Acórdão nº 685/04 de Tribunal Constitucional (Port, 30 de Novembro de 2004

Data30 Novembro 2004
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 685/2004

Processo n.º 817/2002

  1. Secção

Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma

(Conselheiro Benjamim Rodrigues)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I

Relatório

  1. A. instaurou, na sequência do corte do fornecimento de água a um prédio em Lisboa, contra EPAL – Empresa Pública das Águas de Lisboa, acção com processo sumário, pedindo a condenação da ré a restabelecer a ligação da água, bem como a pagar uma indemnização devida pela suspensão.

    Tendo a ré, na contestação, invocado a aplicação do artigo 69º do Regulamento para o Serviço de Abastecimento de Água, publicado pela Portaria n.º 10 716, de 24 de Julho de 1944, o autor invocou a inconstitucionalidade de tal preceito, na réplica apresentada.

    A acção foi julgada improcedente, por sentença de 11 de Julho de 2001 (fls. 82 e 83).

    Requerida a reforma da sentença, foi a mesma indeferida por sentença de 9 de Outubro de 2001 (fls. 95).

    Arguida a nulidade da sentença, foi esta também indeferida por sentença de 12 de Novembro de 2001 (fls. 100).

  2. A. interpôs recursos de agravo e de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa. Nas alegações da apelação disse o recorrente, no que à questão de constitucionalidade se refere, o seguinte:

    Mas aquele privilégio criado por um simples regulamento não vai só contra o disposto no art. 334º do CC, vai também contra o estatuído no art. 13° nº 1 da Constituição, já que coloca a EPAL num plano superior a todas as demais pessoas e empresas que são obrigadas a discutir contrato por contrato, e não podem interromper um contrato pelo simples motivo de, em seu entender, haver outro que não foi cumprido. Além disso, atribuindo um privilégio desta importância em que praticamente a Companhia EPAL elimina os Tribunais aquele regulamento derroga diversos princípios constitucionais. Tal privilégio vai contra o disposto no art. 20º, nºs 1, 4 e 5 da Constituição. Vai contra o principio de que todos somos iguais perante a Lei. Ora a Lei diz "quem alega prova". Fica em pé de desigualdade o cidadão quando se inverte este princípio: "Prove lá que nada deve", por ser um facto negativo e haver uma imensidade quasi infinita de causa.

    Viola igualmente o art. 18° nºs 1 e 2 da C.R.P., já que os direitos, liberdades e garantias previstos naquele artigo vinculam as entidades públicas e privadas. Por outro lado as leis restritivas dos direitos, liberdades e garantias têm de revestir um carácter geral e abstracto e não podem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.

    a) O cidadão é colocado perante um facto consumado, o que se não pode admitir num Estado que se diz de direito.

    b) Retirando o acesso à água "mesmo quando o mesmo esteja feito em domicílio ou local diferente" como diz o regulamento, está a atentar contra a vida e saúde do cidadão, a integridade física e moral do cidadão - art. 25° da Constituição.

    O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 25 de Junho de 2002, negou provimento ao agravo, dizendo, entre o mais, o seguinte:

    Seja como for, agora o que importa é saber se deve ser atendida a pretensão do Autor no sentido de ver decidida na sentença a prescrição que diz que invocou.

    Como é consabido, o Código de Processo Civil impõe regras que têm de ser acatadas pelas partes e pelo juiz, devendo os actos processuais ser praticados em conformidade com essas mesmas regras e não ao jeito de cada um.

    A prescrição não é de conhecimento oficioso. Necessita, para ser eficaz, de ser invocada por aquele a quem aproveita, conforme o impõe o art. 303° do Código Civil.

    Alega o Agravante que invocou a prescrição. Em que articulado?

    Se é certo que, na contestação, a Ré se defende por excepção e por impugnação, não é menos certo que ao Autor apenas era permitido, na réplica, responder à matéria da excepção, conforme dispõe o art. 502°, n° 1.

    A Ré defendeu-se por excepção quando invocou a ilegitimidade nos artigos 1° a 5° da contestação.

    Estava vedado ao Autor ir além da resposta à excepção dilatória invocada pela Ré. Por isso, toda a matéria que vai para além da resposta à excepção, tem de ser julgada nula, nos termos do disposto no art. 502° e 201°, e considerada como não escrita.

    Isso mesmo foi requerido pela Ré no seu requerimento de fls. 34 e 35 sobre o qual o M.mo Juiz se não pronunciou, como devia ter feito.

    Não podia o Autor vir invocar a prescrição e a inconstitucionalidade nesse articulado.

    Aliás, se o pedido de prescrição fosse de considerar, estaríamos perante uma contradição de pedidos, pois, por um lado, o Autor alega que não reconhece o débito, mas, por outro lado, invoca a sua prescrição. Encontrando-se os pedidos formulados ao mesmo nível, isto é, não sendo o pedido de prescrição formulado como subsidiário do outro, nos termos do art. 469°, parece haver contradição entre eles.

    A sentença, apesar do seu grande laconismo, refere, quanto à prescrição, que nenhum elemento existe que permita detectá-la.

