Acórdão nº 546/04 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Julho de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Vitor Gomes
Data da Resolução19 de Julho de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 546/04

Processo n.º 633/04

3ª Secção

Relator Conselheiro Vítor Gomes

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

1. O relator proferiu a seguinte decisão sumária:

“1. Por acórdão de 30 de Abril de 2003, proferido pelo Colectivo na Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Setúbal, foram os arguidos A., B. e C., todos identificados nos autos, condenados, cada um deles, pela forma seguinte :

- O arguido A., pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido no art.º 21°, n.º1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e de um crime de aquisição de moeda falsa para colocação em circulação, previsto e punido pelo art.º 266°, alínea a), do Código Penal, nas penas de 8 anos de prisão e de 2 anos e 6 meses de prisão, respectivamente, e, em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, na pena única de 9 anos e 6 meses de prisão;

- O arguido B., pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido no art.º 21°, n.º1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 7 anos e 6 meses de prisão; e

- O arguido C., pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art.º 21°, n.º1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 5 anos de prisão e, ainda, na pena acessória de expulsão do território nacional, após o cumprimento da pena, pelo período de 6 anos, nos termos dos artigos 101º, n.° 1, 3 e 5, e 106°, do Decreto-Lei n.º 4/01, de 10 de Janeiro.

Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido A., para o Tribunal da Relação de Évora, o qual motivou, concluindo do seguinte modo [transcrição parcial das conclusões do recurso]:

“1ª As escutas telefónicas são, em princípio, proibidas - cf art.ºs 32º/8 e 34º da C.R. P.;

2ª O texto constitucional entrou em vigor em 1976, ano em que vigorava o C.P.P. 29, o qual continha quadro de invalidades processuais mais liberal do que o C.P.P. hoje em vigor;

3ª No quadro de invalidades previsto no C.P.P. 29 não havia lugar expresso para a nulidade constitucionalmente instituída em 1976;

4ª A nulidade prevista no art.º 32º/8 da C.R.P. não pode ser entendida como mera irregularidade prevista no art.º 100º do C.P.P. 29;

5ª Deve sim ser aproximada do conceito doutrinário e jurisprudencial de inexistência, de acordo com a lição de Maia Gonçalves – cf. supra;

6ª O que quer dizer que a nulidade referida é de conhecimento oficioso, invocável por qualquer interessado, a todo o tempo e com efeito retroactivo, quer de acordo com o conceito de inexistência, quer atendendo ao conceito de nulidade previsto no corpo do art.º 99º do C.P.P. 29, quer atendendo ao conceito de nulidade provindo do Direito Comum;

7ª Era impossível ao legislador constituinte de 1976 consagrar uma nulidade diversa da conhecida, muito menos apertar o conceito consagrado no funil das “nulidades” previstas no nosso actual C.P.P., como já se viu menos liberal do que o de 1929, da Ditadura Nacional emergente do golpe de Estado de 28 de Maio de 1926 e da Constituição republicana de 1933, pura e simplesmente porque o conceito de 1987 não existia em 1976;

8ª É inconstitucional interpretar a regra contida no art.º 120º/3 al. c) do C.P.P. da forma da forma como o tribunal a quo o fez, por limitar no tempo o exercício de um direito que a C.R.P. quer invocável e portanto exercitável a todo o tempo;

9ª O art.º 126º/3 do C.P.P. estabelece que é método proibido de prova o que usado nos autos, estando de acordo com a C.R P., devendo esta norma ter sido aplicada, ao invés da que consta do art.º 120º/3 al. c) aplicada;

10ª O prazo do art.º 120º/3 al. c) do C.P.P. era, em concreto, impossível de aplicar, como decorre da extensão do processo, da necessidade de o mesmo ser estudado. visto pelo arguido nas suas partes principais e de tais actos não poderem ser executados em 5 dias, após encerrado o inquérito;

11ª Não podia o arguido intervir no processo antes de decorrido o prazo de contestação a não ser para contestar;

12ª Para contestar o arguido dispõe de 20 dias e não de prazo mais curto, devendo condensar a sua defesa, não podendo ir deduzindo requerimentos avulsos e dispares fora de tempo;

13ª A regra contida no art.º 120º/3 al. c) do C.P.P. é uma “norma alçapão”, sem qualquer espécie de justificação plausível e que vai contra o princípio da concentração da defesa do arguido na contestação;

14ª Jamais as escutas telefónicas podem ser efectuadas com recurso a privados, sejam operadores ou não de telecomunicações, pois os privados obedecem a regras, contratos e códigos de conduta incompatíveis com as especiais obrigações dos funcionários públicos;

