Acórdão nº 419/03 de Tribunal Constitucional (Port, 24 de Setembro de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Tavares da Costa
Data da Resolução24 de Setembro de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 419/03 Processo nº 396/03 3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. - A., identificado nos autos, foi condenado, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, pendente no Tribunal Judicial da comarca de Cascais, por acórdão de 26 de Setembro de 2000, como autor material de um crime previsto e punido pelo artigo 172º, nº 1, do Código Penal, na pena de quatro anos e seis meses de prisão e no pagamento da quantia de 8.000.000$00, acrescida de juros de mora à taxa legal, a contar desde a notificação para contestar o pedido cível até julgamento.

  2. - Reagiu o arguido com pedido de esclarecimento de supostas obscuridades e ambiguidade do acórdão (fls. 631 e segs.), o que foi indeferido por despacho de 6 de Novembro seguinte (fls. 642-v. e segs.), decisão essa da qual veio a recorrer para o Tribunal da Relação de Lisboa (fls. 658), oportunamente motivado (fls. 659 e segs.).

    Nesta última peça processual formulou o seguinte quadro conclusivo, no que interesse à economia do presente acórdão:

    ?[...] IX. O n° 2 do artigo 374° do CPP/98 exige para a fundamentação das sentenças (e acórdãos) não só a enumeração dos factos provados, como dos não provados (o que diga-se, o acórdão integralmente cumpriu) bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame critico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

    X. Ora com o devido respeito, é esta exposição dos motivos de facto e de direito que se verifica não ter sido completa, mormente o exame critico Ter sido realizado, até de forma concisa, mas em termos abstractos...

    XI. Quer dizer: o tribunal fez o exame crítico da prova na globalidade por exemplo "em relação aos factos (todos) referentes ao abuso sexual e as circunstâncias em que foram praticados..."

    XII. Por outro lado é omisso, entre outros por exemplo, quanto à prova ( que não o meio de prova) para dar como provado o facto - diga-se a nosso ver conclusivo - vertido no n° 6 «o arguido começou a desenvolver no seu íntimo fantasias sexuais protagonizadas por si e pela B. [...].?

    ?[...] XVII. Interpretar-se que o artigo 374° n° 2 do C.P.P. permite o exame crítico da prova para a globalidade dos factos é inconstitucional por violação do artigo 32° n° 1 e da Lei Fundamental, na medida em que é pode ser obstativo do fundamento do recurso em matéria de facto.

    XVIII. Aliás, no acórdão do TC n° 573/98 (D.R., II Série, de 13/11/98) se expressa no sentido de que as decisões devem estar substancialmente fundamentada ou motivada através de «uma verdadeira reconstituição e análise crítica do iter que conduziu a considerar cada facto como provado ou não provado» - sublinhado nosso -

    XIX. Inexiste por isso o exigível exame crítico das provas que conduziram a dar cada facto (quanto mais não seja, os mais relevantes) como provado ou não provado.

    XX. Logo, com o devido respeito por melhor e superior opinião o que o douto acórdão recorrido fez foi uma análise crítica global dos factos provados e não provados e não um exigível exame crítico, embora conciso, de cada facto provado ou não provado.

    XXI. Termos em que a citada nulidade pode e deve ser sanada, nos termos do artigo 122°, n° 2 e 3, do CPP/98, com a formulação de novo acórdão, pelos mesmos juízes, se possível; caso contrário, haverá que repetir o julgamento - cfr., entre outros, o ac. STJ de 14/10/99 (Col. Jur., VII, Tomo 111- 1999, pág. 190) [...].?

    ?[...] XXIII. O acórdão recorrido entende que os factos provados integram os elementos objectivos e subjectivos de um crime de "abuso sexual de crianças [...].?

    ?[...] XXVII. O certo é que o Código Penal de 1995 não define o que é «acto sexual de relevo», criando assim um núcleo do desafio à jurisprudência para a concretização do que é o acto sexual de relevo nos vários tipos de crime [...].?

    ?[...] XXX. Assim com o devido respeito por opinião contrária, o presente artigo sofre de uma inconstitucionalidade normativa, pois os tipos de crimes pelas consequências que da sua prática acarreta, devem estar definidos na lei, com um suficiente grau de determinação dos seus pressupostos, em atenção ao princípio da legalidade e da dignidade da pessoa humana, em que entronca o princípio da culpa (artº 1°, 29° n° 1 artº 165° nº 1 al.c da C.R.P).

