Acórdão nº 170/02 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Abril de 2002

Magistrado ResponsávelCons. Fernanda Palma
Data da Resolução12 de Abril de 2002
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nª 170/02

Proc. nº 132/2001

  1. Secção

Rel.: Consª Maria Fernanda Palma

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

I

Relatório

1. Nos autos de Instrução n° 18758/97 0TDLSB, a correr termos no 1° Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, em que são arguidos M... e outros, e assistentes o Sindicato... e outros, foi proferida decisão instrutória, a fls. 3495 a 3534, na qual se decidiu não pronunciar os arguidos pelos crimes imputados.

O Ministério Público interpôs recurso da decisão instrutória, concluindo a respectiva motivação do seguinte modo:

  1. Os factos em apreço são susceptíveis de integrar um crime de difamação, previsto e punível pelos arts. 180º, 183°, nº 2 e 187°, nº 1, do Código Penal.

  2. Com a sua conduta os arguidos pretenderam e lograram apresentar os assistentes como pessoas que trabalham de menos e ganham demais, que sustentam tomadas de posição e reivindicações oportunistas em detrimento dos interesses dos contribuintes.

  3. As circulares, comunicados, anúncios publicados e spots televisivos subscritos pelos arguidos devem ser analisados um por um e depois no seu conjunto, a fim de se verificar se existe ou não uma lógica de continuidade com determinada finalidade.

  4. Da análise global dos textos difundidos ressalta a intenção de se insinuar a falta de honorabilidade e seriedade dos assistentes, sendo certo que tal ofensa à honra dos assistentes não pode constituir meio tido como adequado ou razoável, quer para a resolução do conflito laboral quer para o esclarecimento do público.

  5. A difamação, por definição, pressupõe a atribuição a alguém de facto ou conduta que encerre em si uma reprovação ético-social.

  6. A ilicitude relevante e sempre contingente, em matéria de difamação, deve ser aferida por apelo à consciência ético-social da sociedade portuguesa em dado momento, sendo que a actual consciência social da sociedade portuguesa permite considerar como reprovável a conduta que os arguidos referem ter sido desenvolvida pelos assistentes.

  7. Ao entender de modo diverso, decidindo pela inexistência de lesão dos bens jurídicos em causa, o Mmo. Juiz de Instrução Criminal violou o disposto nos arts. 180º, nº 1, 183°, nºs 2 e 3, e 187°, do Código Penal.

  8. Aquelas normas foram interpretadas e aplicadas no exacto sentido em que veio a ser proferida a decisão instrutória.

  9. É outro o sentido em que o Ministério Público as interpreta, como, aliás, decorre da exposição que antecede.

    Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, determinando-se a revogação e substituição da decisão recorrida por outra, em que se pronunciem os arguidos.

    Os assistentes interpuseram igualmente recurso da decisão instrutória, concluindo o seguinte:

  10. O presente recurso mostra-se interposto tempestivamente, para o Tribunal competente, e por quem para tal tem plena legitimidade e interesse em agir.

  11. O despacho recorrido consubstancia uma interpretação e aplicação absolutamente erróneas da lei, maxime dos arts. 180º e 187° do C.P..

  12. Isto, antes de mais, porquanto - ao invés do que formalmente afirma - esquece que o conceito de honra e consideração tem, por um lado, uma vertente pessoal ou "interior" e outra social ou "exterior", e, por outro lado, corresponde a valores constitucionalmente consagrados nos arts. 25° e 26º, nº 1.

  13. Podendo estes ser lesados com a afirmação de factos ou realidades (inteiramente falsos, como aqui sucede, ou até, por menos parcialmente, verdadeiros) ou com a formulação de juízos de valor (independentemente dos factos que lhes possam subjazer), mesmo de forma indirecta, insidiosa, dissimulada ou até irónica.

  14. O preenchimento do tipo criminal não é afastado por o agente usar tal tipo de técnicas, quando a sua conduta se traduz na sujeição do visado à condenação, execração e humilhação públicas, tal como aqui sucedeu com os assistentes.