15ª Enquanto o Estado não dotar as entidades públicas competentes de meios humanos e materiais para por si serem efectuadas as escutas, estão são inconstitucionais e ilegais, por violarem os art.ºs 32º e 34º da C.R.P e 187º e ss. do C.P.P.;

16ª O tribunal a quo violou, entre outros os art.ºs 13º, 32º e 34º da C.R.P., tendo feito interpretação ilegal e inconstitucional do art.º 120º/3 al. c) do C.P.P. e tendo deixado de aplicar a norma do art.º 126º/3 do CPP, a qual deveria ter sido aplicada;

17ª As escutas do processo não obedeceram ao disposto na lei, nomeadamente no art.º 188º do C.P.P., não podendo valer para todo e qualquer efeito nos presente autos;

(...)

24ª Foi ainda violado o comando jusnatural que impõe a propriedade privada dos bens materiais, quando o tribunal decide declarar perdido a favor do Estado bem alheio;

25ª Sendo além do mais violados os art.ºs 55º da C.R.P., na medida em que consagra o direito de propriedade e ainda os art.ºs 1º, 2º e 5º do Código do Registo de Bens Móveis, aprovado pelo D.L. n.º 277/95 de 250ut, particularmente o art.º 5º do referido Código, na medida em que caberia ao Ministério Público, ao impugnar o facto comprovado pelo registo, pedir simultaneamente o seu cancelamento, o que não fez;

(...)

30ª Foi ainda violado o art.º 355º do C.P.P., pois as escutas não foram ouvidas em audiência, nem mesmo as suas transcrições, assim não podendo ser consideradas ao invés do que aconteceu.”

  1. Por acórdão de 23 de Setembro de 2003, o Tribunal da Relação de Évora decidiu “em não tomar conhecimento do recurso quanto ao objecto referente às escutas telefónicas”, por força do caso julgado - uma vez que o recorrente havia interposto recurso interlocutório para a Relação suscitando a nulidade das escutas, com o mesmo objecto, sobre o qual recaiu o acórdão da Relação de 9 de Julho de 2002, a negar-lhe provimento -, “e no mais [decidiu] negar provimento ao mesmo, confirmando, no todo, o douto acórdão recorrido”.

    Desta decisão da Relação de Évora, recorreu o arguido A. para o Supremo Tribunal de Justiça, reproduzindo na peça que apresentou, a fls. 1928 a 1942, a motivação e conclusões do recurso intercalar e do recurso interposto para a Relação do [1º] acórdão do Colectivo da 1ª Instância, de 9 de Outubro de 2001 – que veio a ser anulado pelo acórdão da Relação de 9 de Julho de 2002, que ordenou a repetição do julgamento – (cfr. fls. 950 a 957 e 1044 a 1058), que considera como fazendo parte do presente recurso, às quais aditou as seguintes conclusões:

    “1ª É inconstitucionalidade o entendimento e a interpretação dos artigos 672º e 673º do C.P.P. de acordo com o qual se teria formado caso julgado sem apreciação material das questões controvertidas antes já levantadas pelo recorrente e que podem e devem ser apreciadas por este mais Alto Tribunal, por violação, designadamente, dos artigos 20º, 26º, 27º, 33º, 202º e 205º da C.R.P.;

    2ª É Inconstitucionalidade o entendimento e a interpretação do artigo 410º/2 do C.P.P. constante do douto acórdão recorrido, por violação, designadamente, dos supra mencionados dispositivos constitucionais”

    O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 12 de Maio de 2004, decidiu negar provimento ao recurso, confirmando integralmente o acórdão recorrido.

  2. Notificado o arguido A. interpõe recurso para o Tribunal Constitucional, com fundamento na alínea b) do n.º1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, nos seguintes termos:

    “1. Interposição de recurso :

    1. O arguido não pode conformar-se com a aplicação de normativos que reputa contrários à Constituição da República;

    2. Assim, pretende que, em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade de tais normas, seja recebido recurso para o Tribunal Constitucional, designadamente, nos termos e para os efeitos do disposto nos art.ºs 69º e ss. da Lei n.º 28/82 de 15 Nov (L.T.C.), na sua actual redacção;

    3. Efectivamente, ao longo dos autos, todas as instâncias e este Supremo Tribunal, aplicaram regras e legais que o arguido reputou e continua a reputar de inconstitucionais, seja em termos absolutos, seja por via da interpretação e aplicação que delas foi feita;

    4. Ao caso concreto já não cabe recurso ordinário, nem para uniformização de jurisprudência;

    5. Pode recorrer-se de decisão que aplique norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo – al. b) do n.º 1 do art.º 70.º da L.T.C.;

    6. Nos termos e para os...

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