Acórdão nº 450/03 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Outubro de 2003
Magistrado Responsável | Cons. Artur Maurício |
Data da Resolução | 14 de Outubro de 2003 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO Nº 450/93
Proc. nº 31/92
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Secção
Rel. Cons. Monteiro Diniz
Acordam no Tribunal Constitucional:
I - A questão
1 - A A., em liquidação, com sede na Rua ---------------, -----------------, e domicílio para efeito de liquidação na Rua ------------------, nº ----------------, ---------------, intentou acção declarativa, com processo sumário, no 9º Juízo Cível da comarca de Lisboa, contra B., residente na urbanização do ------------------------, Lote --------------------, --------------, alegando e peticionando, em síntese, o seguinte:
- A Autora exerceu o comércio bancário até ao dia 27 de Novembro de 1986, data em que, por determinação do Governo, entrou em liquidação nos termos do Decreto-Lei nº 30689, de 27 de Agosto de 1940;
- No exercício da sua actividade, contratou com o Réu a abertura de uma "conta de depósito à ordem";
- À data de 31 de Agosto de 1986, o extracto da referida conta apresentava um saldo negativo no montante de 734.064$00;
- Como contrato de adesão, segundo os usos, prática bancária e normas aplicáveis, o contrato de depósito bancário implica para o depositante, nomeadamente a obrigação de não levantar valor monetário superior ao depositado e, quando tal aconteça - como no presente caso - constituiu-se o depositante em dívida para com o depositário, como o Réu se constituiu;
- Deve o Réu à Autora, a quantia já referida, acrescida de juros à taxa máxima para operações activas, fundo de compensação e imposto de selo, o que tudo soma a importância de 1.221.858$00, no pagamento da qual e dos respectivos acréscimos legais, deve aquele ser condenado.
Contestou o Réu suscitando a questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 12º do Decreto-Lei nº 30689, e, em consequência, excepcionando a legitimidade e capacidade judiciária da comissão liquidatária, com base no entendimento de que aquele preceito caducou com o começo da vigência da actual Constituição por ser incompatível com o princípio da reserva da função jurisdicional consagrado nos artigos 205º e 206º da Constituição.
No mesmo articulado, o réu chamou à demanda B. e mulher C..
Devidamente citados, vieram estes contestar, por excepção, suscitando para tanto a inconstitucionalidade do Decreto-Lei nº 30689, que terá cessado a sua vigência aquando da entrada em vigor da Constituição de 1976, por via do que a comissão liquidatária não tem capacidade de exercício do direito de que se arroga e não possui, por si, capacidade judiciária.
Depois de a Autora haver respondido às contestações apresentadas pelos Réus foi, por decisão de 11 de Julho de 1990, julgada procedente a acção e condenados os Réus solidariamente no pedido, desatendendo-se do mesmo passo as questões de constitucionalidade por estes suscitadas no processo.
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2 - Desta decisão levaram os Réus B. e mulher recurso ao Tribunal da Relação de Lisboa, havendo, na respectiva alegação, aduzido, no essencial, o seguinte:
- O Decreto-Lei nº 30689, criou um processo especial de falência e subsequente liquidação dos estabelecimentos bancários, que os subtrai à jurisdição dos tribunais comuns, confiando-os a uma comissão liquidatária, cuja composição e competência define;
- Ora, porque a função jurisdicional do Estado está reservada exclusivamente aos tribunais (artigos 205º e 206º da Constituição), os artigos 1º, §§1º e 2º, 11º, 12º e 34º do citado diploma caducaram com a entrada em vigor da actual Constituição, porque absolutamente incompatíveis com o princípio da reserva aos tribunais da função jurisdicional;
- Acresce que a declaração de falência e a subsequente liquidação são actos de justiça e visam dirimir conflitos de interesse e têm de ser declaradas por sentença judicial;
- Daí serem inconstitucionais, entre outras, as normas dos artigos 12º, 20º e 21º do citado Decreto-Lei nº 30689;
- Não pode ser aplicado o disposto no artigo 21º, nº 1, do mesmo diploma, que dá competência à comissão liquidatária para representar a massa, activa e passivamente, em juízo e fora dele.
- A comissão liquidatária que outorgou na procuração forense junta aos autos, propondo a acção, não representa a A., verificando-se a ilegitimidade da representação desta sociedade, que só pelos seus órgãos próprios pode ser assumida.
Depois de a Autora produzir contra-alegação sustentando a confirmação da sentença recorrida, o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 4 de Julho de 1991, negou provimento ao recurso e confirmou, por inteiro, a decisão recorrida.
