Acórdão nº 367/02 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Junho de 2002

Magistrado ResponsávelCons. Sousa Brito
Data da Resolução23 de Junho de 2002
EmissorTribunal Constitucional (Port

Acórdão nº 367/02

Proc. nº 341/02

  1. Secção

    Relator: Cons. Sousa e Brito

    Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:

    I - Relatório

    1. Por decisão do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca do Montijo, de 2 de Maio de 2001, foi o ora recorrente, A, condenado:

      1. como co-autor material de um crime de rapto, previsto e punido pelo artigo 160º, nº 1, al. a) do Código Penal, na pena de 5 anos de prisão;

      2. como co-autor material de um crime de extorsão, previsto e punido pelo artigo 222º, nºs 1 e 3, al. a), com referência aos artigos 204º, nº 2, als. A) e f) e 202º, al. b) do Código Penal de 1995 e art. 4º do D.L. nº 48/95, de 15 de Março, na pena de 7 anos e 6 meses de prisão;

      3. como co-autor material de um crime de dano simples, previsto e punido pelo artigo 212º, do Código Penal, na pena de 8 meses de prisão.

      Operado o cúmulo jurídico das penas parcelares referidas em b) e c), foi o ora recorrente condenado na pena única de 7 anos e 10 meses de prisão, da qual foi declarada perdoada, nos termos do art. 1º, nº 1, al. a), da Lei nº 29/99, de 12 de Maio, 15 meses e 10 dias de prisão, sob a condição resolutiva prevista nos nºs 4 e 5 da mesma Lei.

      Procedendo depois ao cúmulo jurídico do remanescente da referida pena unitária com a pena de 5 anos de prisão, aplicada ao crime de rapto (excluída daquele perdão), foi o ora recorrente condenado na pena global e única de 9 anos de prisão.

      O ora recorrente foi ainda condenado, juntamente com outro, a pagar ao lesado (ora recorrido), a título de indemnização pelos prejuízos sofridos a quantia global de 6.750.000$00.

    2. Inconformado com a assim decidido o assistente, B, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo concluído a sua alegação da seguinte forma:

      "1ª - Ao levarem a cabo os seus intentos criminosos, os arguidos, mesmo depois de apontarem uma arma à cabeça do ora recorrente e de lhe terem desferido um choque eléctrico, com o que este deixou de oferecer qualquer resistência, ainda assim deram-lhe posteriormente pancadas na cabeça, com um pau, encapuçaram-no, algemaram-lhe as mãos, amarralham-lhe os pés, deram-lhe soníferos, ameaçaram-no de levar um tiro e colocaram-no na bagageira do seu veículo, durante cerca de duas horas, num dia de verão, à hora de maior calor.

  2. - Numa perspectiva objectiva, todo este comportamento excede, claramente, a violência necessária e suficiente è perpetração do rapto, tendo causado ao ora recorrente acentuado, grave e intenso sofrimento físico e psicológico.

  3. - A conduta dos arguidos assume, assim, características marcadamente cruéis, degradantes e desumanas, tal como estes conceitos se encontram definidos no nº 3 do art. 243º do Código Penal.

  4. - Mais, ainda, cai na alçada da alínea b) do nº 1 do art. 244º do Código Penal, que considera o tratamento inflingido ao ora recorrente, acima descrito, além de cruel, degradante e desumano, como especialmente «grave».

  5. - A conduta dos arguidos deve, por isso, ao contrário do que decidiu incorrectamente o douto acórdão recorrido, ser punida ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 2 do art. 160º, com referência à al. b) do nº 2, do art. 158º, ambos do Código Penal, norma legal esta que, nesta medida, foi violada pelo douto acórdão recorrido.

  6. - Em consequência e por inerência, ao abrigo do disposto nos art.s 496º e 494º do Código Civil, que não foram devidamente valorados e, nessa medida, foram violados pelo douto acórdão recorrido, deve ser reponderado o montante dos danos não patrimoniais sofridos pelo ora recorrente, atendendo ao maior grau de culpabilidade dos arguidos e ao maior nível de sofrimento físico e psicológico do ora recorrente.

  7. - Reponderação que implica necessariamente a agravação do montante fixado pelo douto acórdão recorrido, considerando-se adequado um montante não inferior a Esc. 5.000.000$ 00 (cinco milhões de escudos), a fixar segundo o alto critério de V. Exas.

  8. - O que tudo se requer, com as consequências legais, devendo, por isso, ser revogado, nestas partes, o douto acórdão recorrido, substituindo-se por outro que, tendo em conta o acima exposto, faça um correcto e adequado enquadramento jurídico dos factos provados nos autos".

    1. O ora recorrente, notificado para responder ao recurso interposto pelo assistente, disse, em conclusão, o seguinte:

      "1. A matéria provada permite concluir que no caso não estamos ante a situação delineada no nº 2, al. a) do artigo 160º do Código Penal, porque não se verifica a factualidade tipificada na alínea b) do nº 2 do artigo 158º do Código Penal.

    2. Na verdade, não houve ofensa à integridade física grave, pois os factos dados como apurados não integram de modo suficiente tal conceito.

    3. Dado o carácter limitado da violência usada, a necessária para a consumação do rapto, também não ocorre a tortura ou outro tratamento cruel, degradante ou desumano, tal como o define o art. 243º do Código Penal.

    4. Deste modo não há lugar à modificação do quanto da indemnização decretada, pois que um dos pressupostos de que decorre a respectiva fixação se mostra inalterado".

    5. Já no Supremo Tribunal de Justiça, o Ministério Público, na sua alegação, depois de referir que limitaria a sua observação "ao enquadramento jurídico-penal dos factos configurativos do crime de rapto, que foi ainda objecto de impugnação por parte do assistente", concluiu da seguinte forma:

      "1º - Preenchendo a conduta havida pelos arguidos e dada como provada em II ponto 44 a 49 e 53 a 54 do douto aresto recorrido, o conceito de tratamento cruel e desumano, objecto de definição no nº 3 do art. 243º do Código Penal;

      1. - Pelo crime de rapto qualificado nos termos da al. a) do nº 2 do art. 160º, com referência à al. b) do nº 2 do art. 158º, todos do Código Penal, deverão ser sancionados os arguidos;

      2. - que, ao invés do decidido, não usaram da violência estritamente necessária à concretização do crime de rapto;

      3. - Até porque, mercê do concreto circunstancialismo em que os factos ilícitos ocorreram, praticamente inexistente foi a resistência oposta pelo ofendido aos seus raptores;

      4. - Que, não obstante isso, reiteradamente e usando armas de fogo, ameaçaram-no de morte, produziram-lhe choque eléctrico no braço, agrediram-no na cabeça com um pau, encerraram-no na bagageira do seu próprio veículo, onde permaneceu cerca de duas horas, encapuçado, algemado com as mãos atrás das costas, amarrado pelos pés e coberto por uma lona;

      5. - tudo isto, num dia de verão e a hora de intenso calor, o que produziu no ofendido momentos de pânico e angústia, e fê-lo experimentar ansiedade e incerteza acerca do que poderia acontecer-lhe, face às ameaças de morte que lhe foram feitas, algumas delas com a arma apontada à sua cabeça".

    6. Por sua vez, o assistente, que havia requerido que as alegações fosse prestadas por...

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