Acórdão nº 616/03 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Dezembro de 2003
Data | 16 Dezembro 2003 |
Órgão | http://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO N.º 616/2003 Processo n.º 340/99 Plenário
Relator - Cons. Paulo Mota Pinto
Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional:
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Relatóriotc "I. Relatório"
AUTONUM 1.tc "1. Pedido"O Provedor de Justiça, no uso da competência prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo 281º da Constituição da República, veio requerer a fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade das normas constantes dos artigos 3º, n.ºs 1 e 2, 4º, 2ª parte, e 5º, n.º 4, da Lei n.º 62/98, de 1 de Setembro (diploma que regula o disposto no artigo 82º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos).
Estas normas dispõem o seguinte:
?Artigo 3º
Fixação do montante da remuneração 1 ? O montante da remuneração referida no artigo anterior é anualmente fixado, em função do tipo de suporte e da duração do registo que o permite, por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Cultura, ouvidas as entidades referidas nos artigos 6º e 8º.
2 ? Sempre que a utilização seja habitual e para servir o público, o preço de venda ao público das fotocópias, electrocópias e demais suportes inclui uma remuneração cujo montante é fixado por acordo entre a pessoa colectiva prevista no artigo 6º e as entidades públicas e privadas, com ou sem fins lucrativos, que utilizem aparelhos que permitam a fixação e a reprodução de obras e prestações.
3 ? (...)
4 ? (...)
Artigo 4º
Isenções Não são devidas as remunerações referidas nos artigos anteriores quando os equipamentos ou os suportes sejam adquiridos por organismos de comunicação audiovisual ou produtores de fonogramas e de videogramas exclusivamente para as suas próprias produções ou por organismos que os utilizem para fins exclusivos de auxílio a pessoas portadoras de diminuição física visual ou auditiva, bem como, nos termos de despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Cultura, por entidades de carácter cultural sem fins lucrativos para uso em projectos de relevante interesse público.
Artigo 5º
Cobrança 1 ? (...)
2 ? (...)
3 ? (...)
4 ? Para os efeitos do disposto no número anterior, serão celebrados acordos entre as entidades interessadas no procedimento, que regularão os modos de cumprimento das obrigações previstas na presente lei.
5 ? (...)?
O requerente considera que as normas constantes dos artigos 3º, n.ºs 1 e 2, e 4º, 2ª parte, da Lei n.º 62/98, de 1 de Setembro, violam os artigos 165º, n.º 1, alínea i), 103º, n.º 2, e 112º, n.º 6, da Constituição da República, e que o artigo 5º, n.º 4, do mesmo diploma viola o disposto nas normas constitucionais dos artigos 103º, n.º 3, e 112º, n.º 6.
Para fundamentar o pedido, o requerente desenvolveu uma argumentação que pode sintetizar-se do seguinte modo:
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A Lei n.º 62/98, de 1 de Setembro, veio determinar, no seu artigo 2º, que ?no preço de venda ao público de todos e quaisquer aparelhos mecânicos, químicos, electrónicos ou outros que permitam a fixação e reprodução de obras e, bem assim, de todos e quaisquer suportes materiais virgens analógicos das fixações e reproduções que por qualquer desses meios possam obter-se incluir-se-á uma quantia destinada a beneficiar os autores, os artistas intérpretes ou executantes, os editores, os produtores fonográficos e os videográficos?;
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A ?quantia? a que se refere a parte final dessa norma assume uma natureza peculiar, porquanto incide indistintamente sobre obras potencialmente protegidas (cf. o artigo 1º, n.º 1, do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos) e situações que se colocam fora do âmbito da legislação relativa ao direito de autor;
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Esta afirmação pode ser ilustrada com o seguinte exemplo: a ?quantia? a que se refere o artigo 2º da Lei n.º 62/98 é paga com a aquisição de uma cassete vídeo, independentemente da utilização que lhe venha a ser dada ? reprodução de obra protegida ou registo de uma cena doméstica;
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A ?quantia? em causa comporta necessariamente uma componente tributária e corresponde aos elementos utilizados pela doutrina e pela jurisprudência para caracterizar a figura do imposto: é uma prestação pecuniária, unilateral e definitiva, estabelecida por lei e exigida por uma entidade que exerce as respectivas funções tendo em vista a realização de fins de interesse público, desprovidos de carácter sancionatório;
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Trata-se, com efeito: de uma prestação pecuniária; de uma prestação unilateral, pois que não se vislumbra qualquer contrapartida individualizada, contraprestação específica ou vantagem concedida ao sujeito passivo da relação, não podendo dizer-se que tal vantagem reside na utilização de obras protegidas, porquanto, como se assinalou, tal quantia incide indistintamente sobre obras protegidas e sobre situações colocadas fora do âmbito de protecção do direito de autor; de uma prestação definitiva, não originando qualquer reembolso, restituição ou indemnização; de uma prestação legal e, nessa medida, obrigatória ou coactiva; de uma prestação a favor de uma pessoa colectiva, cujos contornos são algo indefinidos, mas que indiscutivelmente surge investida de poderes de autoridade, exercendo funções públicas em princípio apenas cometidas ao Estado ou a outras entidades públicas, como é o caso da arrecadação e gestão de receitas tributárias, com titularidade em nome próprio desse poder tributário, podendo eventualmente enquadrar-se no conceito de associação pública; de uma prestação de carácter não sancionatório, não estando em causa a tributação de actividades ilícitas, como a utilização ilegal de obras protegidas, pois, como já se assinalou, a prestação é devida mesmo em situações que se encontram fora do âmbito de protecção do direito de autor ? e, acrescenta ainda o Provedor de Justiça, se se tratasse de um imposto sancionatório, que visasse suprir a impossibilidade prática de fiscalização do uso ilícito de obras protegidas, tal imposto seria inconstitucional, por corresponder a uma punição automática por via legislativa, contrariando o disposto no artigo 32º da Constituição.
