Acórdão nº 90/03 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Fevereiro de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Bravo Serra
Data da Resolução14 de Fevereiro de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº90/03

Procº nº 692/2002.

  1. Secção.

    Relator:- BRAVO SERRA.

    1. Nos autos de inventário instaurados no Tribunal de comarca de Portimão, subsequentemente ao processo de divórcio de A e B, decretado por um tribunal alemão (Tribunal de Família de Erkelenz), a dada altura, veio a citada A deduzir um incidente inominado da instância por intermédio do qual pretendia que se declarasse que "os interessados na partilha não tinham residência habitual comum à data do casamento, pois o interessado residia na República Federal da Alemanha e a interessada em Portugal", "que a primeira residência conjugal após o casamento foi estabelecida na República Federal da Alemanha", "que o interessado marido tinha e tem a nacionalidade alemã", "que, atendendo às premissas supra referidas quer por aplicação das normas de conflitos vigentes no Direito Português, quer por aplicação das normas das que vigoravam à data da celebração do casamento, a lei aplicável à substância e efeitos do regime de bens é a Lei Alemã" e "que, segundo a Lei Alemã, o regime de bens aplicável ao casamento dos interessados é o Zugewinngemeinschaft (§ 1363 I e § 1363 II 1 do BGB - Código Civil Alemão), nos termos do qual são próprios os bens adquiridos apenas por um dos cônjuges antes ou na pendência do casamento".

    Tendo, por decisão tomada em 18 de Abril de 2001 pelo Juiz do 2º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Portimão, sido declarado que os interessados na partilha não tinham, à sua data, residência habitual comum em Portugal, dado que a requerente da providência residia em Portugal e o requerido na Alemanha, e que este tinha e tem nacionalidade alemã, veio a requerente agravar para o Tribunal da Relação de Évora.

    Seguindo os autos de inventário seus trâmites, veio, em 22 de Junho de 2001, a ser proferida sentença homologatória da partilha, da qual apelou A .

    Por acórdão de 28 de Fevereiro de 2002, o Tribunal da Relação de Évora concedeu provimento ao agravo, decidindo que a substância e efeitos do regime de bens eram os definidos pela lei alemã, consequentemente anulando os termos processuais subsequentes à decisão agravada e não tomando conhecimento da apelação.

    Do assim decidido agravou para o Supremo Tribunal de Justiça o requerido B que, na alegação adrede produzida, formulou as seguintes «conclusões»:-

    "1.ª A prova produzida em sede de incidente inominado com vista a determinar a lei aplicável à substância e regime de bens entre as ora partes, foi determinada pela falta de nacionalidade comum e de residência habitual à data do casamento das mesmas.

  2. Resultou provado que a primeira residência conjugal do então casal, foi em Portugal.

  3. Como a presente situação apresenta conexões com mais de um ordenamento jurídico, a norma de conflitos a aplicar é a do art. 53º, n.º 2 do C.C.

  4. A norma a aplicar é o art. 53º, n.º 2 do C.C., com a redacção que lhe foi dada pelo D.L. n.º 496/77 de 25 de Novembro, dado que a anterior redacção, à luz dos princípios constitucionais ora vigentes, é materialmente inconstitucional, na medida em que a mesma traduz um tratamento discriminatório entre os cônjuges, o qual foi abolido pela C.R.P. de 1976, por força do seu artigo 36º, n.º 3, pelo que deverá ser mantido o Acórdão recorrido nesta parte decisória.

  5. Pelo que, no caso sub judice, a redacção do art. 53º, n.º 2 do C.C. a atender é a ora vigente.

  6. No douto Acórdão recorrido, o Tribunal a quo faz uma incorrecta interpretação e aplicação do conceito de primeira residência conjugal, utilizado no n.º 2, do art. 53º do C.C.

  7. O conceito de primeira residência conjugal não pode ser preenchido pelo recurso aos mesmos critério que permitem determinar a residência habitual ou domicílio.

  8. Perante a matéria de facto produzida, no douto Acórdão recorrido, o Tribunal a quo recorre ao critério de estabilidade - correntemente reconhecido pela doutrina e jurisprudência para determinar a existência da residência habitual ou do domicílio, para determinar onde ocorreu a primeira residência conjugal.

