Acórdão nº 23/03 de Tribunal Constitucional (Port, 15 de Janeiro de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução15 de Janeiro de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nª 23/03

Processo n.º 115/02

  1. Secção

Relator - Cons. Paulo Mota Pinto

Acordam em conferência no Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    Em 3 de Abril de 2002 foi proferida nos presentes autos decisão sumária de não conhecimento, e condenação em custas, no recurso de constitucionalidade interposto, ao abrigo do artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, por A e mulher, B, para apreciação da constitucionalidade "da interpretação dada ao art.º 2º n.º 1, b) e art.º 5º n.º 2 da Lei 55/79 de 15/9 conjugados com o disposto no art.º 107º, n.º 1, b) do RAU". Essa decisão sumária sustentou-se nos seguintes fundamentos:

    (...) o recurso vem intentado ao abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, sendo necessário, para se poder conhecer de tal recurso, a mais do esgotamento dos recursos ordinários e de que a norma impugnada tenha sido aplicada como ratio decidendi pelo tribunal recorrido, que a inconstitucionalidade desta norma, ou dimensão normativa, tenha sido suscitada durante o processo.

    Ora, é já hoje desnecessário recordar que no direito constitucional português vigente, apenas as normas são objecto de fiscalização de constitucionalidade concentrada em via de recurso (cfr., por exemplo, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 18/96, publicado no Diário da República [DR], II Série, de 15 de Maio de 1996, e J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, 1998, p. 821), com exclusão dos actos de outra natureza (políticos, administrativos, ou judiciais em si mesmos). Assim, a questão de constitucionalidade suscitada "de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer" (como exige o artigo 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional), e trazida à apreciação do Tribunal Constitucional no requerimento de recurso há-de ser uma questão de constitucionalidade normativa, isto é, referida à conformidade constitucional de norma(s). Como se disse no Acórdão n.º 199/88 (DR, II Série, de 28 de Março de 1989): "(...) este Tribunal tem decidido de forma reiterada e uniforme que só lhe cumpre proceder ao controle da constitucionalidade de ‘normas’ e não de ‘decisões’ – o que exige que, ao suscitar-se uma questão de inconstitucionalidade, se deixe claro qual o preceito legal cuja legitimidade constitucional se questiona, ou, no caso de se questionar certa interpretação de uma dada norma, qual o sentido ou a dimensão normativa do preceito que se tem por violador da lei fundamental." (ver também, por exemplo, os Acórdãos n.ºs 178/95 – publicado no DR, II Série, de 21 de Junho de 1995 –, 521/95 e 1026/96, inéditos)."

    Neste mesmo sentido, escreveu-se no Acórdão n.º 269/94 (DR, II série, de 18 de Junho de 1994): "(...) Suscitar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica é fazê-lo de modo tal que o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama, obviamente, que – como já se disse – tal se faça de modo claro e perceptível, identificando a norma (ou um segmento dela ou uma dada interpretação da mesma) que (no entender de quem suscita essa questão) viola a Constituição; e reclama, bem assim, que se aponte o porquê dessa incompatibilidade com a lei fundamental, indicando, ao menos, a norma ou princípio constitucional infringido (...) pois não é exigível que os tribunais decidam questões (designadamente questões de constitucionalidade) sem que as partes lhes indiquem as razões por que entendem que elas devem ser decididas num determinado sentido, e não noutro."

    Se o recorrente entende que um preceito não é inconstitucional "em si mesmo", mas apenas num segmento ou numa sua determinada dimensão ou interpretação normativa, a exigência de suscitação da questão de constitucionalidade de forma clara e perceptível implica, pois, o ónus de, ao suscitar a inconstitucionalidade, identificar devidamente tal questão, através da indicação do segmento ou da enunciação da dimensão ou sentido normativo reputados inconstitucionais – o que é evidentemente diverso de remeter apenas para a interpretação dada a determinadas normas, sem qualquer precisão adicional. Como se escreveu no Acórdão n.º 367/94 (DR, II Série, de 7 de Setembro de 1994): "Ao suscitar-se a questão de inconstitucionalidade, pode questionar-se todo um preceito legal, apenas parte dele ou tão-só uma interpretação que do mesmo se faça. (...) [E]sse sentido (essa dimensão normativa) do preceito há-de ser enunciado de forma que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado por, desse modo, violar a Constituição."

    E, no Acórdão n.º 178/95 (DR, II Série, de 21 de Junho de 1995), além de se remeter para os fundamentos dos referidos Acórdãos n.ºs 269/94 e 367/94, conclui-se: "(...) impunha-se que os reclamantes tivessem indicado – o que não fizeram – o segmento de cada norma, a dimensão normativa de cada preceito – o sentido ou interpretação, em suma – que eles têm por violador da Constituição.

    De facto, tendo a questão da constitucionalidade de ser suscitada de forma clara e perceptível (cf., entre outros, o Acórdão n.º 269/94, in Diário da República, 2ª Série, de 18 de Junho de 1994), impõe-se que, quando se questiona apenas uma certa interpretação de determinada norma legal, se indique esse sentido (essa interpretação) em...

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