Acórdão nº 329/03 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Julho de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Bravo Serra
Data da Resolução07 de Julho de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 329/03

Procº nº 537/2002.

  1. Secção.

Relator:- BRAVO SERRA.

1. Tendo P...., A ..., X..., D..., E..., J..., M... e V..., deduzido, contra o Município de Sintra e pelo Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa, pedido de declaração de ilegalidade das normas constantes dos artigos 42º a 46º da Tabela de Taxas e Licenças, vigente até 1998 - Tabela essa aprovada em 5 de Fevereiro de 1988 pela Assembleia Municipal de Sintra e alterada em 20 de Outubro de 1989 -, veio, em 19 de Outubro de 2000, a ser proferida sentença por intermédio da qual foi declarada a ilegalidade das referidas normas, mas tão somente quando as mesmas se reportam aos postos de abastecimento de carburantes que se encontrem totalmente instalados em propriedade privada e desde que o abastecimento se efectue também em propriedade privada, assim se não declarando a requerida ilegalidade quando nas aludidas normas se prevê a exigibilidade das taxas para os postos de abastecimento de carburantes quando estes se encontrem total ou parcialmente instalados em espaços do domínio público ou quando o abastecimento se efectue nesses espaços.

Não se conformando com o assim decidido recorreram para o Tribunal Central Administrativo P...., X..., E..., M... e V..., e também o Município de Sintra.

Aquele Tribunal Central, por acórdão de 29 de Janeiro de 2002, julgou improcedente o recurso interposto pelo Município de Sintra e procedente o recurso interposto por P...., X..., E..., M... e V..., vindo a declarar, com força obrigatória geral, “a ilegalidade das normas regulamentares do Capítulo IX, artºs. 42º a 46º da Tabela de Licenças e Taxas emitida e aprovada pela Assembleia Municipal do Município de Sintra por deliberação de 5. Fevereiro.1988, vigente até 1998 e aplicada pela respectiva Câmara Municipal, por violação do princípio da proporcionalidade consagrado nos artºs 18º nº 2 e 266 nº 2 CRP, na dimensão do princípio da proibição do excesso, da necessidade e adequação”.

Pode ler-se nesse aresto, em dados passos:-

“...............................................................................................................................................................................................................................................................

Chegados aqui e, repetindo, que as taxas tem por pressuposto de facto a actividade administrativa de prestação de um serviço, ou a utilização de bens do domínio público, ou a remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares, é evidente que a matéria de facto provada evidencia como pressuposto das taxas exigidas a utilização pela Recorrida de terrenos sitos no domínio público da Recorrente, isto é, o uso privativo da via pública, não podendo, por isso, sufragar-se o entendimento sustentado na sentença de que se trata de impostos.

O que nos leva à apreciação da alegada desproporção do aumento deliberado em 1989 pelo Município de Sintra nos valores das taxas de ocupação exigidas à Recorrida e que constituem a base de cálculo das liquidações impugnadas.

Seguindo Mário Esteves de Oliveira, P.C. Gonçalves e J.P. Amorim, in ’Código de Procedimento Administrativo - Comentado’, 2ª edição, Almedina, pág. 104, dispõe o artº 5º nº 2 do CPA:

‘As decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar.’

Como corolários deste princípio e no confronto com a esfera jurídica do particular, a decisão administrativa deve apresentar-se:

- adequada - ‘apta à prossecução do interesse público visado’;

- necessária - ‘necessária ou exigível (por qualquer outro meio não satisfazer o interesse público visado);

- proporcional (em sentido estrito) - ‘proporcional e justa em relação ao benefício alcançado para o interesse público (proporcionalidade custo/benefício)’.

Não é por acaso que o princípio da proporcionalidade, também é conhecido por princípio da proibição de excesso, pois que se trata de controlar a relação de adequação medida-fim - vd. Gomes Canotilho in ‘Direito Constitucional’, Almedina, 6ª edição, págs. 382/384.

Este princípio da proporcionalidade tem entre nós assento constitucional nos artºs 18º nº 2 e 266º nº 2 CRP, sendo por este último normativo erigido em princípio materialmente constitutivo e conformativo de toda a Administração Pública.

Qual o interesse público prosseguido pelo Município de Sintra no licenciamento da Recorrida para ocupar o domínio público com a bomba de gasolina?

Parece óbvio que é a política urbanística de dotação do território com estabelecimentos de venda de gasolina e gasóleo para conforto e qualidade de vida dos cidadãos que residem ou viaja, no Município.