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A ?pessoa colectiva? referida tem o dever de afectar 20% do total das remunerações percebidas para acções de incentivo à actividade cultural e à investigação e divulgação dos direitos de autor e direitos conexos (artigo 7º, n.º 1, da Lei n.º 62/98), tendo, por outro lado, o Estado, com a previsão da quantia em apreço, elevado a fim público o objectivo de compensação dos autores e outros intervenientes designados na lei;
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A caracterização como imposto é reforçada pela anualidade estipulada para a fixação da remuneração devida;
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E mesmo que se entenda que se trata de uma figura enquadrável no âmbito das receitas parafiscais, sempre estará sujeita ao regime e à disciplina jurídica dos impostos, designadamente ao princípio da legalidade tributária;
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Ora, no caso em apreço, a figura criada não respeita os princípios da legalidade e da tipicidade em matéria fiscal ? artigos 165º, n.º 1, alínea i), e 103º, n.º 2, da Constituição ?, porquanto o montante da quantia devida é fixado por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Cultura (artigo 3º, n.º 1), o montante da remuneração a incluir especificamente no preço de venda ao público das fotocópias, electrocópias e outros suportes é fixado por acordo entre a pessoa colectiva gestora da mesma e outras entidades públicas e privadas (artigo 3º, n.º 2), e o regime dos benefícios fiscais é definido por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Cultura (artigo 4º, 2ª parte);
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Por outro lado, a liquidação e a cobrança da quantia estabelecida pela Lei n.º 62/98 são feitas através de acordos celebrados entre as entidades interessadas no procedimento (artigo 5º, n.º 4), em violação do disposto nos artigos 103º, n.º 3, e 112º, n.º 6, da Constituição;
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Finalmente, as normas em causa ? nomeadamente, o artigo 3º, n.º 2, da Lei n.º 62/98 ? põem em causa os princípios da certeza e da segurança jurídicas e, potencialmente, o princípio da não retroactividade das leis tributárias.
Nos autos encontram-se dois pareceres jurídicos, juntos pelo requerente, que são subscritos pelo Professor Doutor A..
AUTONUM 2.tc "2. Resposta do órgão autor da norma"Notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 54º e 55º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, o Presidente da Assembleia da República ofereceu o merecimento dos autos e juntou os Diários da Assembleia da República contendo os trabalhos preparatórios da Lei n.º 62/98, de 1 de Setembro.
AUTONUM 3.tc "3. Razão de ordem"Discutida e fixada a orientação do Tribunal com base em memorando elaborado pelo Vice-Presidente, por delegação do Presidente, nos termos dos artigos 63º, n.º 1, e 39º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, cumpre elaborar o correspondente acórdão.
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Fundamentostc "II. Fundamentos" AUTONUM 4.tc "4. Enquadramento normativo"As normas impugnadas integram-se na Lei n.º 62/89, de 1 de Setembro, que visa regular o artigo 82º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (diploma que, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de Março, viu suspensa a vigência dos seus artigos 201º a 215º pela Resolução da Assembleia da República n.º 16/85, de 30 de Maio, e foi alterado pela Lei n.º 45/85, de 17 de Setembro, pela Lei n.º 114/91, de 3 de Setembro ? que alterou o artigo 82º ?, pelo Decreto-Lei n.º 332/97, de 27 de Novembro, e pelo Decreto-Lei n.º 334/97, de 27 de Novembro).
Este artigo 82º, com a epígrafe ?Compensação devida pela reprodução ou gravação de obras?, dispõe, por sua vez:
?1 ? No preço de venda ao público de todos e quaisquer aparelhos mecânicos, químicos, eléctricos, electrónicos ou outros que permitam a fixação e reprodução de obras e, bem assim, de todos e quaisquer suportes materiais das fixações e reproduções que por qualquer desses meios possam obter-se, incluir-se-á uma quantia destinada a beneficiar os autores, os artistas, intérpretes ou executantes, os editores e os produtores fonográficos e videográficos.
2 ? A fixação do montante da quantia referida no número anterior, sua cobrança e afectação serão definidas por decreto-lei.
3 ? O...
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