  9. No Acórdão recorrido não é qualificada ou dada qualquer relevância ao facto provado relativo à residência, imediatamente após o casamento do Agravante e da Agravada, durante o período de duas ou três semanas em Portugal.

  10. O legislador, no n.º 2, do art. 53º do C.C., ao referir-se ao conceito de primeira residência pretendeu referir-se ao local onde chegou a existir comunhão de vida, onde os cônjuges após o casamento tiveram vida como marido e mulher.

  11. O conceito de primeira residência conjugal, embora não distinga entre residência habitual e residência ocasional, não afasta a relevância desta última, importando apenas é que tenha existido uma residência.

  12. O conceito de primeira residência conjugal é objectivo, prescindindo da intenção de permanência ou da sua natureza duradoura.

  13. A ratio do art. 53º do C.C. é tutelar as expectativas das partes num domínio em que a autonomia da vontade pode intervir.

  14. O julgador-aplicador da norma, para assegurar a tutela das expectativas das partes, deve aplicar a lei que os nubentes contavam que lhes fosse aplicável em matéria de regime de bens à data do casamento, ou seja, a lei mais estreitamente conexa no momento do casamento.

  15. À data do casamento a lei que se encontrava mais estreitamente conexa era a lei portuguesa - o casamento foi celebrado em Portugal, entre uma cidadã de nacionalidade portuguesa e um cidadão de nacionalidade alemã, a qual tinha a sua residência habitual em Portugal e após o casamento, os cônjuges viveram como marido e mulher, fazendo comunhão de vida - partilhando cama, mesa e habitação, em Portugal, durante um período de duas a três semanas.

  16. O ora Agravante e Agravada, ao terem celebrado matrimónio em Portugal, sem terem previamente manifestado a sua vontade quanto ao regime de bens, e por ser esta a lei mais próxima do acto contraído, quiseram-se sujeitar ao regime supletivo do regime da comunhão de adquiridos nos termos em que o mesmo é definido no ordenamento jurídico português - art. 1717º e segs. do C.C.

  17. A lei materialmente aplicável à substância e os efeitos do regime de bens do Agravante e Agravada é a lei portuguesa".

    Por outro lado, a requerente A, na sua alegação, veio, nos termos do artº 684º-A do Código de Processo Civil, e inter alia, requerer que no recurso de agravo se viesse a conhecer da questão de saber se ao caso se deveria, ou não, aplicar "à substância e efeitos do regime de bens o disposto no n.º 2 do artº. 53º do C. Civil, com a redacção que lhe foi conferida pelo D.L. 496/77 de 25/11".

    O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 3 de Outubro de 2002, negou provimento ao agravo, por entender que o regime de bens a que se deveria atender era o estabelecido na lei pessoal do cônjuge marido, por força do estatuído na parte final do nº 2 do artº 53º da redacção originária do Código Civil.

    Para tanto, em síntese, aquele Alto Tribunal, raciocinou do seguinte modo:-

    - eram duas as questões de direito a resolver, quais fossem as de saber se a norma constante do nº 2 do artº 53º do Código Civil, na redacção resultante do Decreto-Lei nº 496/77, era de aplicação retroactiva e, na hipótese de resposta negativa, se o regime de bens do casal regulado pela lei da primeira residência conjugal, no caso de faltar convenção antenupcial, nacionalidade comum e residência habitual comum à data do casamento, se reportava à primeira residência habitual do casal ou à primeira residência conjugal, ainda que meramente acidental;

    - quanto à primeira questão, ponderou que o artº 177º do Decreto-Lei nº 496/77, de 25 de Novembro, e o artº 12º, nº 2, do Código Civil, não levavam a que se considerasse que a norma actual constante do nº 2 do artº 53º deste Código se deveria aplicar "às situações constituídas no período de vigência da lei pretérita";

    - a "razão de ser desta alteração do disposto no n. 2 do art. 53º visou ‘fazer desaparecer, na escolha das conexões em que assenta a determinação da lei aplicável a relações privadas internacionais, qualquer discriminação entre marido e mulher’";

    - a regulamentação constante da nova redacção do nº 2 do artº 53º "não pode ser considerada interpretativa da anterior e, como tal, de aplicação retroactiva", tratando--se, antes, de uma "regulamentação inteiramente nova";

    - ao caso dos autos seria, assim, aplicável a primitiva norma vertida no artº 53º, nº 2, do Código Civil...

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