Acórdão nº 34/04 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Janeiro de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução14 de Janeiro de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO nº 34/2004 Processo n.º 33/03 2ª Secção

Relator - Cons. Paulo Mota Pinto (Cons. Benjamim Rodrigues)

Acordam na 2ª secção do Tribunal Constitucional:

AUTONUM 1.Nos presentes autos, o Ministério Público vem interpor recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional, da sentença proferida em 28 de Outubro de 2003 pelo Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade A., contra liquidação de taxa pela renovação da licença de publicidade, efectuada pela Câmara Municipal de Lisboa. Segundo o recorrente, esta decisão aplicou as normas constantes dos artigos 3º e 16º do Regulamento de Publicidade do Município de Lisboa, publicado pelo edital n.º 35/92, já julgadas inconstitucionais nos Acórdãos deste Tribunal Constitucional n.ºs 63/99, 32/2000 e 346/2001.

Neste Tribunal, o Ministério Público pronunciou-se no sentido do provimento do recurso, em conformidade com a jurisprudência reiterada do Tribunal Constitucional. A Câmara Municipal de Lisboa, por sua vez, contra-alegou no sentido do não provimento do recurso.

AUTONUM 2.As normas em causa foram já julgadas inconstitucionais por várias decisões do Tribunal Constitucional, nomeadamente ? e de entre as invocadas pelo recorrente ?, pelo acórdão n.º 346/2001, e, recentemente, pelos Acórdãos n.ºs 92/2002 e 437/2003, tirado por esta mesma 2ª Secção. Esta orientação jurisprudencial, no sentido da inconstitucionalidade orgânica das ditas ?taxas de publicidade?, previstas em regulamentos camarários, vem já do Acórdão n.º 558/98 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 41º, págs. 55 e segs.) e foi seguida pelos citados Acórdãos n.ºs 63/99 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 42º, págs. 291 e segs.), 32/2000 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 46º, págs. 283 e segs.), 346/2001 (ainda inédito), 92/2002 (ainda não publicado), e 437/2003. Trata-se, assim, de jurisprudência constante, e, aliás, quase unânime, deste Tribunal (tendo-se registado nestes arestos até hoje apenas um voto de vencido), que cumpre reiterar nos presentes autos, pois não se deparam argumentos susceptíveis de alterar o decidido ? não sendo este o caso, designadamente, da ideia de que o anunciante, ao afixar publicidade em fachadas de prédios, de sua propriedade ou devidamente autorizado pelo proprietário, estaria a fazer uma utilização ou ?ocupação? do ?espaço público?, ou de qualquer bem semi-público, como o ambiente. Como se afirmou nesse Acórdão n.º 437/03, não se divisa no caso qualquer ?contrapartida específica, na utilização de um bem semipúblico, para a remuneração periódica da mera permanência do reclamo e friso em questão.?

Remetendo para a fundamentação dos citados arestos, há, pois, que repetir o juízo de inconstitucionalidade, e, por conseguinte, conceder provimento ao recurso.

AUTONUM 3.Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide:

  1. Julgar inconstitucional, por violação dos artigos 106º, n.º 2, e 168º, n.º 1, alínea i), da Constituição (versão posterior à Lei Constitucional n.º 1/89), os artigos 3º e 16º do Regulamento de Publicidade do Município de Lisboa, publicado pelo edital n.º 35/92;

  2. Consequentemente, conceder provimento ao recurso e determinar a reforma da decisão recorrida, no que à questão de constitucionalidade respeita.

Lisboa, 14 de Janeiro de 2004

Paulo Mota Pinto

Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres

Benjamim Rodrigues (com a declaração de voto de vencido anexa)

Rui Manuel Moura Ramos

Declaração de Voto

Votei vencido por não poder acompanhar a tese que fez vencimento. Aliás, não vendo demonstrada, em lugar algum, a improcedência dos fundamentos que aduzimos no nosso voto de vencido aposto ao Acórdão n.º 436/03, cuja existência, de resto, se omite, sobram-nos razões para continuar a pensar que a razão está do nosso lado.

Por esse motivo aqui se renova a argumentação expendida naquele voto de vencido e que foi a seguinte:

1. Os conceitos de imposto e de taxa, que relevam para efeitos da sujeição ou não ao princípio da legalidade tributária de reserva de lei formal da Assembleia da República (ou de decreto-lei do Governo emitido a coberto de autorização do Parlamento), não se acham expressamente definidos na Lei Fundamental.

