Acórdão nº 170/03 de Tribunal Constitucional (Port, 28 de Março de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Bravo Serra
Data da Resolução28 de Março de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 170/03

Procº nº 740/2002.

  1. Secção.

Relator:- BRAVO SERRA.

1. Pela 5ª Vara Cível do Porto deduziu A embargos à execução que lhe foi movida por B, execução essa instaurada com vista à recepção coerciva de 3.838,33 € que lhe não teria sido paga pela executada.

Segundo a embargante, aquela quantia foi retida ao abrigo do artº 101º, nº 1, do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, já que, tendo a mesma contabilidade organizada, impunha-se-lhe, por força daquele preceito, a retenção da taxa de 15% sobre o montante de Esc. 5.139.107$00 que, a título de juros de mora, era devido à embargada pela embargante, juros esses que, nos termos da alínea g) do nº 2 do artº 5º do aludido Código, representam rendimentos da Categoria E (rendimentos de capitais)

Por saneador/sentença proferido em 3 de Julho de 2002, foram os embargos julgados improcedentes, para tanto se tendo recusado a aplicação, por inconstitucionalidade material, da norma constante da alínea g) do nº 1 do artº 6º do aludido Código.

Do assim decidido recorreram, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, a embargante e o Representante do Ministério Público junto da citada Vara.

Os recursos vieram a ser recebidos por despachos exarados em 15 de Julho de 2002 e 23 de Setembro do mesmo ano.

2. Determinada a feitura de alegações, rematou o Represente do Ministério Público junto deste Tribunal a por si produzida com as seguintes «conclusões»:

"1º - Os juros moratórios exercem, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, uma função de indemnização pelo retardamento no integral ressarcimento do lesado, idêntica à alcançada através da aplicação da ‘teoria da diferença’, visando a compensação dos danos decorrentes do intempestivo cumprimento da obrigação e da desvalorização monetária entretanto ocorrida.

2º - A integral compensação do dano sofrido pelo lesado - incluindo a correcção monetária do valor da sua pretensão - pode ser alcançada através de dois meios alternativos: a correcção monetária do próprio capital indemnizatório, efectuada nos termos do artigo 566º, nº 2, do Código Civil, ou - não sendo esta processualmente viável, em termos integrais - o vencimento de juros moratórios, a partir da ‘decisão actualizadora’, nos termos dos artigos 805º, nº 3, e 806º, nºs 1 e 3 do Código Civil (cfr. Acórdão uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça nº 4/2002).

3º- Constitui violação do princípio da igualdade a tributação em IRS, como ‘rendimento’ auferido pelo lesado, dos referidos juros de mora, estando isento de tributação o ressarcimento do mesmo tipo de danos, quando alcançado através do ‘meio alternativo’ ao vencimento de juros de mora - a actualização do capital indemnizatório, ao abrigo da ‘teoria da diferença’.

4º - Na verdade, atenta a mesma função substancial atribuída aos juros de mora e à correcção monetária do capital indemnizatório, no âmbito da responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, constitui solução discriminatória e arbitrária a tributação em IRS do lesado que obteve a compensação do seu dano através da percepção de juros moratórios - estando inquestionavelmente isento o que viu tais danos ressarcidos mediante correcção monetária do capital da indemnização.

5º - A função material atribuída aos juros de mora devidos pelo retardamento da prestação do responsável - e a sua natureza inquestionavelmente ressarcitória e indemnizatória - não permitem, do ponto de vista constitucional - a respectiva qualificação como ‘rendimento’ tributável, ao abrigo do preceituado nos artigos 103º, nº 1, e 104º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.

6º - Na verdade, tais juros - perspectivados na sua função de indemnização pelo retardamento da prestação e da desvalorização monetária ocorrida - não constituem atribuição ou acréscimo patrimonial do lesado, mas mera reposição deste na situação em que se encontraria se não tivesse ocorrido o evento danoso.

7º - Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida, procedendo-se a uma reponderação da jurisprudência contida no acórdão 453/97".

De sua banda a A, finalizou a sua alegação concluindo:-

"I. Não pode a recorrente conformar-se com o despacho-sentença ora recorrido que desaplicou o artº 6º nº 1 al. g) do CIRS por inconstitucionalidade, considerando-o violador do princípio da igualdade. Na verdade,

  1. São os juros devidos pela mora no pagamento de uma indemnização justamente tributados em sede de IRS, enquanto rendimentos de capital, no âmbito da categoria E.

  2. Tais juros assumem a natureza de juros moratórios, que, em conformidade com o disposto no artº 806º do Código Civil, têm um carácter indemnizatório.

