Acórdão nº 56/03 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Fevereiro de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Helena Brito
Data da Resolução04 de Fevereiro de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃ0 N.º 56/2003

Proc. nº 128/02

  1. Secção

Relator: Cons.º Luís Nunes de Almeida

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:

I – RELATÓRIO

1. A interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa da decisão instrutória que não pronunciou os arguidos B, C e D pela prática de diversos crimes, alegando para o efeito, desde logo, que aquela decisão se mostrava «ilegal e iníqua».

Na respectiva motivação de recurso para a Relação, o recorrente formulou as seguintes conclusões:

A) Ao entender que o requerimento de abertura da instrução não estava formulado «em termos mínimos que permitam formular eventual despacho de pronúncia, por não obedecerem ao disposto no art. 287º, nº2, do CPP», e, cumulativamente, que não poderia ser objecto de aperfeiçoamento, o Tribunal deveria ter indeferido o mesmo e determinado o arquivamento dos autos;

B) Não o fazendo, e não tendo determinado o aperfeiçoamento daquele requerimento, o Tribunal, na verdade, simulou a realização da instrução, o que equivale à inexistência de instrução;

C) O TIC decidiu não pronunciar os arguidos no momento em que conheceu o requerimento de abertura de instrução de 25JAN99 (fls. 488), isto é, antes de declarar aberta a instrução;

D) O TIC não procedeu pois à instrução do processo mas sim a um simulacro de instrução; o que equivale à inexistência de instrução, nulidade que desde já se argui;

E) Na decisão recorrida foi entendido que [...]se tornou inútil a instrução;

F) As decisões e os actos praticados posteriormente ao momento em que o tribunal conheceu o requerimento de abertura da instrução [...] são nulos e de nenhum efeito,

G) [...]

H) [...]

I) O mesmo é dizer que inexistiu a instrução legalmente exigida, pelo que o processo está ferido de nulidade insanável que desde já argui, ou, em alternativa,

J) O mesmo está ferido de nulidade sanável, com base na insuficiência de instrução e de omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade, agora oportunamente arguida em face do que antecede.

K) A matéria de facto constante dos autos foi erradamente apreciada na decisão recorrida, [...] pois deveria ter conduzido a um despacho de pronúncia, em virtude de constituírem indícios mais do que suficientes da prática dos crimes denunciados e imputados;

[...]

E terminou pedindo a revogação da decisão recorrida, substituindo-a «por outra que» pronunciasse «os arguidos pelos factos denunciados», ou, para o caso de assim se não entender, que fosse «determinado ao Tribunal a quo que notifique o Assistente para apresentar novo requerimento de abertura da instrução» e que o mesmo tribunal procedesse à «instrução de acordo com as legais determinações».

2. Na sua resposta, o Ministério Público manifestou-se no sentido da manutenção do despacho recorrido.

Também os recorridos B e C apresentaram resposta àquela motivação, entendendo de manter a decisão recorrida.

Por sua vez, o recorrido D, propugnando também pela improcedência do recurso, concluiu ainda que o despacho que «indeferiu as diligências pedidas», e do qual o recorrente não reclamou, transitou em julgado.

3. O Procurador-Geral Adjunto, no Tribunal da Relação de Lisboa, suscitou, no seu parecer, questão prévia relativa à rejeição do recurso, que fundamentou, relativamente à segunda parte do pedido do recorrente, nos termos seguintes :

[...] nos termos do disposto no art. 287º, nºs 1 e 2 do CPP, a abertura de Instrução, através da apresentação do competente requerimento de abertura, tem de ser feita no prazo de 20 dias após a notificação do despacho de arquivamento, no caso «sub judice», o qual, há muito tempo, decorreu.

Tanto basta para se concluir que tal pedido não pode proceder, até porque é ilegal.

E, no tocante à primeira parte do mesmo pedido, concluindo pela manifesta improcedência do recurso, considerou ainda:

[...] para a pronúncia dos arguidos, nos termos do disposto no art. 308º, nºs 1 e 2 do CPP, é necessário que haja indícios suficientes de se verificarem os pressupostos de que depende a aplicação de uma pena, desde que, de tais indícios, resulte uma possibilidade razoável de tal pena vir a ser aplicada aos arguidos.

[...]

Ora, da simples leitura de tais «Conclusões» resulta inequívoco que em nenhuma delas se faz referência à existência de indícios mínimos que permita a pronúncia dos três arguidos.