Ponderando, em relação de adequação, o interesse público e as utilidades proporcionadas pela Administração de mera faculdade de ocupação de terreno - pois que as obras para implantação do posto de abastecimento e respectiva manutenção em razão da segurança, funcionalidade e limpeza das instalações não correm por conta do Município de Sintra - a medida adoptada de aumentar a taxa em 1000% por deliberação de 1989 resulta destituída de qualquer nexo de proporcionalidade.

Salvo o devido respeito, não se entende o propósito de passar de 30 000$00 para 300 000$00 de taxa (medida adoptada) em ordem à manutenção da ocupação da via pública pela bomba de gasolina da Recorrida (fim de interesse público prosseguido).

O aumento de 1000% atinge um percentual, no mínimo, inusitado, sem qualquer parâmetro de correspondência, nomeadamente, com os níveis de infla[]ção no período considerado.

É que a Recorrida não tem de pagar 300 000$00 por ano pela ocupação da via pública com o posto de abastecimento de combustível, tem de pagar de acordo com as liquidações notificadas,

- 2 198 966$00 no ano de 1991 - doc. de fls. 15;

- 2 498 015$00 no ano de 1992 - doc. de fls. 16;

- 2 797 782$99 no ano de 1993 - doc. de fls. 17;

- 3 063 593$00 no ano de 1994 - doc. de fls. 18.

Ou seja, há um salto das centenas de escudos para dois mil e três mil contos em cada ano, daí a referida desproporção do aumento da taxa no confronto com os meios - que se mantêm inalterados - por uso privativo do domínio público, em ordem a satisfazer o abastecimento público de combustível, interesse público prosseguido pela Autarquia através das instalações da Recorrida.

Todavia, não se reconhece a bondade da tese da Recorrida e sustentada na sentença de a violação do princípio da proporcionalidade por excesso do aumento transmutar a natureza jurídica da taxa em imposto.

Tal não sucede porque os pressupostos de facto em causa não sofreram alteração.

De facto, a pretensão de uso privativo do domínio público manifestada pela Recorrida permanece como pressuposto de facto da obrigação de pagamento do valor pecuniário exigido pela CMS a título de taxa.

Contrariamente, no imposto, a obrigação de pagamento não cria no credor do Estado qualquer dever específico de proporcionar ao devedor adimplente uma vantagem específica em razão do pagamento, uma vez que o seu destino é a constituição de receita para o financiamento de serviços públicos indivisíveis, ao invés das taxas, dirigidas ao financiamento de serviços públicos divisíveis, atribuindo vantagens apenas a quem os utiliza, ou seja, atribuindo-os de forma individualizada.

O princípio da proporcionalidade não tem em vista avaliar da realização harmoniosa dos interesses público e particular envolvidos na decisão administrativa, pelo contrário, ‘...tem ínsita, em si, a ideia de prevalência do interesse público, sendo em função da sua intensidade concreta que se avalia se as medidas em causa são, ou não ... as menos desfavoráveis (ou as mais favoráveis) para os administrados’ - CPA Comentado, AA. citados, pág. 723.

*

Acresce ainda, neste domínio, que no exercício da sua actividade, ‘em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa-fé’, princípio estabelecido no artº 6º-A nº 1 CPA que, no seu nº 2, estipula, ainda, que na aplicação do princípio da boa-fé, enquanto princípio geral de direito, plasmado, entre outros, no artº 334º C. Civil, ‘devem ponderar-se os valores fundamentais do direito ... e, em especial, a confiança suscitada na contraparte ... [e] o objectivo a alcançar’.

Como regra de conduta no confronto com os particulares e em ordem à realização do interesse público presente no caso concreto, deve a Administração abster-se de comportamentos em contradição com o comportamento anterior, quando este seja apto a criar a convicção no destinatário dos actos da Admi[nis]tração de que não se lhe seguirá uma actuação contraditória, gerando também, por esse motivo, a confiança em que a Administração irá prosseguir na mesma linha de actuação.

Confiança digna de tutela e protecção legal, pela proibição de venire contra factum proprium, isto é, de contradição directa entr[e] a situação jurídica originada pelo ‘factum proprium’ praticado e o comportamento subsequente, em negação de anterior situação.

................................................................................................................................................................................................................................................................

O que constitui, de acordo com as razões de direito supra expostas, violação manifesta e grosseira dos princípios da proporcionalidade, da boa-fé e da confiança, a que a actividade administrativa está submetida, inquinando os actos de liquidação de vício de violação de lei e passíveis de nulidade, nos termos previstos no artº 133º nº 2 d) CPA.

(...)

Concluindo, nos termos do artº 11º nº 1 c) da Lei 1/87 de 6.1 os municípios podem cobrar taxa pelaocupação do domínio público e aproveitamento dos bens de utilização pública, cujo produto constitui receita municipal conforme estabelecido nº artº 4º nº 1 g) do citado...

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