Acórdão nº 373/02 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Setembro de 2002

Magistrado ResponsávelCons. Tavares da Costa
Data da Resolução26 de Setembro de 2002
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 373/02

Processo n.º 899/98

  1. Secção

Rel. Cons. Tavares da Costa

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I

1. - A, B, C, D, E, F e G, todos identificados nos autos, requereram, em 10 de Outubro de 1997, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, "nos termos dos artigos 86º e segs. da L.P.T.A. e previamente à interposição da acção procedimental administrativa na modalidade de recurso contencioso a que alude o artigo 12º, n.º1, da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto, a intimação da H, das I., J, K, L, M, N, O, P, Q, R., e S, a absterem-se de utilizar a antiga estação de recolha de eléctricos do Arco do Cego, em Lisboa, para aí desenvolverem a sua actividade comercial, "dado que a pretendida utilização irá violar os artigos 85º, 86º, n.º1, 102º e 103º do regulamento do P.D.M. de Lisboa".

Contestaram oportunamente as requeridas H, J, L., M e R, todas deduzindo, além do mais, a excepção da respectiva ilegitimidade, tendo as seis primeiras requerido, por sua vez, a intervenção da Câmara Municipal de Lisboa (CML) e de Ambelis - Agência para a Modernização Económica de Lisboa, SA, e a última suscitado a questão da inadequação do meio cautelar utilizado.

O magistrado do Ministério Público competente, no seu parecer, considerou que, estando em causa eventuais vícios do acto administrativo que os recorrentes se propõem impugnar, o meio próprio que deveria ter sido utilizado era o da suspensão da eficácia do acto previsto nos artigos 76º e segs. da LPTA, "meio esse tipicamente associado ao recurso contencioso de anulação e que pressupõe a prática de actos administrativos ou em matéria administrativa (arts. 26º, n.º1, al. m), e 51º, n.º1, al. l), do ETAF)", concluindo no sentido da rejeição da pretensão dos requerentes.

2. - O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, por decisão de 23 de Janeiro de 1998, veio a julgar as requeridas partes legítimas, não admitindo o chamamento da CML e da "Ambelis", e indeferiu o pedido de intimação.

Para tanto, quanto à matéria do incidente e da legitimidade das requeridas, ponderou o Tribunal Administrativo de Círculo que, face ao disposto no nº1 do artigo 86º da LPTA, este meio processual - a intimação para um comportamento – tem por objectivo reagir contra a violação de normas de direito administrativo por parte de particulares ou concessionários mediante a imposição de um comportamento activo ou omissivo, destinado a assegurar o cumprimento das normas tidas por violadas ou em risco de o ser, e que «o pedido de intimação não pode ser formulado quando os interesses que com ele se pretendem tutelar sejam susceptíveis de defesa pelo incidente de suspensão da eficácia do acto» (cfr. nº3). Assim, concluiu que nesta providência «o requerido é sempre um particular ou um concessionário, mas nunca a Administração», pois, «se a violação provier da Administração não será este procedimento acessório a forma de processo a utilizar», e, «daí não fazer qualquer sentido a pretensão das requerentes referidas no sentido da intervenção da CML».

E, acrescentou-se, que «nos termos em que a relação jurídica é configurada pelos requerentes, as requeridas têm legitimidade para a presente providência», pois, «aqueles imputam a estas a violação ou pelo menos o perigo de violação dessas normas».

Relativamente ao chamamento da "Ambelis" a decisão de indeferir tal pretensão baseou-se no facto de os requerentes não lhe imputarem a violação de qualquer norma, não se justificando, assim, a sua intervenção.

Quanto ao fundo da causa, observou-se, essencialmente, que, não existindo à data do pedido um acto administrativo do qual os requerentes se pudessem defender através do incidente de suspensão da eficácia - só no decurso do processo de intimação é que foi proferido acto administrativo recorrível - o processo de intimação era o adequado, mas, admitindo haver fundado receio da futura utilização das instalações da antiga estação de recolha de eléctricos do "Arco do Cego", considerou que, efectivada que fosse essa utilização, as requeridas não violariam normas de direito administrativo, visto serem empresas transportadoras, que nada têm a ver com as obras efectuadas e a efectuar naquele local. E, acrescentou-se, «a verificar-se a utilização pelas requeridas das instalações do "Arco do Cego", tal ficará a dever-se a determinação da CML», e não a acto voluntário e da iniciativa das requeridas.

Indeferiu-se, assim, o pedido de intimação.

3. - Interposto recurso para o Tribunal Central Administrativo pelos recorrentes, veio este Tribunal, por acórdão de 23 de Abril de 1998, a deferir a providência e a ordenar «que as requeridas se abstenham de vir a utilizar a antiga estação de recolha de eléctricos do Arco do Cego, em Lisboa, como terminal de Operadores Privados de Transporte Rodoviário Expresso, na hipótese de a CML vir a autorizar a utilização daquele espaço urbano, com violação das normas constantes dos art.ºs referidos no regulamento, que aprovou o PDM, de Lisboa».