    XXXI. Não queremos com isto afirmar que o legislador não possa deixar alguma margem de liberdade no tipo para a intervenção da doutrina e da jurisprudência, mas tão só que os respectivos pressupostos ou conceitos devem estar ?minimamente? na Lei; ou seja, a lei deve fornecer qualquer indicação do que deva entender-se por acto sexual de relevo [...].?

    ?[...] XXXIV. Assim entendemos que o artº 172° sofre de inconstitucionalidade normativa que desde já se alega para os devidos efeitos legais.

    XXXV. Nos termos do art. 412° n° 3 al. a) e b) e c) do C.P.P. os factos acima referidos foram incorrectamente julgados e impõem decisão diversa da recorrida incluindo a renovação da prova.

    XXXVI. E, nos termos do n° 4 do mesmo artigo e diploma, porque houve gravação de prova fazemos referência a provas que confirmam o acima exarado e, por isso levaram o acórdão recorrido a decisão diversa.

    XXXVII. Se por um lado é certo que nos termos do artigo 410° n° 2 do C.P.P. als., a) b) e c) os fundamentos de recurso em matéria de facto tem de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, por outro também não é menos certo que face à nova redacção do artigo 412° do C.P.P. introduzida pela Lei n° 59/98, de 25 de Agosto, está implicitamente ligada a ideia de um duplo grau de jurisdição em matéria de facto, que, como é óbvio, não necessariamente coincidente com um segundo julgamento [...].?

    ?[...] LXXXI. Por todo o exposto, por erro de interpretação e má aplicação do direito o acórdão ora sob crise, violou os artigos 97° n° 4, 163°, 168, 340 n° 1, 369º, 380° n° 1 al. a) 374° n° 2 e 3 al. c), 410° n° 2 do C.P.P. e 172° nº 1 do C.P. , 563° n° 3 do C.C., e 29° n° 1, 3 e 4, 32° n° 1, 2 da C.R.P.?

    Para tanto ? acrescenta ? ?deve ser admitida a renovação da prova [...] para efeitos de averiguação da personalidade do arguido?.

    De acordo com o seu pedido, deve revogar-se o aresto recorrido substituindo-se este por outro que:

    ?a) - no mais absolva o arguido do crime de que vem condenado;

    1. reduza a pena a que foi condenado para 3 anos de prisão;

    2. Suspenda a sua execução pelo período de 5 anos;

    3. Reduza o pedido de indemnização civil nos termos do artº 566° n° 3, para os 4.000.000$00.?

  3. - Requereu, entretanto, o interessado, que lhe fosse concedido apoio judiciário, ?na modalidade de isenção total das custas e taxa de justiça [...]? ? fls. 648 e segs. ? o que veio a ser indeferido por despacho de 12 de Dezembro de 2000 (fls. 728 e segs.), e objecto de interposição do recurso (fls. 732).

    O recurso foi recebido por despacho de 18 de Janeiro de 2001 (fls. 741), a subir imediatamente, em separado, sem efeito suspensivo do processo mas com suspensão de eficácia da decisão.

    Simultaneamente, foi admitido o recurso ?da sentença proferida nos autos?, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

    O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 27 de Março de 2001 (fls. 795 e segs.), pronunciando-se concretamente sobre a requerida renovação da prova, negou-a por inadmissibilidade legal, consoante se ponderou:

    ?1- Que a prova tenha ficado documentada e haja razões para crer que a renovação da prova permitirá evitar o reenvio do processo artº 430 nº 1 do Cód. de Proc. Penal.

    2- Que o recorrente indique as provas que entende deverem ser renovadas perante o tribunal de recurso, mencionando em relação a cada uma os factos que se destina a esclarecer e as razões que justificam a renovação artº 412- 3º Cód. Proc. Penal.

    3- Que a decisão recorrida esteja afectada por qualquer dos vícios do artº 410 ? 2 do Cód. Proc. Penal, nos termos do disposto no art. 430 ? 1 daquele diploma.

    No caso vertente, trata-se de Processo Comum Colectivo em que a audiência decorreu com gravação das declarações oralmente prestadas, mas o recorrente não procedeu à transcrição dessas gravações como lhe competia art. 4 do Cód. de Proc. Penal, art. 690 - ..... nº 2 do Cód. Proc. Civil na redacção do Dec. Lei nº 329-A/95 de 12 de Dezembro e Ac. do Tribunal Constitucional de 21/12/99 in D.R. II Série e de 28/2/2000, pelo que este tribunal da Relação conhece somente de direito e, por outro lado, o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT