Acórdão nº 704/04 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Dezembro de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Maria João Antunes
Data da Resolução17 de Dezembro de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 704/2004 Processo n.º 1025/04

Plenário

Relatora: Conselheira Maria João Antunes

Acordam, em sessão plenária, no Tribunal Constitucional

I.

  1. Em 25 de Novembro de 2004, o Presidente da República requereu ao Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 115º, nº 8, da Constituição e dos artigos 26º e 29º, nº 1, da Lei nº 15-A/98, de 3 de Abril, "a fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade da proposta de referendo aprovada pela Resolução nº 74-A/2004 da Assembleia da República, publicada em Suplemento à 1ª Série do Diário da República, de 19 de Novembro de 2004, distribuído a 25 de Novembro".

    Admitido o pedido, nos termos do artigo 29º, nº 3, da Lei Orgânica do Regime do Referendo, os autos foram de imediato distribuídos. Apresentado o Memorando, previsto no artigo 30º, nº 2, desta Lei, foi fixada a orientação do Tribunal.

  2. A resolução em causa é do seguinte teor:

    "Resolução da Assembleia da República nº 74-A/2004 Proposta de realização de referendo sobre a Constituição para a Europa

    A Assembleia da República resolve, nos termos e para os efeitos do artigo 115º e da alínea j) do artigo 161º da Constituição, apresentar ao Presidente da República a proposta de realização de um referendo em que os cidadãos eleitores recenseados no território nacional e os cidadãos eleitores portugueses recenseados nos Estados membros da União Europeia sejam chamados a pronunciar-se sobre a pergunta seguinte:

    'Concorda com a Carta de Direitos Fundamentais, a regra das votações por maioria qualificada e o novo quadro institucional da União Europeia, nos termos constantes da Constituição para a Europa?'

    Aprovada em 18 de Novembro de 2004.

    O Presidente da Assembleia da República, João Bosco Mota Amaral."

  3. Na origem desta Resolução da Assembleia da República estiveram os Projectos de Resolução nºs 290/IX (BE), 291/IX (PCP) e 292/IX (PSD, PS e CDS-PP), de 18 de Novembro de 2004 (Diário da Assembleia da República, II Série-A, de 20 de Novembro de 2004).

    3.1. No Projecto de Resolução nº 290/IX – Referendo sobre as alterações introduzidas pelo Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa – foi proposta a pergunta "Concorda com a alteração das instituições e das competências da União Europeia, nos termos do tratado que estabelece uma Constituição para a Europa?".

    3.2. No Projecto de Resolução nº 291/IX – Proposta de Referendo do novo tratado da União Europeia – foi formulada a pergunta "Concorda com a vinculação de Portugal ao novo Tratado que institui uma Constituição da União Europeia?".

    3.3. No Projecto de Resolução nº 292/IX – Referendo sobre a Constituição para a Europa – foi proposta a pergunta "Concorda com a Carta de Direitos Fundamentais, a regra das votações por maioria qualificada e o novo quadro institucional da União Europeia, nos termos constantes da Constituição para a Europa?", à qual deveriam responder "todos os cidadãos eleitores regularmente recenseados, residentes no território nacional ou no estrangeiro".

    Deste Projecto, que deu origem ao quesito referendário em análise, consta a seguinte fundamentação: "Com a aprovação pelo Conselho Europeu do texto que institui uma Constituição para a Europa está hoje clara a relevância que a mesma assume no plano de ampliação e reforço dos direitos dos cidadãos, bem como no das novas regras que traz à arquitectura e ao próprio funcionamento da União Europeia. Sempre defendemos que se o conteúdo dessas alterações assumisse relevância suficiente proporíamos a realização de um referendo de âmbito nacional, com o objectivo de proporcionar ao povo português a oportunidade de directamente se pronunciar sobre a construção europeia e os rumos que nela queremos trilhar. É crucial, no entanto, que esse pronunciamento do povo português se faça de uma forma não parcial nem sectária, abrindo espaço ao debate transparente e profundo que se deve exigir nesta nova fase da União".