Por acórdão de 9 de Julho de 1998, veio o Tribunal Central Administrativo decidir da nulidade, por omissão de pronúncia, do acórdão de 23 de Abril, entretanto suscitada pela requerida M – tendo declarado a nulidade do dito acórdão na parte em que condenou a M, negando provimento ao recurso, e mantido, quanto a esta requerida a decisão da 1ª instância –, e do pedido de aclaração formulado pela requerida O, que indeferiu.

Notificada deste aresto, a R, por requerimento de 27 de Julho de 1998, requereu a anulação e reforma do acórdão de 23 de Abril, aclarado pelo acórdão de 9 de Julho, e invocou a inconstitucionalidade das normas dos artigos 85º, alínea d) e 86º, n.º1, do R.P.D.M., bem como do artigo 86º, n.º1, da LPTA, na forma como foram interpretadas e aplicadas naquele acórdão.

Decidindo tais questões, o Tribunal Central Administrativo, pelo acórdão de 13 de Agosto de 1998, indeferiu os pedidos de anulação e reforma do acórdão de 23 de Abril, alterado pelo acórdão de 9 de Julho, e não tomou conhecimento das inconstitucionalidades equacionadas, que considerou não terem sido atempadamente suscitadas.

4. - Por requerimento de fls. 445 e segs., vem agora o Município de Lisboa, interpor recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo em 23 de Abril de 1998, completado pelos acórdãos do mesmo Tribunal de 9 de Julho e de 13 de Agosto do mesmo ano, « ...enquanto a decisão interpretou as normas (disposições) dos artigos 86º (especialmente o seu n.º3) e 88º, n.º1, da LPTA, no sentido de que, em processos de intimação para um comportamento, instaurados como dependência de recurso contencioso de acto administrativo, o Tribunal pode intimar particulares a absterem-se da prática de actos que sejam ou venham a ser autorizados pela Administração, por via de acto administrativo, com fundamento em violação por tais normas, nessa interpretação, do artigo 2º (...) e do artigo 111º, n.º1, conjugado com o artigo 266º, todos da CRP...».

Entretanto, a requerida R., apresentou o requerimento, de fls. 451 e segs., pelo qual pretende interpor recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo para uniformização de jurisprudência.

Por despacho de fls. 507, proferido pelo Desembargador relator no Tribunal Central Administrativo, foi admitido o recurso interposto para o Tribunal Constitucional e, invocando-se o disposto no artigo 75º, n.º1 da Lei 28/82, de 15 de Novembro, na redacção da Lei n.º 13-A/98, de 26/12, rejeitou-se o recurso interposto para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, que se considerou prematuro.

No Tribunal Constitucional, a convite do relator, veio o recorrente concretizar o requerimento de interposição de recurso, o que fez nos termos de fls. 528 a 547, sintetizando da seguinte forma:

"a) a referência, no requerimento de recurso, a ‘processos de intimação para um comportamento, instaurados como dependência de recurso contencioso de actos administrativos’, quer aludir à relação, a que se reportam os artºs. 86º, nº 2, e 90º da LPTA, entre o processo de intimação, como meio acessório de natureza cautelar, e o meio principal, havendo a palavra ‘dependência’ sido utilizada com sentido semelhante ao que tem no artº 383º, nº 1, do CPC;

  1. a indicação do meio principal (no caso, recurso contencioso) pertence ao requerente da intimação, havendo, no caso dos autos, os requerentes da intimação feito essa indicação (recurso contencioso) no requerimento inicial, cabeçalho e artºs. 115º a 119º (fls. 2ss.);

  2. o segmento normativo que o ora recorrente tem por inconstitucional e que corresponde à interpretação dos artºs. 86º e 88º, nº 1, da LPTA necessariamente pressuposto pela decisão recorrida é o seguinte: é possível, em processo de intimação para comportamento, instaurado como dependência de recurso contencioso de acto administrativo (isto é, em meio acessório e cautelar de recurso contencioso do acto ou actos administrativos), e sem que a Administração seja ou possa ser parte, intimar particulares a absterem-se de comportamentos que sejam ou venham a ser autorizados pela Administração, por via de acto administrativo (pelo menos, se a autorização não tiver sido concedida ao tempo do requerimento de intimação, ou, no limite, ao da própria decisão desta);

  3. a legitimidade do ora recorrente para recorrer para o Tribunal Constitucional, como terceiro directa e efectivamente prejudicado, é co-essencial à própria razão de ser da inconstitucionalidade alegada, por violação do artº 2º da CRP, uma vez que tal inconstitucionalidade resulta de o segmento normativo mencionado permitir um tipo de decisão sem que a Administração possa ser parte no processo, quando o princípio constitucional do contraditório imporia que um tal tipo de decisão só se mostrasse admissível quando a Administração pudesse ser e fosse parte;

  4. considerando o facto de ser terceiro, o ora recorrente suscitou em tempo as...

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