Acórdão nº 494/03 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Outubro de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Gil Galvão
Data da Resolução22 de Outubro de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 494/03 Proc. n.º 140/03 3ª Secção Relator: Cons. Gil Galvão

Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:

I ? Relatório 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, em que figuram como recorrentes A. e B. e como recorrido o Ministério Público, foi proferida decisão instrutória que pronunciou os arguidos e ora recorrentes por um crime de ?abuso de informação?, previsto e punido pelo artigo 378º, n.ºs 1 e 4 do Código dos Valores Mobiliários. É o seguinte, na parte ora relevante, o teor daquela decisão:

?[...]

Cumpre apreciar, na presente instrução, se da prova carreada para os autos resultam indícios suficientes dos factos constantes da acusação e, em caso afirmativo, se esses factos integram o crime de abuso de informação p.p. pelo art.º 378 n.º l e 4 do C.V.M. por que os arguidos vêm acusados.

Segundo o libelo acusatório os arguidos, á data dos factos, eram membros do Conselho de Administração das sociedades C., D. e da E..

No dia 18/10/2000 teriam adquirido acções de um fundo de investimento denominado ?F.?, gerido por G., ao preço de 16 Euros, por acção, quando já sabiam desde o dia anterior que a C. era obrigada a lançar uma OPA sobre todas as acções H. pelo preço de 17 Euros, por acção.

Com efeito, devido a um outro negócio de aquisição de acções (540.000 acções da D. ao preço de 17 Euros por acção) celebrado no dia 17.10.2000 entre os arguidos, em representação da C., e os representantes da I., a C. passava a deter uma percentagem do capital social da D. que tornava obrigatório o lançamento de uma OPA pelo preço da aquisição do lote, ou seja por 17 Euros.

Por seu turno, os arguidos no seu requerimento de abertura de instrução alegam, em síntese que:

Não tinham autorização do Conselho de Administração para a aquisição de acções, o lançamento de uma OPA sobre a D. e a assunção das obrigações decorrentes do contrato de mútuo que celebraram com a I. e a J.;

Não havia qualquer ligação entre si enquanto administradores da C.; Que o negócio de aquisições das acções ao L. só ficou concluído em 20.10.2000, após o negócio celebrado em 18.10.2000 com o Fundo de Investimento gerido pelo G..

Concluem, assim, que em 18.10.2000, ainda não sabiam se iriam ou não realizar uma OPA, nem a que preço.

Os arguidos vêm ainda alegar que os factos descritos na acusação não integram o tipo de crime que lhes é imputado.

Alegam que para que se verifique o crime de abuso de informação é necessário exista um nexo de causalidade entre a informação e a ordem de compra ou seja que a compra tenha sido determinada pela informação.

Que apenas compraram as acções ao Fundo de Investimento gerido por G. ao preço de 16 Euros cada porque lhes foi proposta tal compra e não por saberem que ia existir uma OPA a preço superior.

Mais alegam que está excluída do art.º 378 n.º 1 do C.V.M. a conduta de pessoa que disponha de informação própria e a utiliza em seu benefício para negociar em valores mobiliários.

Concluem assim que a sua descrita conduta não preenche o tipo de crime p.p. pelo art.º 378 n.º l do C. Penal pelo que, em seu entender, deverá ser proferido despacho de não pronúncia.

MATERIA DE FACTO INDICIADA NOS AUTOS E SEU ENQUADRAMENTO JURIDICO PENAL

Da valoração conjunta da prova documental e testemunhal recolhida na fase de inquérito resultam, em nosso entender indícios suficientes dos factos constantes da acusação.

Senão vejamos:

Alegam os arguidos que não tinham qualquer ligação especial enquanto administradores da C..

Inquirida a fls. 63 a 65, a testemunha M., membro do Conselho de Administração da C., e cujo depoimento nos parece isento e merecedor de inteira credibilidade afirmou que os arguidos A. e B. decidiam em conjunto todos os assuntos importante da C. e que não tomavam decisões importantes sem estarem de acordo.

Quanto à data do conclusão do negócio da aquisição das acções da D. celebrado pelos arguidos, enquanto administradores da C. e os representantes da I. a prova produzida aponta no sentido de que pese embora o negócio não estivesse ainda formalmente aprovado em 17.10.2000, os arguidos nessa data já tinham a garantia que tal negócio se encontrava firme e era irreversível carecendo apenas de algumas formalidades.

Os autos indiciam assim suficientemente que os arguidos só adquiriam as acções do fundo de investimento gerido por G. (F.) ao preço de 16 Euros por acção porque tinham prévio conhecimento que se iria realizar uma OPA das acções da D. ao preço de 17 Euros por acção.

Entendemos assim que a prova produzida na fase de inquérito é suficiente, em termos indiciários , para sustentar a acusação.

Por outro lado, a prova produzida na fase de instrução, em nosso entender, nada de relevante acrescentou no sentido de infirmar os factos descritos na acusação, designadamente os supra referidos.

DIREITO

Cumpre agora apreciar se os factos por que os arguidos vêm acusados integram o crime de abuso de informação p.p. pelo art.º 379 do Código dos Valores Mobiliários (C.V.M.) .

Dispõe o n.º 1 do citado artigo que ?Quem disponha de informação privilegiada devida à sua qualidade de titular de um órgão de administração ou de fiscalização de um emitente ou de titular de uma participação no respectivo capital e a transmita a alguém fora do âmbito normal das suas funções, ou com base nessa informação, negoceie ou aconselhe alguém a negociar em valores mobiliários ou outros instrumentos financeiros ou ordene a sua subscrição, aquisição, venda ou troca, directa ou indirectamente, para si ou para outrem, é punido. . .

