Acórdão nº 346/03 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Julho de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução08 de Julho de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 346/2003

Proc. n.º 738/02

  1. Secção

    Conselheiro Benjamim Rodrigues

    Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:

    A – O relatório

    1. A. e mulher B., identificados nos autos, recorrem, ao abrigo do disposto no art.º 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (doravante designada apenas por LTC), para este Tribunal Constitucional do Acórdão da Relação do Porto, de 14 de Maio de 2002, que negou provimento ao recurso de apelação por si interposto da sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de C. que decidiu fixar na quantia de 12 607. 125$00, acrescida do montante que resultar da aplicação dos índices de preços no consumidor, com exclusão da habitação, publicados pelo INE, o valor da indemnização devida pela expropriação por utilidade pública para a construção da estrada Variante --------- de uma parcela de terreno de --------- m2 a destacar do prédio rústico inscrito na matriz predial rústica da freguesia de -----------, -------------- sob o art. ---------, sua pertença, pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade da norma constante do n.º 5 do art.º 24.º do Código de Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro, por violação “do disposto no art.º 13.º, n.º 2 e no art.º 62.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (de ora em diante designada apenas por CRP) e dos princípios constitucionais da justa indemnização, da proporção e da igualdade”.

    2. A referida sentença estribou-se na consideração, em síntese, de que disposições legais aplicáveis ao cômputo da indemnização eram as que vigoravam ao tempo em que fora 5publicada a declaração de utilidade pública no Diário da República ou seja, no caso, os preceitos substantivos do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro (doravante designado apenas por CE/91), e não os preceitos do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, que entretanto tinha entrado em vigor (imediatamente aplicáveis apenas eram as disposições adjectivas do novo código em virtude de toda a fase judicial ter decorrido já à sua sombra). Ora, sendo assim, - continuou a discretear a sentença -, a indemnização devia ser aferida à face do disposto nos art.os 22.º a 26.º do CE/91 que traduziam os critérios legais para se determinar a justa indemnização “de que fala o art.º 62.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa”, tendo-se em conta que, de acordo com o disposto no n.º 2 do art.º 22.º “a justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pelo expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriante advém da expropriação, medindo-se esse prejuízo pelo valor do bem expropriado, fixado por acordo ou determinado objectivamente por árbitros ou por decisão ju

    dicial, tendo em consideração as circunstâncias de facto existentes à data da declaração de utilidade pública” e tendo-se ainda em conta o disposto no n.º 5 do art.º 24.º onde se estabelece que, para efeitos de indemnização, deve ser equiparado a “solo para outros fins” aquele “solo que por lei ou regulamento não possa ser utilizado para construção”. E, passando a encarar a questão da eventual inconstitucionalidade de tal artigo, escreveu-se em tal sentença:

    Invocam os recorrentes que o facto de o terreno estar situado em zona classificada como RAN ou REN não é, só por si, facto impeditivo para poder ser classificado como apto para construção, invocando para tanto o entendimento feito pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n° 267/97, de 19/03/97, publicado na 2a Série do DR de 21/5/97.

    No referido Acórdão considerou-se que o n° 5 do art. 24° do C.E. padece de inconstitucionalidade quando interpretado no sentido de excluir da classificação de solo apto para construção, para efeitos de cálculo da justa indemnização, os solos integrados na RAN, objecto de expropriação com vista a que neles se edifique para finalidade diferente da utilidade pública agrícola, inconstitucionalidade determinada pela violação do princípio da igualdade perante a lei, nas suas vertentes da proporcionalidade e da justiça (art. 13° da C.R.P.) e também o princípio da justa indemnização, consagrado no art. 62°, n° 2 do C.R.P.

    Todavia (e como faz notar a expropriante) o Tribunal Constitucional veio nos últimos tempos a produzir jurisprudência clarificadora sobre o seu entendimento acerca da constitucionalidade do art. 24°, n° 5 do C.E., designadamente o Acórdão do T.C. n° 20/2000, publicado no DR II Série de 28/04/2000, seguido, entre outros, pelos Ac. TC. n° 243/2001, publicado no DR II Série de 4/07/2001 e Ac. n° 219/2001, publicado no DR II Série de 6/07/2001.

