Acórdão nº 699/04 de Tribunal Constitucional (Port, 15 de Dezembro de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Maria dos Prazeres Beleza
Data da Resolução15 de Dezembro de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 699/04 Processo n.º 846/2004 3.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

Acordam, na 3.ª Secção

do Tribunal Constitucional:

  1. Por acórdão do Tribunal Judicial de Oeiras de 14 de Fevereiro de 2003, de fls. 7045, apenas para o que agora interessa e quanto aos arguidos agora recorrentes, A. e B. foram condenados, respectivamente, na pena única de 21 anos (pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º do Código Penal, de um crime de associação criminosa, p. e p. no artigo 299º, n.º s 1 e 3 do Código Penal, de onze crimes de extorsão na forma tentada, p. e p. nos artigos 223º, 22º, 23º e 73º do Código Penal e pela prática de um crime de auxílio à emigração p. e p. nos artigos 134º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, e 30º, n.º 1, do Código Penal) e de 5 anos de prisão (pela prática de um crime de associação criminosa, p. e p. no artigo 299º do Código Penal e de um crime de auxílio à emigração, p. e p. nos artigos 134º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, e 30º, n.º 1, do Código Penal).

    Inconformados, recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa; também recorreu o Ministério Público, sustentando que deveria ter sido aplicada aos arguidos a pena acessória de expulsão do território nacional, nos termos do disposto no artigo 101º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 4/2001, de 10 de Janeiro.

  2. Também apenas para o que agora releva, o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 2 de Março de 2003, de fls. 8196, negou provimento aos recursos interpostos pelos agora recorrentes e concedeu provimento ao que o Ministério Público interpusera, condenando os mesmos recorrentes na pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 10 anos.

    Julgando o recurso interposto por B., o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa decidiu, no que interessa para o presente recurso:

    “(...) o arguido B. considera nulas as escutas telefónicas por falta dos formalismos impostos por lei. Contudo, basta uma breve leitura, sobre essa questão, constante da fundamentação do acórdão recorrido de fls. 7162 a 7169 para se inferir que carece de total razão o arguido-recorrente. E, por essa fundamentação ser totalmente esclarecedora, com a qual concordamos, não a vamos aqui repetir. Com efeito, como consta dos autos, as escutas telefónicas obedeceram ao formalismo previsto no art. 188º do Cód. de Proc. Penal. É que, houve verdadeiro acompanhamento e controlo das escutas telefónicas por parte do juiz que as ordenou e o tempo decorrido entre a realização das intercepções e a junção do apenso contendo as traduções resultou da complexidade e necessidade de intérpretes tendo-se em conta as línguas estrangeiras usadas. Tais escutas telefónicas são, pois, válidas por terem obedecido ao rigor formal constante da lei processual e as mesmas foram valoradas de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127 do Cód. de Proc. Penal.”

    No acórdão da primeira instância, e na parte aqui referida, decidiu-se o seguinte:

    O Tribunal teve em conta na formação da sua convicção as inúmeras intercepções telefónicas comprometedoras para os arguidos e sabendo que a sua validade foi questionada em sede de audiência de discussão e julgamento não pode deixar de lembrar que como já ficou consignado nas actas da audiência de discussão e julgamento, não compete a este tribunal Colectivo sindicar o Despacho dado por quem tinha competência para o fazer, do respectivo Juiz de Instrução Criminal e que só pode, como foi, ser reapreciado em sede de Recurso.

    Lembramos, pois, o teor desse Despacho que foi o seguinte:

    "No respectivo requerimento de abertura de instrução, bem como já no decurso do debate instrutório, vieram os arguidos C. e B. invocar a nulidade das escutas telefónicas, invocando, em síntese, a violação do disposto no art. 188.º do CPP, por falta de controlo jurisdicional, uma vez que a audição, selecção e transcrição das intercepções foi feita pelo OPC e não pelo juiz, não tendo havido definição de critério na selecção das provas. Foi também o OPC, afirmam, que promoveu a destruição e a não transcrição das intercepções. O conteúdo das intercepções não era levado imediatamente ao conhecimento do juiz, que se limitou a ordenar a junção dos apensos aos autos.

    (...)

    Cumpre agora apreciar e decidir novamente a questão, suscitada pelos referidos arguidos, entendendo-se que as nulidades invocadas foram tempestivamente arguidas, conforme decorre do disposto no art. 120°, nºs 1 e 3, al. c) do CPP.