Flui do citado normativo que para que se verifique o crime de abuso de informação é necessário que o agente disponha de informação privilegiada devido à qualidade de órgão de administração ou fiscalização e com base nessa informação negoceie ou aconselhe outrem a negociar valores mobiliários para si ou para outrem.

Ora resultando suficientemente indiciado nos autos que os arguidos devido à sua qualidade de membros da administração da C., D. a e E., adquiriam acções H. ao Fundo de Investimento (F.) gerido por G. pelo preço de 16 Euros cada, porque já sabiam que tinham que efectuar uma OPA sobre as acções H. ao preço de 17 Euros por acção;

Que os arguidos sabiam que o negócio de aquisição de acções celebrado com os representantes da I.. era secreto.; temos que concluir, sem necessidade de mais considerações, que a sua descrita conduta integra os elementos típicos do crime de abuso de informação p.p. pelo art.º 378 do C.V.M.

Assim sendo cumpre pronunciar os arguidos pelos factos da acusação, os quais integram o crime de abuso de informação por que vêm acusados.

DECISÃO

Pelo exposto, para serem julgados em processo comum para com intervenção do tribunal singular, PRONUNCIO:

A.

B.

pelos factos constantes da acusação de fls. 78 a 95, que aqui dou por integralmente reproduzida e que integram a prática pelos arguidos de um crime de abuso de informação p.p. pelo art.º 378 n.º l e 4 do Código dos Valores Mobiliários. [...]?

  1. É desta decisão que vem interposto, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º, da Lei do Tribunal Constitucional, o presente recurso, para apreciação da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 378º, n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários, quando interpretado ?no sentido de incluir no tipo de crime previsto na norma em causa a negociação de valores mobiliários pela própria sociedade de cujo órgão de administração seja titular o possuidor de informação obtida por causa de tal título?, por alegada violação dos artigos 61º, n.º 2, 13º, 18º, n.º 3, e 29º, n.ºs 1 e 3, todos da Constituição

  2. Já neste Tribunal foram os recorrentes notificados para alegar, o que fizeram, tendo concluído da seguinte forma:

    ?

    1. A decisão recorrida procedeu, por via interpretativa do art. 378° do CVM, à criação de uma norma nova que extravasa, manifestamente, o normal e legítimo exercício de interpretação e aplicação da lei.

      Estamos, por isso, perante uma norma nova, criada por via interpretativa, com violação do princípio da legalidade, consagrado no artigo 29º N.º 1 e 3 da Constituição.

    2. A interpretacão normativa a que procedeu o M.P. e o Tribunal de Instrução Criminal, expressa na decisão recorrida, conduziu, como se demonstra exaustivamente nos pareceres dos Professores Figueiredo Dias/Costa Andrade e Faria Costa, juntos aos autos, à criminalização de situações que manifestamente não estão incluídas no artigo 378° do C.V.M.: a criminalização da conduta de administradores que negoceiem em valores mobiliários em nome e para a sociedade de que são agentes, com base em informação dessa própria sociedade;

    3. A norma criada pelo intérprete (M.P. e juiz de instrução), expressa na decisão recorrida, viola outros princípios constitucionais:

      o princípio expresso nos artigos .61º N° 2 e 18° N° 3 da CRP, como o demonstra o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa no seu parecer junto aos autos, e ainda o princípio da igualdade expresso no art.º 13° da CRP;

      o princípio da proporcionalidade ou princípio da proibição do excesso (artigo 18º N° 3, in fine, da CRP), como sustenta o Prof. Gomes Canotilho.

    4. Deverá, assim, ser revogada a decisão recorrida, julgando-se inconstitucional a norma do art.º 378° do Código de Valores Mobiliários, na interpretação normativa que lhe foi dada na mesma decisão, por violação dos princípios e preceitos constitucionais atrás referidos?.

  3. Contra-alegou o Ministério Público, tendo dito, a concluir:

    ?1 - Ao Tribunal Constitucional apenas compete sindicar - na óptica dos princípios da legalidade e da tipicidade - da constitucionalidade de um critério interpretativo genérico, expressamente acolhido e configurado na decisão recorrida como inovatório, extensivo ou juridicamente criativo, de modo a que a respectiva valoração, sob o prisma do artigo 29°, n.ºs 1 e 3, da Constituição, não implique que o Tribunal Constitucional, como operação preliminar, tenha que começar por fixar o sentido exacto ou preciso do tipo, antes de avaliar a subsunção realizada pelo...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
  • Acórdão nº 406/06 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Julho de 2006
    • Portugal
    • [object Object],Tribunal Constitucional (Port
    • July 4, 2006
    ...mobiliários com informação privilegiada para a carteira de uma pessoa colectiva. E sobre essas questões foi proferido o Ac. do Tribunal Constitucional n.° 494/2003, de 27 de Novembro (publicado na íntegra no DR-II série, n.° 275, págs. 17716 a Aí formularam, os então recorrentes, exactament......
1 sentencias
  • Acórdão nº 406/06 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Julho de 2006
    • Portugal
    • July 4, 2006
    ...mobiliários com informação privilegiada para a carteira de uma pessoa colectiva. E sobre essas questões foi proferido o Ac. do Tribunal Constitucional n.° 494/2003, de 27 de Novembro (publicado na íntegra no DR-II série, n.° 275, págs. 17716 a Aí formularam, os então recorrentes, exactament......

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT