Acórdão nº 198/03 de Tribunal Constitucional (Port, 10 de Abril de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Pamplona Oliveira
Data da Resolução10 de Abril de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃ0 N.º 198/2003

Proc. n.º 371/99

Plenário

Relator: Cons. Carlos Pamplona de Oliveira

Acordam no Tribunal Constitucional:

  1. Conforme lhe permite o artigo 281º n. 2 alínea d) da Constituição, o Provedor de Justiça veio requerer a fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade, solicitando que o Tribunal declare a respectiva inconstitucionalidade com força obrigatória geral "por violação do preceito constante do artigo 52º n. 1, conjugado com o artigo 18º ns. 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa", das seguintes normas:

    · do artigo 127º n. 1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88 de 30 de Novembro e subsequentes alterações, cuja redacção, conferida pela Lei 10-B/96 de 23 de Março, é como segue:

    Artigo 127º

    Garantia de observância de obrigações fiscais

    1 – As petições relativas a actos susceptíveis de produzirem rendimentos sujeitos a este imposto não poderão ter seguimento ou ser atendidas perante qualquer autoridade, repartição pública ou pessoa colectiva de utilidade pública sem que o respectivo sujeito passivo faça prova da apresentação da última declaração de rendimentos a que estiver obrigado ou de que não está sujeito ao cumprimento dessa obrigação.

    - do artigo 105º n. 1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88 de 30 de Novembro e subsequentes alterações, na seguinte redacção conferida pelo Decreto-Lei 121/95 de 31 de Maio:

    Artigo 105º

    Garantia de observância de obrigações fiscais

    1 – As petições relativas a rendimentos sujeitos a IRC ou relacionadas com o exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos deste imposto não poderão ter seguimento ou ser atendidas perante qualquer autoridade, repartição pública ou pessoa colectiva de utilidade pública sem que seja feita prova da apresentação da declaração a que se refere o artigo 96º, cujo prazo de apresentação já tenha decorrido, ou de que não há lugar ao cumprimento dessa obrigação.

    O Provedor de Justiça fundamenta, em suma, o seu pedido na seguinte ordem de argumentos:

    1. As normas do artigos 127º, n.º 1, e 105º, n.º 1, respectivamente do CIRS e do CIRC, consubstanciam elas próprias verdadeiras restrições ao direito constitucional de petição [artigos 8º e 9º do requerimento].

    2. Tais restrições não preenchem, no caso vertente, nenhum dos pressupostos materiais de que a Constituição faz depender a respectiva admissibilidade, consignados no artigo 18º, ns. 2 e 3, da CR [artigo 10º do requerimento]. Com efeito:

    3. As normas impugnadas "destinam-se tão somente a fiscalizar o pagamento do imposto respectivo e o cumprimento de outras obrigações fiscais" – sendo que, justamente, se enquadram no capítulo de cada um dos códigos do IRS e do IRC dedicado à fiscalização do cumprimento dos tributos neles previstos e às obrigações acessórias das entidades públicas naquele domínio. Ou seja, as restrições consubstanciadas nas mencionadas disposições têm como único e exclusivo propósito conferir ao Estado um meio adicional de fiscalização do cumprimento, ou incumprimento, de uma determinada obrigação ou de um conjunto de obrigações fiscais [artigos 11º e 12º do requerimento].

      Ora, esse objectivo "não tem previsão constitucional expressa, nem visa salvaguardar um outro direito ou interesse constitucionalmente protegido" [artigo 13º do requerimento].

    4. E não se diga, em contrário, que o propósito do legislador, ao emitir as normas em crise, foi o de garantir com maior eficácia a prossecução de políticas conferidas ao Estado, ou melhor, a satisfação de necessidades públicas para promoção de outros direitos fundamentais como o direito ao ensino ou à protecção da saúde, ou que visou pura e simplesmente uma concretização do direito à igualdade, encetando um mecanismo que permitisse mais facilmente denunciar os cidadãos que se eximem de um dever que a todos vincula, pois "nem todos os interesses constitucionalmente garantidos são adequados, sobretudo quando se trate de cláusulas demasiado vagas para suportarem qualquer confronto consistente com os direitos, liberdades e garantias" [artigo 14º do requerimento].

    5. Ainda que se vislumbrasse um qualquer interesse constitucional relevante justificativo das restrições em apreço, sempre se diria que as mesmas não respeitariam o princípio da proporcionalidade, nas suas três vertentes (da adequação, exigibilidade e proporcionalidade em sentido estrito) [artigo 15º do requerimento].

    6. Que assim é, mostra-o a "alteração e revogação de um conjunto de normas do Código de Processo Civil de idêntico teor, designadamente os artigos 280º, 281º, 282º, 467º, n.º 3, e 551º, na sequência da revisão levada a efeito pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro" - em resultado das quais "deixou de condicionar-se o normal prosseguimento da instância, a obtenção de uma decisão de mérito ou a utilização de uma prova documental à prévia demonstração do cumprimento de certas obrigações fiscais, como acontecia até 1996, limitando-se agora o tribunal a comunicar à administração fiscal a infracção eventualmente detectada, sem que o andamento da instância ou o uso de meios probatórios resultem assim prejudicados".

      Ora, solução idêntica à que foi consagrada pelas referidas normas do Código de Processo Civil "poderia ter sido dada às situações a que respeitam as disposições constantes dos artigos 127º, n.º 1, do CIRS, e 105º, n.º 1, do CIRC" [artigos 16º a 18º do requerimento].

    7. A modificação operada na lei processual civil "acabou por libertar as [correspondentes] disposições" (visando o objectivo de fiscalização, nesse domínio, da observância do cumprimento de preceitos fiscais) "de uma ameaça de inconstitucionalidade, por violação do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, como actualmente lhe chama o artigo 20º do texto constitucional" [artigo 19º do requerimento].

      Mas, se dessa alteração, e atento designadamente "o que o Código de Processo Civil dispõe hoje de forma inequívoca no respectivo artigo 280º, as revogações registadas e o carácter subsidiário da legislação" - terão igualmente beneficiado os artigos 127º do CIRS e 105º do CIRC, no que toca às petições a apresentar perante os órgãos jurisdicionais, a verdade é que, excluído esse domínio de aplicação (o das petições judiciais), os mesmos preceitos se revelam "violadores de um outro direito fundamental – precisamente o direito de petição perante os restantes órgãos de soberania ou quaisquer autoridades, consignado no artigo 52º, n.º 1, da Lei Fundamental – com estatuto de direito, liberdade e garantia e submetido ao regime constitucional específico atrás identificado" [artigo 20º do requerimento].

    8. O regime consagrado nas normas impugnadas implica que fique "inevitavelmente atingido o conteúdo essencial do preceito constitucional que consagra o direito de petição, já que o mesmo revelar-se-á irremediavelmente comprometido e esvaziado de sentido útil com a circunstância de o cidadão não poder, no momento em que se dirige a um...

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