Acórdão nº 676/04 de Tribunal Constitucional (Port, 30 de Novembro de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Vitor Gomes
Data da Resolução30 de Novembro de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 676/04

Processo n.º 744/02

  1. Secção

Relator: Conselheiro Vítor Gomes

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

1. Por acórdão de 30 de Outubro de 2002 (fls. 213-218), o Supremo Tribunal de Justiça negou provimento a recurso de acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que, revogando sentença do Tribunal de Trabalho de Ponta Delgada, julgara improcedente a excepção de prescrição do crédito, invocada por A. (réu e agora recorrente), em acção emergente do contrato de trabalho proposta por B. (autor e agora recorrido).

O recorrente interpôs recurso do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (LTC), “suscitando a inconstitucionalidade da disposição inserta no n.º 3 do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 387-B/87, de 29 de Dezembro, por violação dos princípios constitucionais da igualdade, estabilidade e segurança jurídicas” (fls. 225).

Apresentou alegações, com as seguintes conclusões:

“I - O entendimento de que a disposição legal inserta no n° 3 do artigo 34° do Dec-Lei n° 387-B/87, de 29 de Dezembro "A acção considera-se proposta na data em que foi apresentado o pedido de nomeação de patrono", constitui norma excepcional com cabimento no segmento"... salvo disposição legal em contrário", do n° 2 do artigo 276° do CPC, alicerçado na fundamentação de que tal norma não teria qualquer efeito útil que não o da interrupção do prazo prescricional que estiver em curso, devendo por isso ser interpretada extensivamente e ser-lhe dado o mesmo sentido excepcional que tem a citação presuntiva do n° 2 do artigo 323° do CC, é inconstitucional, porquanto tal entendimento acaba por acarretar para situações idênticas regime jurídico diverso o que na certa a CRP não permite, maxime o seu artigo 13°.

II - O entendimento do STJ equipara o pedido de nomeação de patrono - que à luz do regime de acesso ao direito anterior, como agora, não é acto judicial - na interpretação extensiva que faz da disposição legal em causa, ao acto judicial previsto no n° 1 do artigo 323° do CC, quando o artigo 26º nº 6 daquele regime jurídico, afasta qualquer possibilidade de equiparação, quando justamente expressa que do pedido de apoio e de nomeação não há lugar à citação nem notificação. Ora, só o acto judicial susceptível de notificação ou citação é apto a determinar o efeito interruptivo da prescrição, directo (artigo 323° nº 1), ou efeito interruptivo ficcionado (n° 2 artigo 323°). Logo fazer interpretação extensiva do nº 3 do artigo 34°, no sentido de que se interrompe a prescrição ao quinto dia após a entrada do pedido de nomeação de patrono é ficcionar para este acto judicial desde logo a susceptibilidade, contra legem, de tal acto ser ou dever ser notificado, ou dele haver lugar à citação.

Não é pois perceptível nem justificável a presunção de que se a citação, no caso sub judice não foi feita ao quinto dia após o pedido de nomeação de patrono, tal se não deve ao requerente de apoio, pois que o acto que pratica não é susceptível de notificação ou citação. Só do acto judicial passível de notificação ou citação é possível presumir a citação feita ao quinto dia, pelo que o pedido de nomeação de patrono, nem por interpretação extensiva do citado nº 3 é possível ficcionar a citação e concluir pela interrupção do prazo de prescrição.

III - O n° 3 do artigo 34° do Dec-Lei nº 387-B/87, não fica destituído de qualquer efeito útil como se pretende da interpretação alcançada pelo STJ e mesmo que assim fosse a solução no sentido da interrupção do prazo em curso seria desigualitária conquanto se traduz num beneficio injustificável face a situações equiparadas. A despeito de a leitura de tal norma nos levar logo a pensar em prazos, nem por isso tem de tal disposição de alcançar-se o pretendido e julgado efeito interruptivo da prescrição. Desde logo por que para aqueles casos, como no direito que assiste ao trabalhador de reivindicar o pagamento de remunerações vencidas após a cessação ilícita laboral (com alcance até trinta dias antes da propositura da acção e a sentença), mal estaria o impetrante de apoio judiciário que não pudesse contar que o momento da propositura da acção seria aquele em que requereu tal apoio, pelo que a norma em causa, para esta e situações similares tem perfeito alcance e sentido útil. Por outro lado e mesmo que o sentido da disposição legal em causa contenda com prazos, como pretende o douto entendimento sufragado, porquê dela extrair-se a interrupção do prazo da prescrição e porque não a suspensão, como nos demais casos de pedido de apoio judiciário e como acontece em casos equiparados? ,

IV - Se atendermos, por equiparação, ao que acontece aos prazos de propositura da acção e mesmo da prescrição, naqueles casos em que ocorre recusa de patrocínio oficioso pelo Ministério Público (Vide artigos 9° n° 3 do CPT anterior e 8° n° 3 do vigente), verificamos que o hiato entre a comunicação de recusa e a decisão sobre esta, acarreta a suspensão dos prazos de prescrição e de propositura da acção e jamais a interrupção. Por outro lado e mesmo no seio do diploma de apoio judiciário, do que se fala e do vigente, estipula-se que os prazos que estiverem em curso no momento do pedido de apoio judiciário ( ut art.24º do Decreto-Lei n° 387-B/87) suspendem-se por efeito da apresentação de tal pedido.