  3. Mas é tal indemnização devida independentemente da verificação de um prejuízo patrimonial efectivo. Seguindo a filosofia de que um montante pecuniário rende sempre, é a indemnização devida para colmatar um lucro cessante, pois que o credor sempre poderia obter rendimento deste capital através de, por exemplo, aplicações financeiras.

  4. Nestes termos, não perdem os juros de mora as suas características de autonomia e acessoriedade relativamente à obrigação principal e com ela não se confundindo. Consubstanciam antes (os juros de mora) um rendimento do capital em que tal obrigação se traduz.

  5. Ora, os juros remuneratórios implicam igualmente um acréscimo de capital, mediante a privação deste por parte do credor por um certo tempo.

  6. Concluiu-se que em ambos os casos (juros moratórios e juros remuneratórios) ocorre um rendimento de capital, pela privação deste durante um certo tempo, apenas diferindo a causalidade de tal privação. Há portanto uma igualdade dos pressupostos de facto jurídico-constitucionalmente relevantes.

  7. Tributando-se o rendimento de capital originado quer por juros moratórios quer por juros remuneratórios, que é obtido ‘sem esforço’, há um tratamento igual de uma realidade material igual.

  8. É assim respeitado o princípio da igualdade material, constitucionalmente consagrado no seu artº 13º.

  9. São também observados os preceitos contidos nos artºs 103º e 104º da Constituição da República Portuguesa, dado que a justiça fiscal só se alcança se forem igualmente tributados iguais rendimentos de capital".

Por seu turno, a embargada concluiu a alegação que apresentou propugnando pela improcedência do recurso.

Cumpre decidir.

3. Convém deixar assinalado que foi dado por assente na decisão ora sob censura que, tendo, por acórdão, transitado em julgado, proferido em 14 de Novembro de 2000, sido a embargante condenada a pagar à embargada a quantia de Esc. 26.515.000$00, acrescida de juros à taxa legal que vigorar em cada momento, desde a citação até efectivo pagamento, a título de indemnização por danos sofridos em consequência de um acidente de trânsito, veio a primeira a pagar à segunda, em 15 de Dezembro seguinte, o montante global de Esc. 30.875.591$00, sendo que, do quantitativo referente a juros, do valor de Esc. 5.130.107$00, foram retidos pela mesma embargante Esc. 769.516$00 nos termos do nº 1 do artº 101º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.

Na dilucidação do problema em análise, haverá que partir da questão de saber se a obrigação de indemnização fundada na responsabilidade civil extracontratual se poderá caracterizar, originariamente, como uma obrigação pecuniária.

É que, a ser dada resposta positiva a tal questão, para a resolução daqueloutra que constitui o cerne do vertente recurso seria cabido apelar à fundamentação carreada ao Acórdão deste Tribunal nº 453/97, publicado na 2ª Série do Diário da República de 9 de Fevereiro de 1999.

Na verdade, nesse aresto (e não parece que releve agora o decidido no Acórdão nº 288/01, ainda inédito, em face da decisão no mesmo ínsita, pois que se limitou a indeferir a reclamação do então recorrente relativamente à decisão sumária que, fundada na doutrina firmada pelo Acórdão nº 453/97, concedeu provimento ao recurso interposto de sentença que desaplicou o normativo agora em apreço, indeferimento esse baseado nas razões que de tal Acórdão nº 288/01 constam) disse-se, em dados passos:-

"...............................................................................................................................................................................................................................................................

4. É verdade que a indemnização é, em si mesma, uma reparação, não é um acréscimo patrimonial. Mas os juros de mora no pagamento da indemnização têm uma objectividade autónoma. São ‘frutos civis, constituídos por coisas fungíveis’ (Antunes Varela), não ‘constituem’ a compensação que originariamente está determinada a reparar o prejuízo [prestação originária], constituem um acréscimo pecuniário a essa compensação, no sentido de reparar o seu retardamento [indemnização moratória].

5. O Direito Civil deixa entrever, em vários lugares, a independência entre o crédito de juros e o crédito principal. O artigo 561º do Código Civil determina quedesde que se constitui, o crédito de juros não fica necessariamente dependente do crédito principal, podendo qualquer deles ser cedido ou extinguir-se sem o outro, o artigo 763º, que não é lícito ao credor, a coberto da regra do cumprimento integral da prestação, recusar-se a receber os juros desacompanhados da entrega do capital, e o artigo 785º, que, se a prestação não cobrir capital e juros, se presume feita por...

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