Para tanto, além de outras, fundou-se nas razões seguintes:
"Consideramos razoável que o Executivo regulando este aspecto da actividade das instituições bancárias tenha logo deixado claro que, na hipótese de vir a ser cancelada a autorização para o exercício da actividade do estabelecimento bancário, qual será a entidade que, a partir de então, passará a cuidar dos interesses de tal instituição e que, inclusivamente, o Executivo tenha logo explicitado qual será a composição dessa entidade: a especificidade e a relevância dos interesses em jogo aconselham - se não mesmo exigem - que tal se faça. A esse órgão chama o D. Lei 30689 `comissão liquidatária' e determina que será a ele que competirá a representação activa e passiva da instituição cuja actividade venha a ser bloqueada e cuja liquidação seja ordenada por decisão do executivo; assim procedendo o Executivo actuou, a nosso ver, realística e coerentemente: os interesses em jogo impõem que os problemas da instituição em causa sejam logo entregues a `experts' que possam, de imediato, providenciar para que, no contexto surgido, esses problemas obtenham as soluções económicas e técnicas mais apropriadas".
E mais adiante:
"No caso em apreço o que está em causa é saber se a tal `comissão liquidatária' pode outorgar numa procuração para que o estabelecimento bancário em liquidação possa recorrer a Tribunal. Concluímos pela afirmativa; não contraria nenhum princípio constitucional que a comissão assim proceda, e também não contraria nenhuma lei infraconstitucional que, de harmonia com as condições inicialmente estabelecidas e aceites, seja a comissão liquidatária a representar activa e passivamente a instituição bancária cuja autorização para o exercício da actividade o executivo haja decidido cancelar; desde a criação dessa instituição bancária que se sabia (que qualquer pessoa poderia saber - porque a lei está previsivelmente ao alcance de todos, art. 6º do C. Civil) que assim iria suceder na eventualidade de o Governo não querer que essa instituição continuasse em actividade.
Repete-se: aquela é uma actividade que se quer seja condicionada e controlada e os interessados foram desde logo disso inteirados, como igualmente tomaram conhecimento dos órgãos que, por causa dela, foram instituídos. E eles só deixarão de actuar se e quando, actuando, ofendam princípios ou interesses que se lhe considerem prevalecentes. E, tendo presente o caso concretamente agora em apreço, isso não acontece: a comissão liquidatária da apelada necessitou de recorrer a juízo e, por isso e para isso, constitui um mandatário. E ela tinha - e tem - poderes para isso - art. 21º, nº 1, do D. Lei nº 30689".
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3 - Inconformados com esta decisão e sob invocação do disposto nos artigos 70º, nºs 1, alínea b) e 2, 71º e 72º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, trouxeram os Réus B. e mulher o processo ao Tribunal Constitucional em ordem à fiscalização da constitucionalidade das normas constantes dos artigos 11º, 20º e 21º do Decreto-Lei nº 30689, cuja inconstitucionalidade haviam suscitado durante o processo.
Nas alegações que a seguir produziram, formularam as seguintes conclusões:
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- O Decreto-Lei nº 30689, de 27.08.40, criou um processo de falência e de liquidação das instituições de crédito que, nomeadamente nos artigos 11º, 20º e 21º, subtrai-o à jurisdição dos tribunais comuns, confiando-o a uma comissão liquidatária, em última análise designada pela administração;
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- Ora, a função jurisdicional do Estado está reservada, exclusivamente, aos tribunais, que são os órgãos de soberania que administram a justiça e dirimem os conflitos de interesses, públicos e privados - artigos 205º e 206º da Constituição da República;
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- Assim, as normas referidas em 1) caducaram com a entrada em vigor da actual Constituição, porque absolutamente incompatíveis com o referido princípio da reserva do juiz.
E finaliza-se, pedindo o julgamento de inconstitucionalidade das normas dos artigos 11º, 20º e 21º, corpo e nºs 1º, 3º, 6º e 9º, do Decreto-Lei nº 30689, por ofensa ao disposto nos artigos 205º e 206º da Constituição (na versão operada pela Lei Constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro).
De seu lado, a A., na contralegação oferecida, começou por suscitar uma questão prévia relativa ao âmbito do objecto do recurso, extraindo depois, quanto a esta matéria, as seguintes e principais conclusões:
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- Os recorrentes pedem a apreciação da constitucionalidade das normas dos artºs 11º, 20º e 21º do Dec.Lei 30689 de 27.08.40, sendo porém óbvio que tais artigos contêm efectivamente mais de duas dezenas de normas e, óbvia e logicamente não foram todas aplicadas pela decisão do Tribunal a quo.
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- Desta forma, também porque o objecto do recurso só pode ser definido pelas "conclusões", e como as dos recorrentes são obscuras sobre a indicação das concretas normas aplicadas no tribunal a quo cujo julgamento se pretenda agora nesta instância, uma vez que omitem esta indicação concreta,
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- Há-de concluir-se que os recorrentes não deram sério e suficiente cumprimento ao ónus alegatório disposto no nº 2 do art. 75º-A da Lei 28/82.
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- Ónus este que é insuprível pelo Tribunal Constitucional já que se trata de definir o objecto do seu julgamento e apenas lhe permite a Lei, livremente, determinar o Direito Constitucional aplicável conforme dispõe o art. 79º-C da Lei 28/82.
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- Deste modo e por esta razão, deve o recurso ser rejeitado liminarmente, por falta deste essencial requisito e...
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