Acórdão nº 155/02 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Abril de 2002

Magistrado ResponsávelCons. Helena Brito
Data da Resolução17 de Abril de 2002
EmissorTribunal Constitucional (Port

Proc.º n.º 51/01 Acórdão nº 155/02

  1. Secção

    Relatora: Maria Helena Brito

    Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:

    I

    1. Em autos de expropriação em que é expropriante A e expropriado B, relativa à parcela identificada como "G-2", sita num terreno da Maia, foi proferida decisão arbitral, que fixou a indemnização ao proprietário em 45.360.000$00 e ao rendeiro em 4.620.033$00.

    Quer a expropriante quer o expropriado recorreram de tal decisão para o Tribunal Judicial da Maia que, por decisão de 9 de Fevereiro de 2000, fixou a indemnização em 145.074.600$00, quantia esta a actualizar, nos termos fixados na decisão (fls. 483 a 494).

    A expropriante interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto. Arguiu então a nulidade da decisão, por omissão de pronúncia, e alegou que a parcela expropriada se situa em zona de Reserva Ecológica Nacional (REN), não sendo possível nela implantar qualquer construção, e, bem assim, que não era exacto que a parcela em causa estivesse dotada de infraestruturas rodoviárias, pelo que o solo devia ser classificado como "solo para outros fins" e o seu valor determinado de acordo com o artigo 26º do Código das Expropriações.

    O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 16 de Novembro de 2000 (fls. 551 a 556), negou provimento à apelação, confirmando a decisão recorrida.

    Para assim concluir, a Relação argumentou:

    "[...] apreciemos as questões postas:

  2. - Nulidade da sentença por não ter conhecido da área expropriada

    [...]

  3. - Estar ou não a parcela expropriada servida de infraestruturas como a IC24 e a EN13

    [...]

    Então podemos perfeitamente assentar em que mesmo que seja apenas a zona da área expropriada a estar servida pelas apontadas vias de comunicação mantém-se inteiramente o decidido na classificação do solo como apto para a construção, e isto face ao fundamento invocado na sentença – o do n.º 2 c) do artº 24º C. Exp.

    Improcede esta questão.

  4. - A determinação da localização da parcela na REN ou RAN e isto porque, segundo o apelante, estando ela numa zona classificada como REN não é possível atribuir à parcela expropriada a natureza de solo para construção.

    A sentença fixou que de tal parcela ficavam cerca de 4.000 m2 numa área de equipamento estruturante e o restante numa zona de RAN e para tal apoiou-se nas respostas aos Qºs dos Srs peritos do Tribunal e da expropriante a fls. 341.

    Porém, o que resulta do teor do relatório dos Srs peritos do tribunal e expropriante, onde se apoiou a sentença, e que neste aspecto tem de ser corrigida, é que «....de acordo com a planta de ordenamento do PDM da Maia.... a parcela está incluída na RAN e parte em zona classificada como área de equipamento estruturante» e que «...de acordo com a planta de condicionantes, o terreno está abrangido pela REN».

    Daqui afigura-se-nos legítimo concluir, como se conclui, que a parcela expropriada está simultaneamente em zona de RAN e de REN, o que é perfeitamente compatível, e que, dela, há uma área de 4.000 m2 situada numa «área de equipamento estruturante».

    Posta esta correcção vejamos a classificação a fazer.

    Chamamos desde já a atenção que de acordo com a declaração de expropriação (D. Rep. já cit.) esta se destina «...à construção da central de incineração de resíduos urbanos e respectivo aterro sanitário de apoio...».

    Depois, referir o Ac. Trib. Const. n.º 267/1997 in D.R. de 21/5/1997 proferido sobre um problema de RAN, que a apelante nesse específico quadro parece aceitar, mas cujos princípios informadores (sem qualquer interpretação extensiva, note-se) nos parecem ter plena aplicação aos casos de REN e conduzir à inconstitucionalidade do artº 25º, n.º 4 C. Exp. quando interpretado por forma a excluir de solos aptos para construção os solos tanto integrados na RAN como na REN quando expropriados com a finalidade de neles se levarem a cabo obras com fins diferentes da utilidade pública agrícola ou ambiental, que, precisamente, levou à reserva de tais terrenos como RAN e/ou REN.