    A matéria aqui invocada quanto às intercepções e gravações telefónicas tem sido objecto, nos últimos tempos, de ampla discussão a nível dos Tribunais superiores e neles se têm atingido decisões que, como não poderia deixar de ser, apontam para a necessidade de um acompanhamento rigoroso da formalidade destas operações, por forma a evitar uma diminuição indevida dos direitos fundamentais dos cidadãos, previstos, antes de mais, na Lei fundamental.

    O direito à comunicação privada sem intromissões não consentidas constitui uma extensão da pessoa humana, sendo, pois, em regra, inviolável.

    Porém, as necessidades de perseguição penal e de obtenção de provas de que dependem a administração da justiça penal, justificam a compressão do direito individual à comunicação reservada, tendo em conta a devida proporcionalidade.

    A toda a limitação de direitos devem estar presentes os princípios da necessidade, adequação e da proporcionalidade entre a gravidade do facto humano penalmente ilícito e doloso e a intensidade ou gravidade da ingerência.

    Nos presentes autos, tendo em conta a natureza, gravidade e a forma de execução dos ilícitos em causa, não restam dúvidas da proporcionalidade e adequação das escutas ordenadas. Nem esta questão foi em concreto suscitada.

    Questão levantada por ambos os requerentes é a nulidade das escutas por falta dos formalismos impostos na lei.

    A este propósito convém realçar que a lei distingue entre nulidades sanáveis e nulidades insanáveis.

    Os formalismos a que devem obedecer as operações de intercepção e gravação telefónica estabelecidos no art. 188° do CPP são estabelecidos legalmente sob pena de nulidade relativa ( art. 189° do CPP), não estando em causa qualquer das situações que constituem métodos proibidos de prova, previstos no art. 126° do CPP.

    Conforme assumem Simas Santos e Leal-Henriques em comentário ao art. 189° do CPP, parece-nos que só a falta de ordem ou de autorização do juiz para as escutas pode provocar uma nulidade insanável. Aliás, é a própria CRP que considera nulas as provas obtidas com abusiva intromissão nas comunicações, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal (art. 34°, n.º 4), isto é, quando exista uma ordem ou autorização do juiz.

    Nos presentes autos, todas as escutas realizadas foram previamente autorizadas, por período devidamente determinado, por despachos judiciais devidamente fundamentados (...). Nalguns destes despachos foram ordenadas, também prorrogações das escutas anteriormente autorizadas, despachos estes igualmente fundamentados, de onde se infere a exigida apreciação judicial sobre o material probatório das intercepções, independentemente da posterior junção dos suportes magnéticos e respectivas transcrições.

    Foram lavrados autos de início de intercepção (...).Por despachos de fls. 1426, 3027, 3404, 3653 e 3770 foi ordenada a junção aos autos dos apensos relativos às intercepções e gravações ordenadas.

    Apesar de o timing poder não ser exemplar, uma vez que, em alguns casos ocorreram vários meses entre a realização das intercepções e a junção do respectivo apenso contendo as traduções, não nos parece verificar-se aqui, qualquer nulidade.

    Poder-se-ia, aqui e a este propósito, discutir a conhecida questão do sentido a dar à expressão imediatamente constante do já citado art. 188° do CPP. Não há critérios estabelecidos, por não se encontrar estipulado qualquer prazo.

    Relevante é, no entanto, o verdadeiro acompanhamento e controlo das escutas por parte do juiz que as ordenou, tendo em conta as condições humanas e funcionais e a morosidade das operações em causa, determinadas quer pela complexidade, quer pela ausência de meios e, ainda, neste caso em concreto, pelo facto de estarmos perante línguas estrangeiras, com absoluta necessidade de recurso a intérpretes, uma vez que as mesmas não são minimamente familiares quer aos OPC, quer aos magistrados em contacto com o processo.

    O facto de os elementos do OPC, que conduzem a investigação, terem conhecimento prévio, por contacto com os respectivos intérpretes, do teor genérico das escutas e sugerirem a importância de determinados elementos, tal como é previsto na lei, não implica omissão de apreciação ou de controlo do JIC.

    Refira-se, a este propósito que, ao contrário do que é referido pelos arguidos, quando dizem que não foi o JIC quem procedeu à audição, selecção e transcrição das intercepções, mas sim o OPC, que igualmente procedeu à destruição e...

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