Acórdão nº 24/04 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Janeiro de 2004
Magistrado Responsável | Cons. Pamplona Oliveira |
Data da Resolução | 14 de Janeiro de 2004 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃ0 N.º 24/2004
Proc. 85/99 - 1ª Secção
Relator: Cons. Carlos Pamplona de Oliveira
ACORDAM NA 1ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
A. recorre para este Tribunal, ao abrigo da alínea b) do n.1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro ? Lei do Tribunal Constitucional (LTC) ? impugnando, por inconstitucional, a interpretação e aplicação da norma do artigo 664º do Código de Processo Civil perfilhada no acórdão da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça, aqui recorrido.
O recurso foi admitido. Em momento oportuno o Recorrente apresentou a alegação, que, por breve e particularmente explícita, integralmente se transcreve:
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Autor, ora Recorrente, intentou uma acção contra a ré por considerar que em 1 de Setembro de 1991 com a mesma havia celebrado um contrato de trabalho sem termo, pelo que a comunicação que a Ré lhe dirigiu, em 11 de Maio de 1993, consubstanciou o seu despedimento ilícito;
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Por seu lado, a Ré veio sustentar que o referido contrato era um contrato de trabalho a termo, logo, a carta com data de 11 de Maio de 1993 traduziu apenas a vontade da Ré em não o renovar;
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O Autor obteve vencimento no Tribunal de Trabalho de Lisboa e na Relação de Lisboa;
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Surpreendentemente, pois nada no processo o fazia esperar, até porque a Ré sempre admitiu que havia celebrado um contrato de trabalho com o Autor, apenas divergindo deste na qualificação da respectiva modalidade, o Supremo Tribunal de Justiça veio considerar que o referido contrato era um contrato de avença;
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Fê-lo com fundamento na norma do artigo 664º do Código de Processo Civil;
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O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça constitui, assim, uma ?decisão-surpresa?, uma vez que aquele Supremo Tribunal qualificou o contrato em causa de forma radicalmente diferente das partes, sem previamente lhes conceder a possibilidade de se pronunciarem sobre essa nova qualificação;
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A proibição de ?decisão-surpresa? encontra-se consagrada no nosso ordenamento através do princípio do contraditório, que impõe às partes seja facultada a discussão efectiva de todos os fundamentos de direito da decisão. Esta proibição tem redobrado interesse para os casos, como o presente, em que o tribunal faz apelo aos seus poderes de conhecimento oficioso;
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Deste modo, o artigo 664º do Código de Processo Civil, na interpretação perfilhada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, é inconstitucional, por ofensa ao princípio do contraditório, que é uma das vertentes do direito a um processo equitativo consagrado no artigo 20º da Constituição (garantia de acesso efectivo a uma jurisdição).
Conclusões:
Ao considerar com fundamento no artigo 664º do Código de Processo Civil que determinado contrato, o qual foi qualificado pelas partes como contrato de trabalho, consubstanciava antes um contrato de avença, o Supremo Tribunal de Justiça, na medida em que não convidou as partes para se pronunciarem previamente sobre essa mera qualificação, proferiu uma ?decisão-surpresa?, proibida por lei.
Por isso, o artigo 664º do Código de Processo Civil, na interpretação perfilhada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, é inconstitucional, por ofensa ao princípio do contraditório, que é uma das vertentes do direito a um processo equitativo consagrado no artigo 20º da Constituição (garantia de acesso efectivo a uma jurisdição).
Nestes termos e nos demais de direito requer-se a revogação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, com as legais consequências.
A recorrida B. contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso, embora sem deixar de invocar ? nas alíneas E., H. e I. ? o seguinte:
?E. O Recorrente vem suscitar a questão da inconstitucionalidade do artigo 664° do C PC., servindo-se, sem o explicitar, do artigo 3°, n° 3, do Código de Processo Civil, na redacção introduzida pelo Decreto- Lei n° 329-Al95, de 12 de Dezembro, assim ocorrendo a violação, pela decisão recorrida, do principio constitucional do contraditório, relativamente à questão de direito.
H. A existir alguma inconstitucionalidade, teria de ser reconduzida ao artigo 3°, n° 3 do C.P.C., na interpretação acolhida (implicitamente) na decisão reclamada, mas ainda assim, o Supremo Tribunal de Justiça, não interpretou o artigo 664° do C.P .C., de forma inconstitucional:
I. A questão da constitucionalidade - a existir - teria apenas a ver com a norma que proíbe as decisões - surpresa (o art. 3°, n° 3 do C.P.C.) e não com o artigo 664° do C.P.C.. ?
O Recorrente foi ouvido ex professo sobre esta matéria; mantém, em suma, que o artigo 664º do Código de Processo Civil foi aplicado pelo Supremo Tribunal de Justiça com o sentido normativo invocado no presente recurso, e ainda que ?não é pelo facto de as decisões-surpresa serem proibidas, ao nível da legislação ordinária, pelo artigo 3º n. 3 do Código de Processo Civil, que se deve deixar e conhecer deste recurso, pois o acórdão fundamentou-se efectivamente no artigo 664º do Código de Processo Civil?. A decisão do Supremo Tribunal de Justiça é ? prossegue ? ?uma decisão inconstitucional, na medida em que foi interpretada de forma errada o artigo 664º do Código de Processo Civil, violando o princípio do contraditório, uma das vertentes do direito a um processo equitativo consagrado no artigo 20º da Constituição?.
Importa decidir.
Cumpre apurar previamente se a norma do artigo 664º do Código de Processo Civil foi aplicada, no acórdão recorrido, com o sentido que o Recorrente recorta nas conclusões da alegação do seu recurso.
O problema resultou da seguinte decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 9 de Julho de 1998 (fls. 471/477):
? Nas demais conclusões invoca a recorrente a nulidade do contrato a prazo por existir simulação, nos termos do artigo 240°, n° 2 do Cód. Civil e a nulidade do contrato sem prazo por efeitos do artigo 6° do Dec-Lei 572/76 de 20 de Julho e por ser contrário à lei, à ordem pública e aos bons costumes, violando os artºs 286° e 294° do C.C., invocando ainda abuso de direito.
A apreciação...
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