

    Nas suas alegações, concluiu assim a Câmara recorrente:

    "1º) A norma do artigo 9º, n.º 1, do Regime dos Emolumentos do Tribunal de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/96, de 31 de Maio, ao introduzir, por confronto com o regime legal que revogou e substituiu, um aumento de 700% (setecentos por cento) no emolumento devido pelo julgamento das contas sujeitas à apreciação do Tribunal de Contas, viola o princípio da proporcionalidade;

    1. ) Tal violação torna-se patente se se atentar em que, como resultado da aplicação do novo regime emolumentar, os Municípios mais pequenos do País, e com menor volume de receitas, automaticamente ficam equiparados ao Concelho de Lisboa, que arrecada maior volume de receitas, como é facto notório, atingido igualmente o limite máximo previsto para o emolumento em causa, e suportando com ele um custo proporcionalmente muito maior;

    2. ) O que é tanto mais injusto quando é certo que, no regime legal anterior, enquanto que o Município de Lisboa atingia, dado o seu volume de receita, o limite máximo então fixado para o emolumento, um Município pequeno, como o Recorrente, estava sujeito ao pagamento de cerca de metade desse valor;

    3. ) Donde resulta, agravando o efeito discriminatório, um aumento maior, não só em termos relativos como em valor absoluto, do emolumento a pagar pelo Município mais pequeno, como o recorrente, relativamente ao Município de Lisboa;

    4. ) Do mesmo passo que se concedem, na prática, injustificadas isenções às empresas de fim lucrativo, sujeitas à fiscalização sucessiva do Tribunal de Contas, se as contas de gerência não registarem lucros;

    5. ) O que mal se compreende, se se tiver em conta a filosofia que presidiu ao novo regime emolumentar, que levou a uma drástica restrição das isenções como tal denominadas, praticamente limitadas aos pareceres sobre as Contas Gerais do Estado e das Regiões Autónomas;

    6. ) Tanto mais quanto é certo que, estabelecendo-se um limite máximo para o emolumento, as empresas sem lucros, se não fossem dispensadas do respectivo pagamento, limitar-se-iam a prestar uma contrapartida razoável pelo serviço traduzido no julgamento das suas contas;

    7. ) Sendo, de todo, inadmissível que um Município de parcos recursos se tenha visto a pagar um emolumento de 2 700 000$00 (dois milhões setecentos mil escudos), tanto como Lisboa, quando pagaria apenas 367 846$00 (trezentos e sessenta e sete mil oitocentos e quarenta e seis escudos), pelo regime legal anterior, ao mesmo tempo que empresas como a 'Parque Expo' não pagam nada, porque não dão lucros, apesar de movimentarem valores muitas vezes superiores à receita anual da Recorrente;

    8. ) O que, tudo, importa violação do princípio da igualdade, que proíbe a discriminação negativa, assim como do princípio da proporcionalidade, daquele decorrente, que proscreve o arbítrio, ferindo o preceito do artigo 13º da Constituição da República."

    Tudo visto, e após mudança de relator por vencimento, cumpre decidir.

  2. Fundamentos

    1. Objecto do recurso

      1. Importa começar por precisar o objecto do presente recurso.

      A Câmara recorrente interpôs oportunamente recurso da decisão do Tribunal de Contas "relativamente ao emolumento cobrado pela Devolução da Conta de Gerência n.º 2718/96 (referência da Direcção-Geral: ofício circular n.º6343/98, de 27/05/98; Doc. de cobrança n.º 12905/98-C)", no montante de 2 7000 000$00, daí tendo resultado o acórdão recorrido, que dele conheceu.

      Ora, a condenação em custas fundamentou-se no artigo 9º do "Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas", aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/96, de 31 de Maio. Dispõe esta norma:

      "1 - Pelo julgamento ou verificação, pela certificação ou pelo arquivamento de contas são devidos emolumentos no montante de 1% do valor da receita própria da gerência.

      2 - (...)

      3 - Os emolumentos previstos nos números anteriores têm valor máximo de 50 vezes o VR e o mínimo 5 vezes o VR.

      (...)"

      Foi, na verdade, por aplicação do modo de cálculo emolumentar previsto neste artigo 9º que, quanto às contas de 1996, se chegou ao valor de 2 942 767$83, passando para 2 700 000$00, por ser o limite máximo previsto no citado n.º 3 – ou seja, 50 vezes o "valor de referência", abreviadamente designado "VR", que, nos termos do n.º 3 do artigo 2º do citado diploma, "corresponde ao índice 100 da escala indiciária das carreiras de regime geral da função pública, arredondado para o milhar de escudos mais próximo, ou, se a proximidade for igual, para o imediatamente superior."