  15. Como não é afastado por, alegadamente, a conduta imputada aos queixosos não ser, em si, "ilegal", ou quando o sendo, o juízo de censura da ordem Jurídica alegadamente se esgotaria nessa mera ilegalidade.

  16. Acresce que são efectiva e subjectivamente atentatórias do bom nome e consideração devidas aos assistentes/pessoas individuais as condutas - a eles publicamente atribuídas pelos arguidos, no âmbito de uma gigantesca campanha de opinião pública, com a utilização de poderosíssimos meios, tudo isto visando desacreditá-los - de serem ou terem atitudes oportunistas, de se preocuparem exclusivamente em trabalhar menos e em ganhar mais, em conduzir desta forma à falência da Empresa e ao desbaratar dos recursos públicos (como resulta dos textos e dos "spots" televisivos da autoria confessa dos mesmos arguidos).

  17. Como o é clarissimamente uma imagem, reportando-se a pilotos e suas associações representativas, de um avião a desaparecer em pleno voo, com toda a carga negativa que, ao menos subliminarmente, essa imagem contém para o cidadão médio.

  18. "Mutatis mutandis" rigorosamente o mesmo se pode dizer - agora por referência mais directa ao art. 187º do C.P. - no tocante aos assistentes pessoas colectivas,

  19. Sendo mesmo de bradar aos céus a teoria de que nada teria de censurável a conduta (e logo nada teria de desonroso a respectiva atribuição a uma dada associação sindical ou representativa dos pilotos) consistente em convocar greves ilegais (susceptíveis de fazer os trabalhadores grevistas incorrer no regime de faltas injustificadas e, logo, de os lançar no desemprego, despedidos com justa causa), ou levar a cabo uma actuação que, levando a empresa à falência, lançaria os mesmos trabalhadores no desemprego, tudo isto por razões de mero, corporativo e mesquinho interesse de "ganhar mais e trabalhar menos".

  20. O despacho recorrido interpretou e aplicou, pois, erradamente os já citados arts. 180º e 187° do C.P.

  21. Os quais deveriam, antes, ter conduzido ao resultado oposto, ou seja, à consideração da forte indiciação de terem sido violados pela conduta dos arguidos e, logo, à respectiva pronúncia.

  22. Mas se porventura assim se não entendesse, então os referidos preceitos legais, assim interpretados e aplicados, padeceriam de evidente inconstitucionalidade material,

  23. Por representarem uma postergação inaceitável infundamentada e injustificada do valor absoluto do direito à integridade moral e do direito ao bom nome e reputação, consagrados respectivamente nos arts. 25° e 26°, nº 1, ambos da C.R.P., inconstitucionalidade que, "ad cautelam", fica desde já aqui arguida.

    Termos em que,

    Deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, revogando-se por inteiro o despacho de não pronúncia ora recorrido, e determinando-se a pronúncia dos arguidos pelos crimes de que haviam sido acusados na acusação formulada pelos assistentes,

    O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 13 de Dezembro de 2000, afirmou o seguinte:

    A questão central do presente recurso circunscreve-se a saber se os textos elaborados pelos arguidos e por eles publicitados na imprensa e na televisão, as imagens inseridas nos "spots" televisivos e as declarações do arguido F.... num programa de televisão, indiciam suficientemente ter lesado a honra e consideração devida aos assistentes pessoas singulares, bem como a credibilidade, o prestígio ou a confiança devidos aos outros assistentes (S... e P...).

    Temos por certo que a abordagem da matéria inerente aos elementos objectivos da tipicidade dos imputados crimes poderia passar pela citação, mais ou menos extensa, da pertinente doutrina e jurisprudência, elaborando-se um acórdão recheado de referências e transcrições. Porém, face à exemplar fundamentação do douto despacho recorrido, entendemos adequado expor o que de essencial nos determina a manter tal despacho na sua integralidade.

    Com essa preocupação de síntese, logo verificamos que a factualidade imputada aos arguidos enquadrou-se e desenvolveu-se no ambiente próprio dum conflito laboral surgido entre os pilotos da A... e a administração desta empresa, que culminou numa greve convocada para 24/25 de Abril de 1997 pelo...

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