Acórdão nº 492/03 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Outubro de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução22 de Outubro de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 492/2003

Proc. n.º 453/02

  1. Secção

Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:

A ? O relatório

  1. O A., identificado nos autos, recorre para este Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no art.º 70º, n.º1, alínea b) da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão, do acórdão do Tribunal de Relação de Coimbra, de 9 de Maio de 2002, o qual negou provimento ao recurso jurisdicional interposto da sentença do Tribunal de Trabalho de Águeda, de 6 de Novembro de 2001, sentença esta que, por seu lado, decidiu negar provimento ao recurso judicial interposto, pelo mesmo recorrente, da decisão administrativa proferida pelo Delegado, em Aveiro, do Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho (IDICT), que lhe aplicou a coima de Esc. 1 500 000$00, pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelas disposições combinadas do art.º 10º, n.º 1, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 2º do Decreto-Lei n.º 398/91, de 16/10, e 11º, este na redacção dada pelo art.º 14º da Lei n.º 118/99, de 11/08, ambos do Decreto-Lei n.º 421/83, de 2/12, conjugados com a alínea d) do n.º 4 do art.º 7º e alínea d) do n.º 1 do art.º 9º da Lei n.º 116/99, de 4/08.

  2. Nas alegações para o Tribunal da Relação, o recorrente refutou a decisão da 1ª instância com base nas razões sintetizadas nas seguintes conclusões:

    a) O D.L. nº 491/85 não tem já qualquer aplicação ao caso dos autos por estar integralmente revogado pela Lei nº 116/99, e ainda que não estivesse a sua aplicação era impedida por este ser integralmente inconstitucional por violação do disposto no artigo 168° n.º 1 al. d) da CRP seu contemporâneo ou 165º, n.º 1, al. d), da CRP na redacção actual.

    b) A decisão proferida pelo Senhor Delegado do IDICT de Aveiro não está fundamentada e por isso é nula nos termos do artigo 379° do CPP, ou caso assim não se entenda, nos termos do artigo 283°, n.º 3, do mesmo Código.

    c) O artigo 125° do CPA não é aplicável às contra-ordenações, quer pela sua natureza puramente administrativa, quer por o diploma em que foi vertido ter sido concebido ao abrigo de autorização legislativa que não abrange matéria contra-ordenacional ? al. u) do artigo 165° n.º 1 da CRP .

    d) O recurso ao regime das irregularidades previsto no CRP como forma de resolução jurídica da falta de fundamentação não apresenta suporte legal e induz no caminho da incerteza e insegurança jurídica.

    e) O Senhor Delegado do IDICT de Aveiro não tinha competência para decidir e aplicar a coima em questão uma vez que a delegação de poderes ao abrigo da qual o fez ? despacho 8616/2001 ? se suporta em norma inconstitucional ? artigo 4° n.º 2 al. c) já que incide sobre matéria da reserva relativa da Assembleia da República ? artigo 165 n.º 1 al. d) ? e não foi feito ao abrigo de autorização legislativa

    .

  3. Conhecendo de tais razões, o acórdão recorrido, na parte útil à compreensão do recurso de fiscalização concreta de inconstitucionalidade, discreteou do seguinte modo:

    No que concerne à revogação do D.L. nº 491/85, aceita-se a bondade dessa tese (art.º 2° n.º1 da L. nº 116/99 de 4/8).

    Todavia tal não tem - e salvo melhor opinião - as consequências que a arguida pretende.

    Na verdade situando-se esta temática, no domínio do regime contra-ordenacional, o que sucede é que no que respeita ao foro laboral, não existirá norma que determine quais os elementos que devem constar do despacho administrativo sancionatório:

    Por isso, dever-se-á lançar mão do regime genérico contido no D.L. nº 433/832 citado, conforme expressamente o determina o art.º 2° da aludida L. nº 116/99.

    E aí de forma explícita (seu art.º 58°, n.º 1) se elenca quais eles são.

    E basta ler a decisão em causa que integra como o permite o art.º 125° do CPA para a proposta de fls. 41 a 45 (inclusive), para se concluir que ela obedece a todos os requisitos exigidos por tal normativo.

    E nem se argumente contra este raciocínio- sempre salvo o devido respeito por opinião contrária- com a inaplicabilidade desse art.º 125° ao processo de contra-ordenação laboral.

    Na verdade este assume natureza de procedimento administrativo, naturalmente até à sua fase judicial, embora com especificidades (p. ex. a impossibilidade de recurso hierárquico da sanção cominada, como resulta do disposto no art.º 59°, n.º 1, do D.L. nº 433/82).

    E por isso, será de admitir em todos os casos não expressamente previstos e em que a lei a tal se não oponha, o recurso às normas e princípios do CPA que genericamente regem esse tipo de procedimento(CJ, XX, IV, 139).

    É certo que o aludido art.º 58° impõe que o despacho de aplicação de coimas contenha os requisitos mencionados.

    Mas o problema que previamente se coloca, é o de se saber se tal despacho- exactamente por ter natureza administrativa- não pode ser considerado válido se operar remissão para uma proposta juridicamente válida de sanção que os contenha, nomeadamente no que concerne à "fundamentação".

    Quer os diplomas relativos às contra-ordenações laborais, quer o que contém o regime geral deste tipo de ilícitos, são omissos, neste ponto e também, diga-se desde já, no que concerne às consequências da falta de fundamentação desses despachos sancionatórios.

    Por isso, entende-se que a resposta à questão posta deve ser encontrada, por ser de acto administrativo que se trata, nos princípios e/ ou normas, que regem os procedimentos dessa natureza.

    Ora neste domínio rege o art.º 125, n.º 1, do C. P. Administrativo, que exige que a fundamentação dos actos seja expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, mas permite de forma explícita que essa fundamentação consista em mera declaração de concordância com pareceres, informações ou propostas anteriores, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto.

    O que se impõe, nestas hipóteses é que tal remissão seja clara, inequívoca, de forma a que o destinatário do acto administrativo fique ciente dos motivos de facto e de direito que o basearam de molde a que fique na posse dos elementos que permitam a sua impugnação (cfr. Esteves Oliveira e outros, in CPA Comentado 2ª edição, págs. 600 e segs.)

    Não existindo no ordenamento contra-ordenacional, nada que obste à deste aplicação princípio geral, não se vê motivo para excluir a aplicação deste dispositivo ao despacho que em processo de contra-ordenação laboral aplique uma coima.

    E nem se argumente contra este raciocínio com o facto de por força do disposto no art.º 41° do D.L nº 433/82, ser o CPP subsidiariamente aplicável, nas contra-ordenações e portanto também quanto ao regime de nulidades.

    É evidente a certeza desta asserção.

    E daí que concluindo-se pela nulidade dum despacho desse tipo por falta de fundamentação, dever-se-á fazer apelo ao regime para tal estabelecido naquela codificação. Mas o saber-se se um despacho desse teor está ou não fundamentado (o que envolve necessariamente um juízo prévio sobre o acto), apenas se pode alcançar, como se referiu, com o recurso às regras e/ou princípios do procedimento administrativo.

    E concluindo-se pela sua validade, então claro que não tem cabimento fazer apelo à regulamentação do CPP, para as nulidades.

    Não repugna, a nosso ver aceitar este entendimento, sabendo-se desde logo que é diferente a natureza do Direito de Mera Ordenação Social da do Direito Criminal,

    Basta notar a este propósito e como demonstrativo de tal diferença substancial que a culpa (na...

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