Acórdão nº 0499/20.9BEBRG de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20-12-2023

Data de Julgamento20 Dezembro 2023
Ano2023
Número Acordão0499/20.9BEBRG
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (2 SECÇÃO)
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. AA, titular do número de identificação fiscal ...63, residente na Rua ..., ..., em ..., interpôs recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) relativo ao ano de 2017 a que foi atribuído o n.º ...81, no valor de EUR 9.034,17.

Com a interposição do recurso, foram apresentadas alegações e formuladas as seguintes conclusões: «(…)

I. Foi a impugnação ao acto de liquidação de imposto por mais-valias apresentada pela Requerente julgada totalmente improcedente, mantendo-se na ordem jurídica a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares impugnada, condenando a Impugnante/Requerente nas custas do processo;

II. A questão controvertida e alegada pela Recorrente no articulado da P.I., sob os artigos 22.º ao 30.º, não obteve pronúncia do Tribunal a quo.

III. As questões a decidir no presente processo resultam, também, se são consideradas dívidas da massa insolvente as que emergem dos actos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente, conforme decorre da alínea c) do n.º 1 do artigo 51.º do CIRE, do qual emerge o acto de liquidação do imposto de mais-valias.

IV. Tem vindo a ser decidido pelos tribunais judiciais, que as mais-valias geradas pelos actos de administração e liquidação dos bens apreendidos a favor da massa insolvente são da responsabilidade desse património autónomo.

V. A decisão que se recorre viola o princípio da igualdade tributária consagrado na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente nos artigos 13.º, 103.º e 104.º.

VI. Com a declaração da insolvência da Recorrente, o bem vendido do qual advém a mais-valia, passou a integrar a massa insolvente (património autónomo distinto do património da insolvente).

VII. Os poderes de administração e disposição sobre o bem em causa foram transferidos, por força da lei, para o Administrador de Insolvência, passando a ser titular registral dos bens pertencentes a esse património autónomo.

VIII. Assim, a mais-valia tem origem na venda do bem pelo Administrador de Insolvência, com o intuito de satisfazer os créditos dos credores da insolvente, ou seja, no exercício dos seus poderes de administração e disposição sobre a massa insolvente, talqualmente, como vem referido no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 02-15-2022, em referência ao Acórdão da Relação do Porto, de 10-02-2020.

IX. Uma coisa, são as dívidas da insolvência (correspondentes aos créditos sobre o insolvente), que são, basicamente, as existentes à data da declaração da insolvência e que a lei designa como “créditos sobre a insolvência” e os respectivos titulares como “credores da insolvência”;

X. Outra coisa são as dívidas ou encargos da massa insolvente” (que têm como correlativos os “créditos sobre a massa insolvente”), que, grosso modo, são o(a)s constituído(a)s no decurso do processo (e vêm enunciado(a)s no n.º 1 do artigo 51.º do CIRE), talqualmente o imposto gerado pela venda do bem.

XI. Não pode considerar-se a aqui recorrente um contribuinte directo, mas sim a massa insolvente, representada pelo AI, que se assume como substituto tributário (sujeito passivo que, por imposição da lei, está obrigado a cumprir prestações materiais e formais da obrigação tributária em lugar do contribuinte).

XII. A solução legal de colocar a cargo da massa insolvente o pagamento desse tributo (maisvalias) está, aliás, em consonância com o facto de o insolvente não dispor de capacidade contributiva,

XIII. Pois, revertem automaticamente, para a massa insolvente, não só os bens que constituem o património do insolvente à data da declaração de insolvência, mas também os bens e direitos que o insolvente for adquirindo na pendência do processo de insolvência.

XIV. O Acórdão da Relação do Porto de 02-07-2015 que diz o seguinte:

“praticando o administrador actos de liquidação da massa insolvente, na forma de venda de bens integrantes desta massa, por um valor superior ao valor pelo qual ele foi adquirido, tal corresponde a um acréscimo do património do devedor, pessoa singular ou colectiva, e o imposto que esse acréscimo vai originar é um imposto do devedor mas pelo qual responde apenas o património separado naquela massa insolvente (…) Quando, no decurso da liquidação dos bens que integram a massa insolvente de uma pessoa singular, o administrador da insolvência procede à alienação de bens por valor superior àquele pelo qual tinham sido adquiridos pelo insolvente, o imposto devido pela mais-valia gerada por essa alienação (art. 10.º/1 a) do CIRS) é uma dívida da massa insolvente (art. 51.º/1c) do CIRE)”.

XV. O próprio Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão de 10-05-2017, também já decidiu nesse sentido:

“o art. 268º, nº1 do CIRE, prevê a isenção das mais-valias resultantes da dação em cumprimento ou cessão de bens do insolvente aos credores no âmbito do processo de insolvência, mas não prevê idêntica isenção no caso da venda.

Uma vez que a dívida fiscal resultou de ato de liquidação da massa insolvente, deverá ser considerada dívida da massa insolvente (art. 51.º, n.º1, c) do CIRE), acrescida dos respectivos juros, sem prejuízo da quantia que vier a ser paga ser devolvida à massa em caso de procedência da acção tributária”.

XVI. O pagamento do imposto devido constitui, assim, um encargo da massa insolvente à luz do disposto no artigo 51.º, n.º 1, alínea c) do CIRE, por consubstanciar uma dívida resultante de um ato de liquidação, pelo administrador da insolvência, de um bem que integra a massa insolvente.

XVII. A mesma questão sobre a tributação de mais-valias em sede de IRS levantada num Tribunal Administrativo e Fiscal, e outro nos Tribunais Judiciais, terão muito provavelmente uma decisão completamente oposta, sendo que geralmente os primeiros (apesar da jurisprudência não estar uniformizada nesse sentido) se inclinam para a responsabilidade do património individual do insolvente, e os segundos para a responsabilidade da massa insolvente.

XVIII.Tais factos levam a uma violação da própria Constituição da República Portuguesa, neste caso a violação do Direito à Igualdade previsto nos artigos 13.º, 103.º e 104.º.

XIX. A decisão apresentada pelo Tribunal a quo entra em conflito com o regime da exoneração do passivo restante:

“Tendo sido, liminarmente, admitido o pedido de exoneração do passivo restante, o insolvente dispunha, apenas, do razoavelmente necessário para o seu sustento minimamente digno e por isso exigir-lhe que suportasse financeiramente o imposto resultante da mais-valia realizada com a...

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