    Decidiu o referido Ac. do TC n° 20/2000 não julgar inconstitucional a norma do art. 24°, n° 5 do C.E. (redacção de 91) quando interpretada por forma a excluir da classificação de 'solo apto para construção' solos integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriados para fins diversos quer da utilidade pública agrícola quer da edificação de construções urbanas – implantação de vias de comunicação –, considerando que não tendo o proprietário dos terrenos integrados na RAN expectativa razoável de os ver desafectados e destinados à construção ou edificação e não tendo a finalidade da expropriação (construção de via de comunicação – no caso do Acórdão, uma auto-estrada) confirmado a existência de uma potencialidade edificativa excluída pela qualificação como 'solo para outros fins', que não a construção, não são invocáveis os princípios constitucionais da igualdade e da justa indemnização para obrigar à avaliação do montante indemnizatório com base nessa potencialidade edificativa. Defende este Acórdão que os princípios constitucionais da justa indemnização e da igualdade são afectados apenas quando se exclui da classificação de 'solo apto para construção' parcela de terreno integrado na RAN e que, com vista à satisfação do fim determinante da expropriação, é dela desafectado e que é destinado pela expropriante à implantação de edificação mas já não quando a expropriação (com indemnização como 'solo apto para outros fins') não visa a construção de prédios urbanos mas sim a construção de via de comunicação. Como se escreve no Acórdão que vimos referindo, em "lugar da eliminação da utilização agrícola, é, pois, relevante, para tal juízo de inconstitucionalidade da não qualificação do terreno como 'solo apto para construção', a potencialidade edificativa efectiva que se vai actualizar na construção visada pela própria entidade expropriante", pois o "que interessa, para efeitos de 'justa indemnização', não é o facto de o deixar de ter aptidão agrícola – como acontece quer na construção de um prédio urbano, quer com os terrenos nos quais se constrói uma auto-estrada –, pois isso não afecta a necessidade da sua qualificação como 'solo apto para construção'”, sendo que relevante para este efeito é o facto "de terem ou não uma muito próxima ou efectiva aptidão edificativa, que resulta do facto de o expropriante lhe dar uma utilização para construção ".

    Qualquer parcela de terreno integrada na RAN e/ou REN que seja expropriada com a finalidade de nela ser implantada via de comunicação não adquire, com a declaração de utilidade pública, qualquer potencialidade edificativa; não a tinha antes e não a adquire posteriormente (aliás, tal como a utilização agrícola, a implantação de via de comunicação em qualquer terreno é incompatível com qualquer vocação construtiva ou edificativa)

    .

    E enfrentando depois a questão da determinação, em concreto, da indemnização devida, mediante a subsunção da matéria de facto apurada no respectivo julgamento ao quadro legal determinado, assim discorreu a mesma decisão:

    «É este o caso dos autos.

    A expropriação da parcela de terreno (integrado na RAN e na REN) foi determinada com vista à implantação de via de comunicação (a Variante do ---------------).

    Tal parcela não tinha, no momento da declaração da utilidade pública, qualquer potencialidade edificativa (a sua inclusão na RAN e na REN cerceava tal desiderato) e nem tal vocação edificativa veio a ser superveniente demonstrada pela utilização que lhe foi dada pela entidade expropriante.

    Assim sendo, e face ao preceituado no art. 24°, n° 5 do C.E., deve a parcela de terreno ser qualificada (para efeitos de cálculo de indemnização) como 'solo apto para outros fins' (a referida norma, interpretada no sentido que acima se referiu, não padece de qualquer inconstitucionalidade).

    Considerando o terreno expropriado como 'solo apto para outros fins' (e o preceituado no art. 26° do C.E.), encontraram os senhores peritos nomeados pelo tribunal e pela expropriante o valor de 6.812.100$00 (valor este idêntico ao encontrado pelos senhores árbitros), considerando para tal uma produção hortícola (a adaptada ao terreno em causa) de cebola e cenoura nos meses de Abril a Julho e alface nos meses de Agosto e Setembro, deduzindo os necessários encargos com a produção e capitalizando também o rendimento agrícola a uma taxa de juro de 4%. Por sua vez, o perito indicado pelos expropriados, considerando que a parcela se localiza nas proximidades de importante mercado consumidor, facilitando o escoamento dos produtos cultivados, aplica ao valor acima referido uma valorização adicional de 25%, como factor correctivo, encontrando assim o valor de 8.515.125$00.

    Parece-nos que o senhor perito dos expropriados tem razão.

    Devendo a indemnização ser uma indemnização integral pelo dano infligido ao expropriado, correspondendo ao valor adequado que permita ressarcir o expropriado da perda que a transferência do bem que lhe pertencia para outra esfera dominial lhe acarreta, deva ela corresponder ao valor real e corrente em economia de mercado do bem expropriado, ou seja, o valor que o expropriado obteria se o bem fosse vendido no mercado livre a um comprador prudente.»

    3. Inconformados com a sentença, os expropriados recorreram para a Relação do Porto, suscitando, entre...

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