Acórdão nº 540/03 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Novembro de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução07 de Novembro de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 540/2003 Processo n.º 65/03 2ª Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

A - Relatório

  1. O Ministério Público intentou, na comarca de ----------, uma acção de investigação oficiosa da paternidade contra A., imputando-lhe a paternidade biológica do menor B..

    Por sentença proferida em 21 de Dezembro de 1999, a acção foi julgada improcedente.

    O Autor recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por Acórdão de 23 de Maio de 2000, decidiu anular o julgamento por considerar indispensável a ampliação da matéria de facto (devendo formular-se quesito a indagar se a mãe do menor, em resultado do relacionamento sexual com o réu, veio a engravidar e a dar à luz o menor B.).

    Por despacho de 28 de Setembro de 2000, exarado a fls. 175 v., determinou-se que, previamente à repetição da audiência, fosse cumprido o disposto no artigo 512.º do Código de Processo Civil, não tendo o réu exercido o direito de proposição de novas provas.

    A acção foi julgada procedente por sentença de 16 de Maio de 2001, tendo o tribunal declarado o Réu como pai do menor B..

    Inconformado, o Réu interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por Acórdão de 22 de Janeiro de 2001, julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.

  2. O Réu interpôs, então, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo concluído as suas alegações afirmando, quanto à ?questão nuclear?, que:

    (?)

    4. Até 13 de Maio de 1998 (data de entrada em vigor da Lei n.º 21/98) a ordem jurídica não estabelecia qualquer presunção de paternidade derivada do mero relacionamento sexual no período legal de concepção.

    5. Vigora, por isso, até então, nesta matéria, a doutrina do assento 4/83: ?cabe ao autor, em acção de investigação, fazer prova de que a mãe, no período legal de concepção, só com o investigado manteve relações sexuais?.

    6. As normas que estabelecem presunções legais (como a do art. 1871.º na redacção da Lei n.º 21/98) são normas de direito probatório material ? daí que venham reguladas no Cód. Civil;

    ?Aos pontos ou questões de direito que [tais normas] regulam, aplica-se a lei vigente ao tempo da verificação dos actos ou factos que precisam de ser provados?;

    ?A lei aplicável é a lei vigente ao tempo em que se verificam esses factos ou actos? (Baptista Machado);

    7. É o que decorre do art. 12.º do Cód. Civil.

    8. É essa a doutrina firmada neste STJ, nos acórdãos de 25 de Janeiro de 1977 (in Bol. Min. Just. n.º 263, pág. 233) e de 23 de Outubro de 1979 (in Bol. Min. Just. n.º 290, pág. 333), nos quais se dispõe que ?a lei nova não é de aplicação imediata quando for modificativa do direito probatório material?.

    9. Tendo os factos, a que respeita a presunção entretanto estabelecida ocorrido em 1992/93, a respectiva norma (al. e) do n.º 1 do art. 1871.º introduzida pela Lei n.º 21/98) não é aplicável ao caso sub judice.

    (?) 10. Mesmo que não fosse atendível a posição unânime da doutrina e maioritária da Jurisprudência em matéria de aplicação no tempo de leis que estabeleçam presunções, sempre a consideração de que

    -levando o estabelecimento de uma presunção pressuposta numa alteração do ónus de alegação e de prova;

    -devendo toda a defesa ser deduzida na contestação (art. 489.º do C.P.C.);

    -tendo a contestação sido apresentada em 27 de Março de 1996 e a proposição de provas em Fevereiro de 1997;

    a aplicação retroactiva da Lei n.º 21/98 (que a lei não estabelece) sempre teria de salvaguardar ?os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular? (relevância das alegações produzidas no processo e das provas propostas e produzidas), em conformidade com o disposto no n.º 1 do art. 12.º do Cód. Civil.

    11. A entender-se diferentemente tal interpretação afrontaria irremediavelmente a confiança e estabilidade que o Direito visa,

    12. sendo incompatível [com] a institucionalização da República Portuguesa como um Estado alicerçado no Direito, consagrada no art. 2.º da Constituição da República

    .

  3. O Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 28 de Novembro de 2002, julgou o recurso improcedente, louvando-se, entre outros, nos seguintes argumentos:

    Temos para nós que com o aditamento da presunção estabelecida na referida al. e) do nº 1 do art. 1871 se visou facilitar a prova da paternidade biológica, a necessária para a verdadeira atribuição da paternidade, tendo em conta a fiabilidade actual dos exames hematológicos.

    Ora, a relação biológica é uma relação provida de juridicidade , com carácter duradouro que, por isso, se pode localizar sob mais que uma lei.

    Sem dúvida que, segundo o nº 1 do art. 12º do Cod. Civil, ?A lei só dispõe para o futuro, ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular?.

    Porém, prescreve a 2ª parte do nº 2 daquele preceito que quando a lei dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.

    Na esteira do acórdão deste Supremo Tribunal de 11/3/1999, in BMJ nº 485, págs. 418 e segs., ?Afigura-se que a lei, aditando a referida alínea e), dispõe directamente sobre o conteúdo da presunção de paternidade, alargando o seu âmbito de modo a abranger o mero relacionamento sexual durante o período legal da concepção. Assim, tal normativo teria aplicação às situações preexistentes? porque a lei abstraiu dos factos que lhes deram origem.

    Destarte, de harmonia com o que se acaba de expor, a lei nova aplica-se à situação em apreço (no mesmo sentido v. o acórdão proferido neste Supremo, em 28/05/02, na revista nº 1633/02-1ª s.).

    Mas, esta aplicação afecta, no caso presente, o direito de defesa do R. e viola o estatuído no art. 2º da Constituição da República Portuguesa?

    Seguramente que não.

    Não obstante a sua contestação e a apresentação do rol de testemunhas terem tido lugar em datas anteriores à da entrada em vigor da Lei nº 21/98, o certo é que os factos que corporizam a presunção foram alegados na petição inicial, impugnados pelo R., que sobre eles produziu prova, sem êxito.

    Acresce que, como se diz no acórdão recorrido, após a anulação do primeiro julgamento, já na vigência daquela Lei, ao ser cumprido, de novo, o art. 512º do C. P. Civil, foi dada ao R. a possibilidade de apresentar novas testemunhas e requerer outras provas, faculdade de que não fez uso.

    Finalmente, salienta-se que, como acima se descreveu, o R. recusou a realização de exame hematológico invocando traduzir-se tal acto numa intromissão na esfera da sua intimidade e não ser susceptível de dar um resultado determinante para a fixação jurídica da paternidade.

    E se bem que o valor dessa recusa tenha sido objecto de apreciação no acórdão recorrido, o recorrente não discute essa matéria nesta revista.

    Mas, diz-se aqui, e agora, que foi dada ao R. a possibilidade de usar um meio de prova excelente para...

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