V - É legítimo pois colocar a questão se se justifica o benefício alcançado do douto entendimento sufragado pe1o STJ no sentido de que o pedido da nomeação de patrono interrompe a prescrição. Este benefício não será injustificadamente acrescido se atendermos que nos demais casos, em igualdade de circunstâncias, o tratamento jurídico é diverso?

VI - A interpretação e entendimento do STJ dado à norma inserta no n° 3 do artigo 34° implica manifestamente um efeito retroactivo da citação. Contra todas as regras, aquela, à luz de tal entendimento, opera sem antes ter sido requerida e por força de acto que a própria lei entendeu não ser digno de notificação ou citação. Põe-se a questão de saber em que medida seria conforme à Constituição, disposição legal que expressa e claramente conferisse efeito retroactivo à citação. Todos estaríamos de acordo que na medida em que restringisse ou aniquilasse direitos já alcançados (como no caso ocorreu com o direito de invocar a prescrição) tal disposição seria de declarar inconstitucional. Ora, pelas mesmas razões o entendimento sufragado no Acórdão do STJ na medida em que se traduz num benefício acrescido - o da interrupção retroactiva da citação - coloca o requerente da nomeação de patrono em situação mais favorável do que aqueles beneficiários de idêntico regime cujos prazos de propositura da acção ou mesmo para a prática de acta judicial (v.g contestação) são meramente suspensos.

VII - Mesmo que o alcance e efeito útil da norma em análise contenda com prazos de propositura da acção ou de prescrição, o pedido de nomeação de patrono sob pena de tratamento jurídico desigualitário, apenas poderia suspender o prazo que se encontrasse em curso e jamais determinar a sua interrupção, sob pena de clara afronta ao consignado no artigo 13° da CRP e dos demais princípios constitucionais nela consagrados, maxime restrição do artigo 18°.

VIII - Acresce finalmente que na aplicação e interpretação da lei os tribunais devem igualmente cingir-se aos princípios constitucionais, não podendo, nem por ficção, conferir conteúdo a disposição legal que se o legislador tivesse de expressar directamente estaria constitucional ou legalmente impedido.

De todo o exposto deve o presente Recurso ser julgado procedente e por via disso declarar-se inconstitucional o rebuscado entendimento interpretativo do n° 3 do artigo 34° do Dec-Lei n° 387-B/87, de 29 de Dezembro, segundo o qual o pedido de nomeação de patrono tem por efeito a interrupção do prazo de prescrição, na medida em que se ficciona a citação presuntiva ao quinto dia após a entrada de tal pedido, o que ao cabo e ao fim coloca o beneficiário de tal norma em situação de privilégio face àqueles que igualmente carenciados de apoio judiciário, regra geral têm suspensos os prazos, adjectivos ou mesmo substantivos que estiverem em curso, e posto que, traduzindo-se tal entendimento em efeito retroactivo da citação, acarreta um privilégio acrescido no regime de apoio judiciário, que a CRP não permite, maxime nos seus artigos 13° e 18°.”

O recorrido contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:

“I- Salvo melhor entendimento, não pode o recorrente impugnar junto deste Tribunal, uma decisão judicial por ela mesma e de-per-si considerada, ofender a Constituição porquanto uma decisão judicial só pode ofender a Constituição quando aplique norma inconstitucional ou deixe de aplicar, por esse motivo, norma que o não é.

II- O recorrente, ao interpor recurso para este Tribunal e ao requerer a inconstitucionalidade do entendimento interpretativo que o Supremo Tribunal de Justiça faz do art. 34º nº 3 do DL nº 387-B/87 de 29/12, e não a inconstitucionalidade da norma inserta naquele nº 3, o que de resto nunca fez em todo o processo, viola o disposto no art. 280º nº 1 b) da C.R.P

III - O art. 34º nº 3 do DL nº 387-B/87 de 29/12, mais não visa do que a concretização do preceito constitucional ínsito no art. 20º nº 1 da C.R.P e bem assim do disposto no artº 1º, nº 1, do citado Dec.Lei possibilitando ao cidadão carenciado, uma efectiva e real igualdade no acesso ao Direito e aos Tribunais.

IV – Assim, a norma inserta no nº 3 do art. 34º do DL nº 387-B/87 de 29/12 é, por si só, constitucional sendo de igual forma constitucional a interpretação que lhe foi dada pelo Tribunal da Relação de Lisboa e bem assim a efectuada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

V Pelo exposto, não deve ser declarada a inconstitucionalidade da norma do artº 34º, nº 3, do D.L. 387-B/87, de 29/12, bem como a interpretação que dela fez o Supremo Tribunal de Justiça, porquanto a mesma não só não viola o...

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