    Na verdade, como bem salienta J.O.Gomes in "Expropriações por utilidade Pública" a pág. 43 a 48, depois de defender a indemnização nas situações que conduzam a uma delimitação do conteúdo da propriedade quando acarretem um peso económico significativo na esfera jurídico-patrimonial do proprietário «...o direito de todos a um ambiente sadio ecologicamente equilibrado, a um ordenamento do território correcto e adequado, e à protecção do património, implica o dever de todos suportarem os respectivos encargos.».

    Como salienta o Prof. Oliveira Ascensão in "Expropriações e Nacionalizações" -Lx-1999- pág. 36, 64 e segs., a garantia constitucional da propriedade impõe que esta não possa ser sacrificada sem indemnização, mesmo nos casos em que formalmente a titularidade privada se mantém e não há, pois, tecnicamente expropriação.

    Tudo isto conduziria a uma repartição de sacrifícios a quando da classificação de terrenos como incluídos em REN ou RAN.

    Mas se tal não ocorre, como se sabe, ainda mais se reforça a nossa convicção de não levar mais um prejuízo injustificado ao proprietário quando vir o seu terreno incluído em RAN/REN ser expropriado para fins diferentes dos que levaram à sua inclusão naquelas reservas, e muitas vezes, mesmo fins contrários.

    Consideramos, então, que as motivações expostas no apontado Ac. Trib. Const. mantêm toda a sua razão de ser e justificam a inconstitucionalidade nos termos por nós apontados, quer para terrenos incluídos na área RAN quer REN.

    Mantemos, pois, o decidido na 1ª instância, com esta ligeira alteração de fundamentação."

    1. O representante do Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto interpôs recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da constitucionalidade da norma do n.º 5 do artigo 24º do Código da Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro.

    2. No Tribunal Constitucional, o representante do Ministério Público apresentou alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

    "1º - O princípio constitucional da justa indemnização visa obviar a que aos expropriados possam ser arbitradas indemnizações manifestamente insuficientes para compensar o dano sofrido com a privação do bem, claramente desajustadas do montante que derivaria da aplicação da «teoria da diferença», prevista na lei civil, e do valor venal ou de mercado do bem expropriado.

    1. - Estando o valor venal do prédio expropriado limitado em consequência da existência de uma legítima restrição legal ao "jus aedificandi" – resultante da inserção de terrenos especialmente adequados à actividade agrícola na RAN, e, em parte, na REN – e não tendo o proprietário qualquer expectativa razoável de os ver desafectados e destinados à construção por particulares, não pode invocar-se o princípio da "justa indemnização", de modo a ver reflectido no montante indemnizatório arbitrado ao expropriado uma potencialidade edificativa dos terrenos, que se configura como legalmente inexistente.

    2. - Na verdade, destinando-se a desanexação da reserva agrícola exclusivamente à construção de equipamentos sociais incompatíveis com a edificação pelos particulares, na sua proximidade – e não à transformação de prédio até então legalmente "rústico" em "urbano", situado em zona perfeitamente urbanizável – verifica-se que a parcela de terreno expropriado não passou a deter, supervenientemente ao acto expropriativo, qualquer aptidão edificativa, sendo mesmo a especial afectação da parcela à construção de equipamentos sociais – necessariamente distanciados dos núcleos urbanos – absolutamente incompatível com qualquer vocação edificativa do terreno expropriado.

    3. - Na situação "sub juditio", não ocorreu qualquer desafectação da parcela de terreno situada na zona da REN, pelo que – nesta medida – inexiste qualquer analogia com o caso versado no acórdão n.º 267/97.

    4. - Não se vislumbra, no caso dos autos, qualquer actuação pré-ordenada da Administração, traduzida em "manipulação das regras urbanísticas", com vista a desvalorizar artificiosamente o terreno, reservado ao uso agrícola, para mais tarde o adquirir por um valor degradado, destinando-o então à...

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