Acórdão nº 72/04 de Tribunal Constitucional (Port, 30 de Janeiro de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Bravo Serra
Data da Resolução30 de Janeiro de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 72/04

Procº nº 28/2004.

  1. Secção.

Relator: Bravo Serra.

1. Não se conformando com a sentença proferida em 20 de Junho de 2002 no 2º Juízo do Tribunal de comarca de Montemor-o-Novo, que os condenou na pena de quatrocentos dias de multa à taxa de ? 5 por dia ou, subsidiariamente, na pena de duzentos e sessenta dias de prisão, pela autoria material de um crime de emissão de cheque sem provisão, previsto e punível pelo artº 11º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 454/91, de 28 de Dezembro, condenando-os ainda, solidariamente com a sociedade A., a pagarem à assistente B., a quantia de ? 31.147,23, acrescida de juros vencidos e vincendos até integral pagamento, à taxa de 12% ao ano sobre o montante de ? 27.891,90, recorreram para o Tribunal da Relação de Évora os arguidos C. e D..

Na motivação adrede produzida, escreveram, inter alia e para o que ora releva:

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45. Ou seja: provado está nos autos que o Arguido D. não exercia de facto qualquer gerência da A., i.e. o nada decidia quanto ao seu funcionamento e administração, igualmente desconhecendo a situação bancária da mesma, que o mesmo é dizer que quando materialmente apôs a sua assinatura no título ajuizado, não dominava o significado e alcance da sua actuação.

46. Que o mesmo é dizer que não actuou de modo penalmente relevante, posto que foi utilizado como instrumento da prática da infracção (rectius, da acção descrita no art.º 11° n.º 1 al. a) do regime penal do cheque)...

47. i.e., no que concerne ao Arguido D. inexiste sequer acção penal, termos em que não pode o mesmo ser sancionado pela prática de qualquer crime.

Todavia, e sem em nada conceder:

48. b - Quanto a ambos os Recorrentes - o tipo penal em questão constitui, nos termos do disposto no art.º 11° n.º1 al. a) do regime penal do cheque e do art.º 13° do CP, um crime doloso.

49. Ou seja: a existência de infracção pressupõe a imputação aos respectivos agentes dos elementos descritivos do tipo a título de dolo, numa das modalidades previstas no art.º 14° do CP.

50. Ora, da matéria de facto dada como assente na Sentença sob os pontos n.º s 2 (relativamente ao arguido D.), 7º (em articulação com o 11°), 11°, e mais ainda da matéria de facto que deve ser dada como assente (porque alterada e aditada), nos termos do Capítulo II destas motivações, resulta claro inexistir imputação do crime em análise a título doloso aos Recorrentes.

51. Com efeito, é admitido no aresto recorrido que a conta bancária sobre a qual foi sacado o cheque ajuizado, ficou desprovida dos fundos suficientes para a respectiva cobertura por força da existência de inúmeros pagamentos por meio de cheques devidos à A. que não obtiveram boa-cobrança.

52. Tal facto (o volume e montante dos cheques sem provisão recebidos pela A., no período em questão), é obviamente alheio aos Recorrentes.

53. E nada há nos autos que suporte a afirmação de que, a 9 de Novembro de 2000, era sabido pelos Recorrentes que a conta se encontrava desprovisionada (confira-se toda a documentação e toda a prova gravada)... bem ao invés, os elementos documentais constantes dos autos demonstram o contrário.

54. Mas não só! Mesmo admitindo, meramente a beneficio de raciocínio, que o Recorrente C. ?sabia? (elemento cognoscitivo do dolo), que a conta não tinha, naquele momento, provisão suficiente para cobrir o cheque dos autos, e se a Sentença para tanto se escora nas declarações do próprio dito Arguido, então não poderá cindir a respectiva declaração (i.e., cindir a prova), dando relevo a tal afirmação e ?esquecendo? o que o mesmo igualmente afirmou relativamente ao facto de ?contara com a cobrança de múltiplos cheques de clientes da sua empresa que entretanto vieram a mostrar-se sem provisão?.

55. Fazendo a Sentença o que faz, está a ?dar como boas? tais declarações do Arguido C. para suportar o preenchimento do elemento cognoscitivo do dolo, mas já as considera ?irrelevantes? para demonstrar a inexistência de elemento volitivo do dolo.

56. Mais: para concluir que o Recorrente C. actuou com dolo, é necessário imputar-lhe o dever de esperar que os clientes da A. não pagassem os fornecimentos que esta lhe havia feito, i.e., contar com a prática de ilícitos por parte dos clientes A. categoria esta, de exigibilidade, própria do comportamento negligente e não do comportamento doloso!

57. Ou seja: a sentença recorrida comete, s.d.r., dois pecados capitais:

  1. presume o dolo dos agentes -...

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