Acórdão nº 162/02 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Abril de 2002

Magistrado ResponsávelCons. Sousa Brito
Data da Resolução17 de Abril de 2002
EmissorTribunal Constitucional (Port

Acórdão nº 162/02

Proc. nº 602/01

  1. Secção

    Relator: Cons. Sousa e Brito

    Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:

    I – Relatório

    1. Nos autos nº 2584/01.7 TDLSB do 1º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, requereu a I..., S.A. (ora recorrente) a sua constituição como assistente, com referência aos crimes de "manipulação de mercado" e de "infidelidade", integrados pelos factos relatados na queixa que deu origem ao processo.

    2. Aquele Tribunal, por decisão de 19 de Fevereiro de 2001, indeferiu o pedido de constituição como assistente, na parte relativa ao crime de "manipulação de mercado", decisão que fundamentou nos seguintes termos:

      "Ao tempo dos factos incriminados, vigorava o Código do Mercado de Valores Mobiliários aprovado pelo DL nº 142-A/91, de 10/4, cujo art. 667º, nº 1, definia o crime de manipulação de mercado nos seguintes termos:

      Quem divulgue informações falsas ou enganosas, realize operações fictícias ou execute outras manobras fraudulentas tendo em vista alterar artificialmente o regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários, designadamente através da modificação das condições normais da oferta ou da procura de quaisquer valores mobiliários no mercado secundário e, por esse ou por outro modo, das condições de formação das respectivas cotações ou preços, com o fim de obter um benefício para si próprio ou para outrem ou de causar um dano a terceiros, será punido com prisão até dois anos e multa até 180 dias

      .

      Resulta da tipificação exposta que o objecto imediato da tutela penal dispensado pela disposição legal transcrita não é constituído pelo interesse deste ou daquele operador de mercado de valores mobiliários, já que não é necessária à perfeição do crime a produção de qualquer prejuízo a um particular, mas sim pelo regular funcionamento e pela transparência daquele mercado. Trata-se de um valor de natureza eminentemente social e pública, insusceptível de ser encabeçado por entidade diversa do próprio Estado.

      Assim sendo, não pode a requerente assumir, relativamente a tal crime a qualidade de ofendida, no sentido técnico-jurídico acima explicitado.

      Por conseguinte, verifica-se que a requerente carece de legitimidade ad causam para constituir-se como assistente, pelo denunciado crime de manipulação de mercado, possuindo-a no tocante ao crime de infidelidade».

    3. Inconformada com esta decisão dela recorreu a requerente, tendo, nessa altura, suscitado a inconstitucionalidade do artigo 68º, nº1, al. a) do Código de Processo Penal, em articulação com o artigo 667º do Código do Mercado de Valores Mobiliários, aprovado pelo DL nº 142-A/91, de 10 de Abril, "quando interpretados e aplicados em termos de o prejudicado pela acção do autor da acção típica não deter legitimidade para integrar o estatuto de ofendido e não poder ter no processo intervenção como assistente", por violação do artigo 32º, nº 7 da Constituição.

    4. O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 28 de Junho de 2001, decidiu negar provimento ao recurso, decisão que fundamentou, em síntese, nos seguintes termos:

      "(...)

      Importa desde logo atentar no facto de não serem coincidentes os conceitos de ofendido e de lesado.

      São ofendidos os titulares dos interesses que a lei visa especialmente proteger com a incriminação e lesados aqueles que sofrem danos ocasionados pelo crime.

      Como logo se conclui, o conceito de ofendido é agora restrito, enquanto o de lesado é mais abrangente. Tanto assim que o art. 74º, nº 1, do CPP, abarca na sua noção de lesado mesmo aquele que não possa constituir-se como assistente.

      Não pode considerar-se ofendido qualquer pessoa prejudicada com a comissão do crime, mas, unicamente, o titular do interesse que constitui o objecto imediato do crime.

      No crime de manipulação de mercado previsto no art. 677º do Cód.MVM (DL 142/91, de 10/4, hoje art. 379º do Cód.MVM) protege-se o regular funcionamento do mercado de valores mobiliários.

      O interesse no bom funcionamento desse mercado é do Estado, pois com ele beneficia a economia nacional e, indirectamente, os investidores particulares. Mas o principal lesado, por muito elevados que sejam os prejuízos privados com a criminosa manipulação do mercado de valores mobiliários, é sempre o Estado.

      Assim o tem entendido a jurisprudência do STJ que por acórdão de 20/01/98...

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