Acórdão nº 496/04 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Julho de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Bravo Serra
Data da Resolução12 de Julho de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 496/2004

Processo n.º 232/2004

  1. Secção

Relator: Conselheiro Bravo Serra

1. Tendo, por apenso aos embargos deduzidos aos autos de execução de sentença para prestação de facto em que figuravam, como exequentes, A. e mulher e outros e, como executada, B., vindo esta última requerer a prestação de caução por garantia bancária, a fim de ser suspensa a execução, a Juíza do 4º Juízo Cível do Tribunal de comarca de Santa Maria da Feira, por despacho de 23 de Maio de 2002, indeferiu o peticionado, o que motivou a indicada executada a, do assim decidido, agravar para o Tribunal da Relação do Porto, o qual, por acórdão de 6 de Maio de 2003, concedeu provimento ao agravo, consequentemente determinando a revogação do despacho impugnado, a fim de ser substituído por outro que admitisse a agravante a prestar caução.

Desse acórdão agravaram para o Supremo Tribunal de Justiça os exequentes A., mulher e outros.

Na alegação adrede produzida, formularam os recorrentes as seguintes «conclusões»:

“Primeira:

A prestação de caução pelo executado-embargante de que tratam estes autos existe no ordenamento jurídico processual civil como uma garantia, uma salvaguarda para o exequente, para os seus créditos ou direitos.

Segunda:

Se uma execução fosse suspensa com a entrada em Juízo de embargos de executado, sem mais, o devedor poderia - com o tempo que ficaria ao seu dispor - dissipar os seus bens e deixar o exequente com o seu crédito por satisfazer.

Terceira:

A admissão de prestação de caução neste processo subverteria o espírito da norma e a intenção com que ela foi criada porque onde ela existe para salvaguardar a posição do exequente, iria ser aplicada precisamente para deixar o exequente completamente desprotegido.

Quarta:

Os exequentes deram à execução uma sentença para verem efectivados os seus direitos - reconhecidos em sentença judicial- à saúde, bem estar, repouso, cujas agressões (por parte da executada) a caução vai prolongar e manter, pelo que, ao invés de os proteger, tal caução os prejudica e os desprotege.

Quinta:

As normas jurídicas e os valores sociais em confronto não são comparáveis pelo que a norma adjectiva de direito processual cede perante as normas de direito civil substantivo que tutelam os direitos de personalidade e perante as normas constitucionais que imperam relativas aos direitos fundamentais, ao bem-estar e qualidade de vida, ao direito à saúde e a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado.

Sexta:

O artigo 818º do Código de Processo Civil é inconstitucional ao admitir que a prestação de caução suspenda os actos de execução em que os autores procuram tornar efectivos direitos constitucionalmente protegidos como a saúde, o bem estar e ambiente.

Sétima:

Se tal não for assim entendido, a interpretação de tal norma jurídica nesses termos (efectuada pelo Tribunal da Relação) é inconstitucional porque sustenta o ponto de vista de que direitos protegidos pela nossa Constituição podem ser deixados de lado pela invocação e aplicação de uma norma processual civil.

Oitava:

Porque o continuar das agressões não pode ser caucionado por qualquer quantia do mundo já que não são bens transaccionáveis a saúde, o sossego e o bem estar do ser humano, nem nada existe que compense a sua falta.

Nona:

A douta decisão em apreço violou as normas citadas no corpo desta[s] alegações, designadamente:

CRP, art.ºs 9º b) e d), 64.º e 66º.

CC, art.[º] 70.º.

CPC, art.ºs 2º, 818.º.”

O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 27 de Janeiro de 2004, negou provimento ao agravo.

Foi a seguinte a fundamentação carreada a esse aresto:

“........................................................................................................................................................................................................................................................................................

Como se vê das conclusões, a questão suscitada no agravo traduz-se em saber se, versando a execução sobre direitos de personalidade é ou não possível prestar caução como meio de suspender a execução, pressupondo, claro está, terem sido deduzidos embargos

*

Como resulta do Art 933 nº 3 do C.P.C. quando se está perante uma execução de facto, como é o caso, o recebimento dos embargos tem os efeitos indicados nos Arts 818 e 819 do C.P.C., sendo ainda certo que, ainda que a execução se funde em sentença, a oposição pode fundar-se no cumprimento posterior da obrigação a provar por qualquer meio (nº 2).