    Verifica-se, assim, que se pronunciou sobre a prescrição, embora não seja certa a afirmação da falta de elementos. Não podia, porém, conhecer da prescrição pelas razões já expendidas.

    Pelo exposto, sem necessidade de mais desenvolvidas considerações, nega-se provimento ao agravo.

    E quanto à apelação, a Relação, no mesmo aresto, considerou o seguinte:

    Começaremos por referir que o Recorrente não estabelece uma nítida fronteira entre o agravo e a apelação. Chega mesmo a repetir as questões que num e noutro recurso pretende ver decididas.

    Assim, alega o Apelante que a sentença violou o disposto no art° 10° da Lei n° 23/96, ao não considerar prescrito o débito que fundamentou o corte do fornecimento de água ao andar dos autos.

    Como já se disse no agravo, a prescrição não é de conhecimento oficioso.

    Necessita, para ser eficaz, de ser invocada por aquele a quem aproveita, conforme dispõe o art° 303° do Código Civil. E tem de ser invocada no momento processual próprio, com pleno respeito pelas regras impostas pelo Código de Processo Civil. Por isso, não podia ter sido invocada - como o foi na réplica. Nesta, o autor só pode responder à matéria da excepção deduzida na contestação, nos termos do disposto no art. 502°, n° 1.

    Toda a matéria que vai para além da resposta à excepção deduzida na contestação, tem de ser julgada nula, nos termos do disposto no art. 502° e 201°, devendo ser considerada como não escrita.

    Em suma, fica-nos vedado o conhecimento da prescrição por não ter sido validamente invocada pelo Autor.

    Seguidamente o Apelante invoca outras questões cuja decisão também não requereu na petição inicial, mas que refere agora pela primeira vez.

    Como é sabido, os recursos visam modificar as decisões recorridas e não criar decisões sobre matéria nova, não sendo lícito invocar nos mesmos questões que não tenham sido objecto das decisões recorridas nem devendo neles conhecer-se de questões que as partes não tenham suscitado perante o tribunal recorrido - V., entre outros, Ac. S.T.J. de 6/2/87, B.M.J. 364, 714.

    O Autor limitou-se a invocar um contrato de fornecimento de água que foi celebrado com a Ré e que esta, sem fundamento cortou o abastecimento de água, como meio de forçar a cobrança de 6.322$00.

    Acrescenta que o débito não diz respeito ao contrato ora em causa nem ao respectivo andar, e será impugnado em devido tempo e lugar próprio.

    Entende que a atitude da Ré deve ser classificada como abuso de direito já que pretende obrigar pela força, pela criação de um estado de necessidade, ao pagamento de uma prestação que não lhe é devida pelo Autor.

    Com o fundamento de que a atitude da Ré lhe está a causar prejuízos no valor de 150.000$00 mensais, pede que a Ré seja condenada a fazer a ligação da água conforme o contrato vigente e a indemnizar o Autor em 150.000$00 mensais enquanto se mantiver suspenso o fornecimento.

    Alega o Apelante que o suposto débito diz respeito a outro local e a outro contrato de prestação de fornecimento de água, pelo que tal corte sempre seria ilegal.

    Não é ilegal, porque o art° 65°, alínea d) da Portaria 10716, de 2/7/1944, permite a interrupção do fornecimento de água no caso de falta de pagamento das contas de consumo... e de outras que sejam devidas à Companhia pela prestação e execução de quaisquer serviços.

    Sendo assim, a EPAL não se excedeu no exercício dos seus direitos, como afirma o Apelante.

    O Apelante entende que a atitude da Ré deve ser classificada como de abuso de direito porquanto pretende obrigar pela força, pela criação de um estado de necessidade, ao pagamento de uma prestação.

    A suspensão do fornecimento de água só constituiria abuso de direito se tivesse sido feita sem qualquer advertência. Doutro modo, tem de compreender-se que a falta de pagamento será motivo justificativo da referida suspensão.

    Mesmo a Lei n° 23/96, de 26/7, tendo em vista criar os mecanismos destinados a proteger o utente dos serviços públicos essenciais, permite, em caso de mora do utente, a suspensão do serviço, embora só possa ocorrer depois do utente ter sido advertido, por escrito, com uma antecedência mínima de oito dias.

    O Apelante não alega que a suspensão teve lugar sem qualquer aviso prévio, sendo certo que a Apelada diz que procedeu a esse aviso. Por isso, não se pode dizer que a EPAL excedeu manifestamente o exercício dos seus direitos.

    Não se verifica, pois, o invocado abuso de direito previsto no art° 334° do Código Civil.

    Embora não tenhamos que nos pronunciar sobre a constitucionalidade pelas razões já expostas, sempre se dirá que a suspensão, depois desta advertência, não poderá classificar-se de inconstitucional. Não fere os direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição, o facto de se suspender o fornecimento de água no caso de falta de pagamento, desde que o utente tenha sido previamente advertido. E o Autor não provou que não foi devidamente advertido.

    Também não se trata de um privilégio exclusivo da EPAL, pois qualquer fornecedor tem o direito de interromper o fornecimento por falta de pagamento. É claro que a...

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