Tratam-se de conceitos pré-constitucionais, de conceitos que foram sendo construídos ao longo dos tempos pela ciência e doutrina do direito fiscal (Sobre o tema, cfr. entre outros, Teixeira Ribeiro «Lições de Finanças Públicas», 267 e segs., e na «Revista de Legislação e Jurisprudência», 117º, 3727, 289 e segs., Soares Martinez, «Manual de Direito Fiscal», 34 e segs., Cardoso da Costa, «Curso de Direito Fiscal», 4 e segs., Braz Teixeira, Princípios de Direito Fiscal, 43 e 44, Alberto Xavier, «Manual de Direito Fiscal», 1º vol., 42 e segs., Maria Margarida Mesquita Palha, Sobre o conceito jurídico de taxa, publicado em Centro de Estudos Fiscais ? Comemoração do XY Aniversário ? Estudos, 2º Vol., 582 e segs., Sá Gomes «Curso de Direito Fiscal», 92 e segs. e, mais recentemente, Pitta e Cunha, Xavier de Basto e Lobo Xavier, no artigo intitulado Os Conceitos de Taxa e Imposto a propósito de Licenças Municipais, publicado na revista FISCO, n.º 51/52, 3 e segs.). A nossa Constituição adquiri-os com o sentido aí dominantemente construído e com um escopo específico sistemático-funcional [Referimo-nos à sujeição dos impostos ao princípio da legalidade tributária de reserva de lei formal da AR [actualmente os art.ºs 103º, n.º 2, e 165º, n.º 1, al. i), da CRP ] e ao modelo de organização do Orçamento (cfr. art.º 105º e 106º da CRP]. É consabido que, segundo o aí defendido, a diferença específica entre a taxa e o imposto reside, essencialmente em que, na taxa, há um nexo sinalagmático, ? outros preferem falar de uma relação de bilateralidade ou um tributo com causa específica individualizada - entre a prestação do obrigado tributário e a contraprestação da autoridade pública, contraprestação esta que se traduz, segundo o defendido por toda a doutrina, na prestação de um serviço público ou no uso de bens públicos e, ainda, para uma parte da doutrina, porventura dominante pela qual alinha a maioria do Tribunal Constitucional, na remoção de um limite ou obstáculo jurídico à possibilidade de efectiva utilização de bens semi-públicos por aquele obrigado tributário, ou, para outra parte da doutrina, com, apenas, pela remoção de um limite ou obstáculo jurídico à possibilidade da prática de certa actividade ou gozo de certa situação.

No imposto, não se verifica essa sinalagmaticidade entre prestações, pois que o obrigado tributário não tem direito a obter por via e por causa da prestação efectuada uma contraprestação específica ou individualizada por parte da administração: o imposto é uma exacção pecuniária unilateral que é destinada por modo geralmente indiferenciado ao financiamento com os gastos públicos para a satisfação passiva das necessidades públicas. No mais, poder-se-á dizer não haver diferenças de relevo: ambos os tributos aparecem enquanto prestações coactivamente definidas e sem carácter de sanção.

2. A destrinça entre os dois tipos de tributos releva, primordialmente, como se sabe, pelo diferente grau de garantia jurídica e política que o sistema lhes dispensa. Nos impostos vigora, desde tempos que se perdem na história, o princípio da auto-tributação representativa ou da tributação consentida, apenas podendo ser lançados pelos representantes do Povo [actualmente o art.º 165º n.º 1 al. i) da CRP] ? princípio de legalidade tributária de reserva de lei formal do Parlamento. A garantia política exerce-se essencialmente através do voto nas eleições. A garantia jurídica individual consubstancia-se no direito de resistência ao pagamento dos impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição (actualmente, o n.º 3 do art.º 103º da CRP). É certo que também certas entidades que detêm o poder tributário de lançar taxas estão sujeitas à possibilidade de um controlo político: é o caso das autarquias locais e das Regiões Autónomas cujos órgãos são ocupados por pessoas eleitas segundo o princípio democrático - e que, hoje, após a revisão da Constituição de 1997, cabe, também, à Assembleia da República legislar sobre o regime geral das taxas [art.º 165º, n.º 1, al. i)]. Mas além desta reserva de lei do Parlamento ter, no domínio das taxas, um alcance muito mais restrito, por abarcar apenas o seu regime geral, e mesmo assim introduzido apenas na revisão da Constituição de 1997, pois até, aí, no domínio de vigência da Constituição de 1976, vigorou simplesmente o princípio da simples legalidade administrativa, acontece que, como diz Benjamim Silva Rodrigues, ?[...] nem o sistema político está motivado para uma censura deste tipo, nem a estabilidade das finanças das pessoas colectivas de base menor territorial e de outras administrações autónomas a poderia permitir sem grave quebra do funcionamento dos serviços públicos que prestam? (Cfr. Para uma Reforma do Sistema Financeiro e Fiscal do Urbanismo em Portugal, in O Sistema Financeiro e Fiscal do Urbanismo, Actas, Coimbra, Almedina, 2002, págs. 175).

Por isso, como diz o mesmo Autor, ?[...] a garantia do contribuinte de não ser apoquentado com a exacção de taxas ilegais acaba por ser [essencialmente, escreveríamos hoje] simplesmente jurídica, só podendo assentar na própria natureza do tributo e numa dupla dimensão da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
6 temas prácticos
6 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT