Acórdão nº 312/03 de Tribunal Constitucional (Port, 01 de Julho de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução01 de Julho de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

Acórdão n.º 312/03 Processo n.º 492/02

  1. Secção

Relator: Cons. Mário Torres

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. Relatório

A. e B. foram acusados pelo Ministério Público, no Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos, da autoria material de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, e da contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 5.º, n.º 2, alínea b), do Decreto-Lei n.º 48/96, de 15 de Maio, porquanto, tendo sido notificados pessoalmente, em 27 de Janeiro de 1999, dos despachos proferidos, em 4 de Setembro de 1998 e 10 de Dezembro de 1998, pelo Vice-Governador Civil do Porto, que determinaram o encerramento às 24 horas de estabelecimento de café pertencente a sociedade de que o primeiro arguido é sócio gerente, sendo o segundo arguido gerente do estabelecimento, sob pena de, não o fazendo, incorrerem na prática de crime de desobediência, os arguidos continuaram a encerrar o estabelecimento em causa para além da hora fixada, tendo perfeito conhecimento de que estavam a contrariar uma ordem que lhes havia sido dada por autoridade administrativa competente.

Na contestação, os arguidos – para além de impugnarem a existência de “ordem legítima”, elemento constitutivo do crime de desobediência, uma vez que interpuseram recurso contencioso de anulação do acto de redução do horário de funcionamento do estabelecimento em causa, recurso que veio a ser provido por sentença de 3 de Fevereiro de 2000 do Tribunal Administrativo do Círculo do Porto, e de negarem a existência de dolo – referiram, no artigo 22.º dessa peça processual:

“Do que se vem a afirmar retira-se uma impossibilidade jurídica e de facto de os arguidos serem condenados pelo crime de desobediência; contudo, se tal vier a suceder, o que apenas se admite no campo das meras hipóteses, desde já se afirma que tal improvável decisão violaria o artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa na medida em que implicaria a derrogação de importantes garantias de defesa – conforme prescreve o n.º 1 – dado que faria tábua rasa da atitude dos arguidos, consubstanciada na interposição de recurso contencioso de anulação, de considerar ilegítima a ordem proferida pelo Vice-Governador Civil do Distrito do Porto, bem como a violação do disposto no n.º 2 do mesmo preceito constitucional, dado que configuraria a condenação do arguido sem que estivessem esgotados todos os meios de defesa ao seu alcance.”

Por sentença de 7 de Dezembro de 2000 do Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos foram os arguidos absolvidos da acusação da prática da contra-ordenação (por não se haver provado que o estabelecimento estivesse aberto para além das 02h00), foi o arguido B. absolvido da acusação da prática de crime de desobediência (por não se haver provado que fosse gerente do estabelecimento), e foi o arguido A. condenado, como autor material de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, na pena de 45 dias de multa à taxa diária de 1200$00.

Esta condenação foi assim fundamentada:

“4. O Direito:

Comete o crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.°, n.° 1, alínea b), do Código Penal «quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, ....se ... na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação».

São elementos do crime, por um lado, a existência de uma ordem formal e substancialmente legal ou legítima e, por outro, é necessário que a mesma dimane de autoridade ou funcionário competente.

A este propósito o Tribunal da Relação de Coimbra, no acórdão de 28 de Março de 1984 (Colectânea de Jurisprudência, ano IX, tomo 2, pág. 70), decidiu que o crime em apreço tem como requisitos: «...a ordem ou mandado legítimo, regularmente comunicado, emanado de autoridade competente, falta à sua obediência e intenção de desobedecer».

É o interesse administrativo do Estado em garantir a obediência aos mandados legítimos da autoridade em matéria de serviço e ordem pública que se pretende proteger.

No caso presente apurou-se que por despachos proferidos em 4 de Setembro de 1998 e 10 de Dezembro de 1998, pelo Vice-Governador Civil do Porto, foi determinado o encerramento às 24 horas do estabelecimento de café denominado «-------------------», sito na Rua ----------------, ---------, ------------, pertencente à firma «C.», da qual é sócio gerente o arguido A..

Este arguido foi notificado pessoalmente de tal decisão, em 27 de Janeiro de 1999, com a advertência de que deveria proceder ao encerramento do estabelecimento às 24 horas, sob pena de, não o fazendo, incorrer na prática do crime de desobediência.

Não obstante, o arguido A. continuou a encerrar o aludido estabelecimento para além da hora fixada, ou seja, das 24 horas.

Tinha perfeito conhecimento de que estava a contrariar uma ordem que lhe havia sido dada por autoridade administrativa competente.

Ora, sendo assim, é manifesto que o arguido cometeu o crime de que vem acusado.

Salvo o devido respeito por opinião contrária, não colhe o argumento invocado pelo arguido em contestação.

Vejamos porquê.

O arguido veio dizer que não praticou um crime de desobediência como constava na acusação uma vez que considerou a ordem emanada pelo Vice-Governador Civil do Distrito do Porto como «ilegítima».

Acrescentou que tal ordem foi impugnada no Tribunal Administrativo do Porto, através da interposição de um recurso contencioso de anulação do acto, que foi julgado procedente em primeira instância, embora ainda não tenha transitado em julgado.

No caso presente, existe uma ordem, regularmente comunicada, emanada de uma autoridade ou funcionário competente. Trata-se de um acto praticado no desempenho de uma actividade pública de administração.

Como refere Maia Gonçalves, em anotação a este artigo (no seu Código Penal Anotado), não é possível a eliminação deste crime, além do mais, porque isso poderia desarmar a Administração Pública. E mais adiante escreve: «....admitir, sem restrições, o direito de desobedecer, seria permitir a anarquia na Administração e um fácil acesso a abusos, como a desobediência a ordens ilegais...».

Ora tal sucederia se os particulares pudessem desobedecer às ordens da Administração apenas porque não concordam com elas: cairíamos num caos, pondo em perigo o Estado de Direito que caracteriza o nosso sistema político.

O arguido tem todo o direito de não concordar com uma ordem de uma entidade administrativa, mas o que tem a fazer é tão-só recorrer da mesma, usando os meios legais que o Estado...

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