Acórdão nº 362/04 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Maio de 2004

Data19 Maio 2004
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 362/2004 Processo n.º 252/04 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. Relatório

No 1.º Juízo Cível da Comarca do Funchal, segundo informação da respectiva Secção de Processos, foi detectado, em 14 de Outubro de 2002, por consulta do livro dos processos confiados, que os autos de inventário judicial com o n.º -----/1999 se encontravam desde 20 de Novembro de 2000 no escritório do advogado Dr. A., ao qual foi de imediato solicitada a sua devolução, que logo ocorreu. Em informação suplementar, determinada pelo respectivo Juiz, esclareceu-se não constar daquele livro nem da pasta de arquivo dos requerimentos de confiança dos processos qualquer alusão ao cumprimento do disposto no artigo 170.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), do seguinte teor: “O mandatário judicial que não entregue o processo dentro do prazo que lhe tiver sido fixado será notificado para, em dois dias, justificar o seu procedimento”.

Por despacho de 15 de Outubro de 2002, o juiz do referido Juízo exarou o seguinte despacho:

“Atento o tempo em que o processo permaneceu no escritório do advogado que o solicitou para consulta (que nem, aliás, o podia fazer, visto que não é mandatário judicial constituído por qualquer das partes – artigo 169.º, n.º 1, do CPC), sem que o tenha devolvido no prazo legal, condeno-a na multa a que alude o artigo 170.º, n.º 2, 1.ª parte, do CPC (artigo 102.º, alínea b), do Código das Custas Judiciais).”

O advogado sancionado veio requerer a reforma dessa decisão, ao abrigo do disposto no artigo 669.º, n.º 2, alíneas a) e b), do CPC, por entender ter havido manifesto lapso do juiz quer na determinação da norma aplicável quer na qualificação dos factos, porquanto, não sendo o requerente mandatário constituído pelas partes, não estava abrangido pelos artigos 169.º e 170.º do CPC e, por outro lado, por não ter sido previamente notificado, nos termos do n.º 1 deste artigo 170.º, para, em dois dias, justificar a não entrega do processo confiado. Nesse requerimento mais sustentou o requerente que “considerando que o conteúdo genérico do direito fundamental do acesso aos tribunais leva implícita a proibição da indefesa, há-de ter-se por seguro que a citada norma do n.º 2 do artigo 170.º quando interpretada e aplicada, como foi no douto despacho em apreço, por forma a condenar em multa, pela falta de entrega do processo sem a prévia audição, padece de inconstitucionalidade por violação daquele outro princípio constitucional”.

Esse pedido de reforma da decisão foi indeferido por despacho de 4 de Novembro de 2002, do seguinte teor:

“O principio ínsito no artigo 169.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, de que o processo só pode permanecer fora do tribunal por cinco dias e não mais, mas até menos, caso cause embaraço grave ao andamento da causa, circunstância que pode reduzir tal prazo de cinco dias para menos, é bem elucidativo dos cuidados a ter com os processos, nomeadamente em defesa do necessário e célere andamento da causa.

Em defesa deste princípio, que, no caso vertente, se nos afigura superior ao defendido pelo Ex.mo subscritor do requerimento ora em análise, quando refere que «não foi notificado ou previamente ouvido, não lhe foi assegurado o direito de defesa ou de poder justificar o seu procedimento, ficando assim impedido de exercer esse direito fundamental essencial em qualquer país do mundo civilizado (artigo 11.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem)», não poderemos deixar, também, de referir que, a todos é devida uma justiça tão célere quanto possível, sendo pouco compreensível que um advogado mantenha um processo no seu gabinete cerca de dois anos sem o devolver ao tribunal, obstaculizando com esse comportamento que a solução da causa seja obtida tão rápido quanto possível, quanto é certo ainda que nem sequer o Ex.mo advogado opoente de fls. 92, não sendo advogado constituído por qualquer das partes no processo, podia levar o processo para fora do tribunal, mas tão-só consultá-lo na secretaria.

E o direito das partes intervenientes no processo a verem resolvido o processo no prazo mais célere possível, afigura-se-nos superior ao direito de o referido distinto advogado dever ser notificado nos termos do artigo 170.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, para que antes de entregar o processo, ainda tivéssemos de, em apelo ao apregoado direito de defesa – no caso dos autos de justificação de tal procedimento – começar agora a discutir, ainda com a «opinião» das partes contrárias (trata-se de um inventário onde todos os interessados – 2, 3, 10, 20 ? – poderiam dar a sua «opinião»), sobre o bem ou não fundado da permanência do processo durante dois anos no gabinete do advogado, ou sobre o bem ou não fundado das razões expendidas no requerimento ora em análise, para que lhe não seja aplicada a multa legal.

Entendemos, salvo melhor opinião, que este direito – o da administração célere da justiça – como corolário da obrigação de o processo ter sido entregue no prazo máximo de 5 dias no tribunal, em confronto com o direito do Ex.mo requerente de fls. 92 em dever ser previamente notificado para dizer porque não entregou o processo no prazo de cinco dias, se sobrepõe e deve prevalecer.

A isto obriga também, salvo melhor opinião, o disposto no artigo 335.º do Código Civil, termos em que vai indeferido o requerido.”

É contra este despacho que vem interposto o presente recurso, nos termos artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (doravante designada por LTC), pretendendo ver-se apreciada a inconstitucionalidade da norma do artigo 170.º, n.º 2, do CPC, “quando interpretado e aplicado no sentido de condenar em multa (como efectivamente condenou pela não entrega do processo no prazo de 5 dias) sem audição prévia do assim sancionado (...) por violação dos n.ºs 1 e 10, respectivamente, dos artigos 20.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa, bem como dos princípios constitucionais, que os informam, do acesso ao direito, do contraditório e da conformação do processo segundo os direitos fundamentais, para além do artigo 11.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem”.

O recorrente apresentou alegações, no termo das quais formulou as seguintes conclusões:

1.ª Da letra e espírito...

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