    3.4. Debatidos e submetidos a votação, o Projecto de Resolução nº 290/IX foi rejeitado, com votos contra do PSD, do PS e do CDS-PP e votos a favor do PCP, do BE e de Os Verdes; o Projecto de Resolução nº 291/IX foi rejeitado, com votos contra do PSD, do PS e do CDS-PP e votos a favor do PCP, do BE e de Os Verdes; o Projecto de Resolução nº 292/IX foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS e do CDS-PP e votos contra do PCP, do BE e de Os Verdes (Diário da Assembleia da República, I Série, de 19 de Novembro de 2004).

    II.

  4. Compete ao Tribunal Constitucional, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 115º, nº 8, e 223º, nº 2, alínea f), da Constituição da República Portuguesa (CRP), 26º da Lei nº 15-A/98, de 3 de Abril – Lei Orgânica do Regime do Referendo (LORR) e 11º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), proceder obrigatoriamente à prévia verificação da constitucionalidade e da legalidade das propostas de referendo, incluindo a apreciação dos requisitos relativos ao respectivo universo eleitoral.

  5. A proposta referendária em análise cumpre as exigências constitucionais e legais constantes dos artigos 115º, nºs 1, 2, 7, 8 e 10, da CRP e 8º, 15º e 26º da LORR: provém da Assembleia da República, tendo sido aprovada pela Resolução nº 74-A/2004, de 19 de Novembro; foi submetida ao Tribunal Constitucional pelo Presidente da República, no dia 25 de Novembro de 2004; não se trata de proposta anteriormente recusada pelo Presidente da República ou que tenha sido já objecto de resposta negativa do eleitorado; e em causa está uma proposta aprovada no dia 18 de Novembro de 2004, não havendo então qualquer acto de convocação de eleições gerais para os órgãos de soberania, de governo próprio das regiões autónomas e do poder local, bem como de deputados ao Parlamento Europeu. Desde então e até à presente data, não foi publicado no Diário da República qualquer decreto do Presidente da República a marcar dia de eleições gerais (cf. artigos 113º, nº 6, 119º, nºs 1, alínea d), e 2, e 133º, alíneas b) e e), da CRP).

    6. A presente proposta cumpre as exigências constitucionais e legais relativas ao objecto do referendo:

    6.1. Segundo o disposto no artigo 115º, nº 3, da CRP e 2º da LORR, o referendo só pode ter por objecto questões de relevante interesse nacional que devam ser decididas pela Assembleia da República ou pelo Governo através da aprovação de convenção internacional ou de acto legislativo. Versando esta consulta referendária sobre a "Constituição para a Europa" (cf. epígrafe da Resolução da Assembleia da República), inscrevendo-se no processo de construção da União Europeia, não há qualquer dúvida que se trata de uma questão de relevante interesse nacional. Uma questão de relevante interesse nacional que deve ser decidida pela Assembleia da República através da aprovação de convenção internacional, uma vez que se inclui na "Competência política e legislativa" deste órgão de soberania, tal como está definida no artigo 161º da CRP: compete à Assembleia da República aprovar os tratados de participação de Portugal em organizações internacionais, segundo o disposto na alínea i).

    6.2. Os artigos 115º, nº 4, da CRP e 3º, nº 1, da LORR excluem do âmbito do referendo as alterações à Constituição, as questões e os actos de conteúdo orçamental, tributário ou financeiro, as matérias previstas no artigo 161º da Constituição e as matérias previstas no artigo 164º da Constituição, com excepção do disposto na alínea i). Não prejudicando o disposto nestes números a submissão a referendo das questões de relevante interesse nacional que devam ser objecto de convenção internacional, nos termos da alínea i) do artigo 161º da Constituição, excepto quando relativas à paz e à rectificação de fronteiras (artigos 115º, nº 5, da CRP e 3º, nº 2, da LORR).

    Estes limites materiais do referendo devem considerar-se respeitados: a proposta referendária não visa alterar a Constituição, na interpretação que o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 288/98 (Diário da República, I Série-A, de 18 de Abril de 1998) faz da alínea a) do nº 4 do artigo 115º da CRP; a presente proposta não reveste conteúdo orçamental, tributário ou financeiro nem tão-pouco se enquadra na reserva absoluta de competência legislativa parlamentar; resulta das disposições conjugadas dos nºs 4, alínea c), e 5...

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