4. Por acórdão de 31 de Janeiro de 2001, a Relação rejeitou o recurso, por manifesta improcedência do mesmo.

No tocante ao pretendido aperfeiçoamento do requerimento de abertura da instrução entendeu o acórdão que tal pretensão era ilegal, por violação do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 287º do CPP. Como se pode ler neste aresto:

Na verdade, a pretensão do recorrente não tem qualquer fundamento legal, por isso não invoca, neste aspecto, nenhuma norma legal, mormente do CPP/98, como tendo sido violada pelo Mº JIC e em que pudesse sustentar-se tal iniciativa (de convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução).

Por outro lado, o titular da acção penal é o Ministério Público (artºs 219º, nº 1 da CRP, 241º e ss. do CPP e 3º, nº 1 da LOMP), pertencendo ao assistente a posição de mero colaborador daquele – cfr. artº 69º, nº 1 do CPP/98 – muito embora possa deduzir a acusação (e «independente da do Ministério Público») – cfr. alª b) do nº 2 desse artº 69º do CPP.

[...]

[...] convém acentuar que no CPP/98 (red. da Lei 59/98, de 25/08, tal como na sua versão originária, CPP/87) a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento – artº 286º, nº 1 do CPP; sendo que a instrução é facultativa – nº 2 desse artº 286º.

[...]

E, após citar o artigo 287º do CPP, prosseguiu pela forma seguinte:

Este preceito impediu o JIC de rejeitar o seu requerimento de abertura de instrução, ainda que não contivesse (como parece evidente – basta lê-lo – que não contém), em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à não acusação (do Mº Pº);

[...]

Segundo a lei [...], não só a acusação, do Mº Pº ou particular, mas também o requerimento de abertura da instrução pelo assistente, delimitam os poderes de cognição do juiz.

Assim fixado o thema decidendum, o objecto da instrução, o juiz pode e deve (poder-dever) investigar o caso se considerar procedentes as razões de facto e de direito indicadas pelo assistente.

Só que, ao invés, o requerimento de abertura de instrução do assistente, nestes autos, não contém os exigidos pressupostos de uma acusação (as supra referidas razões de facto e de direito...), mormente, não individualiza os factos nem a culpa de cada um dos arguidos (o que, a permitir-se, impediria o exercício efectivo do direito de defesa), pelo que é manifestamente improcedente, por não possuir a virtualidade de conduzir à pronúncia dos arguidos (cfr. art.º 308º, nº 1 do CPP/ 98).

Prosseguindo, o acórdão fundamentou a impossibilidade quer de rejeição, quer de aperfeiçoamento do requerimento em duas vertentes:

1ª) Não se está perante nenhuma das hipóteses de rejeição do requerimento de abertura de instrução, elencadas no nº 3 do artº 287ª: a extemporaneidade do requerimento, a incompetência do juiz ou a inadmissibilidade legal da instrução;

2ª) Por outro lado, [...], o princípio da acusação no processo penal impede o juiz de uma tal iniciativa, de ordenar ou permitir ao acusador (no caso, assistente) o aperfeiçoamento do seu requerimento de abertura de instrução, ou seja, como vimos, de reformular ou de apresentar nova acusação (naquele contida) – cf. citado artº 32º, nº 5 da CRP.

Em suma, se o juiz de instrução o fizer ou permitir tal reformulação da acusação, está a ajudar o assistente em detrimento do(s) arguido(s), o que não só é incompatível com a sua função jurisdicional (cfr. artºs 202º e segs. da Lei Fundamental), verificando-se, nesse caso, uma desnecessária e desproporcionada diminuição das garantias de defesa que o processo penal deve assegurar – com o que se violam as normas contidas nos artºs 18º e 32º, nºs 1 e 5 da CRP.

Por fim, no tocante à arguida nulidade, entendeu este aresto que ela não se verificaria. Desde logo, porquanto a mesma não foi atempadamente arguida, ou seja, não o foi «até ao encerramento do debate instrutório», pelo que sempre estaria sanada; mas ainda porque se verificaram efectivos «actos de instrução» no processo, nomeadamente os interrogatórios dos arguidos, ao invés da alegada falta ou ausência de instrução que consubstanciaria a pretendida nulidade.

Entendeu-se ainda, relativamente às restantes conclusões do recorrente, que as mesmas se mostravam manifestamente improcedentes.

5. O recorrente veio pedir a aclaração deste acórdão, ao abrigo do disposto «no artigo 669º, nº 1, alínea a), do CPC, ex vi do artigo 4º do CPP», reiterando, por um lado, os fundamentos já colocados na motivação de recurso, e, por outro, enumerando e apontando «chocantes falsidades, ilegalidades, nulidades e ainda [de] manifestas obscuridades, contradições e ininteligibilidades» constantes do acórdão que pretendia...

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