Portanto é certo que o recebimento dos embargos não suspende a execução salvo se o embargante a requerer e prestar caução (nº 1 do Art 818), por isso que, se requerer a suspensão, oferecendo caução a execução para prestação de facto tem de suspender-se, sendo certo que a lei não faz distinção quanto ao facto a prestar, pelo que não será lícito ao intérprete fazê-la.

*

No caso concreto, como vimos, do que se trata é de ordenar a cessação da actividade da unidade fabril da executada por a sua laboração causar danos à saúde e bem estar dos exequentes, perturbar a normal utilização do prédio destes e causar danos ao ambiente.

Como se depreende da decisão exequenda, trata-se de poluição sonora e ambiental (esta provocada pela emissão de poeiras e serrim), devendo no entanto notar-se que a decisão exequenda não ordenou pura e simplesmente a paralização da actividade industrial da executada, senão enquanto não forem realizadas as obras necessárias para a sua insonorização e para evitar a emissão das referidas poeiras e serrim.

*

Ora, se é certo que está provado que a laboração da executada provocava aos exequentes os danos acima referidos à data da sentença exequenda, já não é certo que a situação poluidora se mantenha à data dos embargos, cujo fundamento é exactamente a realização das obras recomendadas na sentença e a consequente eliminação da poluição que perturbava os exequentes, caso em que desapareceria a proibição de laborar decretada e que agora se pretende executar.

Por isso, discutindo-se nos embargos precisamente a actual ausência de poluição e, por conseguinte a ausência de qualquer perigo para a saúde dos exequentes, isto é a inexistência de perturbação do seu bem estar e repouso, não pode concluir-se que a prestação da pretendida caução com a consequente suspensão da execução vai manter e prolongar no tempo a agressão, como dizem os agravantes (conclusão 4ª).

Se subsiste ou não a agressão, é exactamente a questão controvertida a ser decidida nos embargos, não podendo partir-se do princípio da sua subsistência, daí que não seja, evidentemente, ‘o continuar das agressões’ que se pretende caucionar, mas apenas a suspensão da execução até ao julgamento dos embargos.

Ora, se a executada pode alegar nos embargos o cumprimento posterior das suas obrigações, no caso a eliminação das causas que determinaram a proibição de continuar a sua actividade industrial, deve-lhe ser permitido prestar caução para os efeitos de suspender a execução até ter oportunidade de demonstrar o que alegou no processo de embargos, como, aliás, a lei processual determina sem qualquer excepção.

É claro que a suspensão da execução pode causar prejuízos acrescidos aos exequentes se f[o]r a sua versão verdadeira, mas igualmente a não suspensão da execução causaria prejuízos à executada se f[o]r ela a detentora da verdade dos factos.

É por isso que, para disciplinar o processo e permitir ressarcir a parte prejudicada existe o instituto da litigância de má-fé que permite a condenação em multa e em indemnização à parte contrária, à parte que litigue contra a verdade dos factos.

*

Ambas as partes devem ser colocadas em rigorosa situação de igualdade como é princípio processual indiscutível, não se vendo qualquer razão plausível para não aplicar ao caso dos autos o disposto no Art 818º nº 1 do C.P.C., por estarem em causa direitos de personalidade, designadamente pela sua alegada inconstitucionalidade, que, salvo melhor opinião, não se verifica.

*

De facto não existe nenhum confronto entre normas adjectivas e normas substantivas, visto que actuam em planos diversos.

As primeiras não concorrem com as segundas, não se lhes sobrepõem nem sobre elas prevalecem, simplesmente se limitam a actuá-las, efectivá-las ou concretizá-las.

No caso concreto o Art 818º nº 1 não se opõe à efectivação dos direitos subjectivos dos exequentes, nem os põe de lado obviamente, antes faz parte de todo o complexo processo através do qual os exequentes hão-de efectivar esses direitos (se os tiverem na situação...

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