      A norma aplicada não foi, como se vê, apenas a do n.º 1 deste artigo 9º, mas também o seu n.º 3. Uma vez que a aplicação do critério geral previsto no n.º 1, de 1% do valor da receita própria da gerência, conduziria a uma condenação em custas superior a 50 vezes o valor de referência, aplicou-se este limite máximo previsto no n.º 3 desse artigo 9º.

      O artigo 9º, n.º 1, – cuja constitucionalidade a recorrente esclareceu pretender ver apreciada – apenas foi aplicado, portanto, enquanto a forma de cálculo nele previsto levou a que se aplicasse à recorrente o limite máximo previsto no n.º 3, e não um valor superior a este limite.

      Tal não obsta, porém, ao conhecimento do presente recurso, uma vez que o n.º 1 do artigo 9º foi aplicado – em conjunto com o n.º 3 – na decisão recorrida.

    2. Questão de inconstitucionalidade orgânica

      1. Está em causa no presente processo o valor dos emolumentos cobrados à Câmara Municipal de Constância pela verificação das suas contas, tal como resulta do artigo 9º do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/96, de 31 de Maio. No recurso da decisão interposto ainda no Tribunal de Contas a recorrente suscitou a inconstitucionalidade orgânica desse regime, por, em seu entender, consagrar "um verdadeiro imposto, não existindo correspectividade e correlação entre o valor cobrado e o serviço prestado, não se configurando o emolumento como uma genuína taxa, pelo que carecia o Governo de competência para legislar sobre a matéria (...)". Na verdade, dispunha a Constituição no seu artigo 168.º (actual artigo 165º), à data em que o Decreto-Lei n.º 66/96 foi aprovado, que:

        "1. É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo: (…)

        i) Criação de impostos e sistema fiscal;"

        E o regime jurídico em questão no presente processo foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/96, de 31 de Maio, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 201º da Constituição.

        A arguição de inconstitucionalidade orgânica foi desatendida no acórdão sob recurso (ponto 3.1.), tal, como, aliás, também já tinha sido considerada improcedente no parecer do representante do Ministério Público nesse Tribunal. Por outro lado, se no requerimento de recurso a recorrente ainda indicou, como preceito constitucional violado, também o artigo 165º, n.º 1,alínea i), da Constituição (querendo referir-se, com certeza, à norma correspondente, depois da IV revisão constitucional, ao artigo 168º, alínea i)), já nas alegações de recurso no Tribunal Constitucional considera a norma em questão apenas ferida de inconstitucionalidade material, por violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade.

        Poderia, assim, concluir-se que, nestas alegações, a recorrente abandonou a questão da inconstitucionalidade orgânica da norma em questão.

        De toda a forma, para além de esta questão ter sido suscitada pela recorrente logo no recurso emolumentar no Tribunal de Contas, e, depois, ainda no requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional, e para além de ela ter sido tratada na decisão ora recorrida, e, ainda, considerando também que – pelo menos numa certa visão das coisas – para tal questão poderá ter consequências a alegação de violação manifesta do princípio da proporcionalidade (que poderia relevar para a qualificação como taxa ou imposto), o Tribunal sempre está autorizado a tratá-la no presente recurso (cf. o artigo 79º-C da Lei do Tribunal Constitucional).

      2. Depende a solução da questão da constitucionalidade orgânica de saber se os emolumentos previstos no artigo 9º constituem verdadeiras taxas ou correspondem antes a impostos. Ora, como se sabe, não constitui tarefa fácil a delimitação, no plano conceptual, da taxa – receita cujo montante é também autoritariamente fixado e que pode corresponder a uma procura obrigatória de um serviço – e da diversa realidade tributária que é o imposto.

        Para responder a tal questão não se afigura indispensável, no presente caso, aprofundar a questão de saber se as pessoas colectivas públicas – no caso, aliás, um município, e não o próprio Estado – podem, em geral, ser sujeitos passivos de imposto – questão, esta, à qual a doutrina não dá uma resposta negativa (v. J. Casalta Nabais, O dever fundamental de pagar impostos, Coimbra, 1998, pp. 286 e s., e já J. M. Cardoso da Costa, Curso de direito fiscal, Coimbra, 1970, pp. 258-261, com indicações da doutrina italiana), que poderia, aliás, eventualmente ser contrariada por várias disposições legais (que prevêem...

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