Acórdão nº 631/05 de Tribunal Constitucional (Port, 15 de Novembro de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução15 de Novembro de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 631/2005

Processo n.º 49/05

  1. Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

A – Relatório

1 – A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 9 de Novembro de 2004, que negou provimento à revista interposta de acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que, por seu lado, negara provimento ao recurso de apelação interposto de sentença de tribunal de 1ª instância que julgou procedente a acção de investigação de paternidade, proposta pelo Ministério Público, e declarou o menor B. filho do ora recorrente.

2 – Na parte útil, à decisão das questões de constitucionalidade, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça abonou-se nas seguintes considerações:

Suscita as seguintes questões:

O Ministério Público goza de "competência negativa" para propor a acção de investigação de paternidade e por ela derroga princípios constitucionais;

Deveriam ter sido inquiridas testemunhas indicadas pelo réu recorrente que, apesar de anotadas, não foram ouvidas;

Não se procedeu à análise crítica das provas;

Não há lugar à condenação do réu, como litigante de má fé.

Vejamos a problemática levantada, começando pela invocada inconstitucionalidade.

Na tese do recorrente as normas dos artigos 1865º e 1866º do C. Civil são inconstitucionais por violarem os artigos 25º e 26º da Constituição da República Portuguesa, como inconstitucionais são os artigos 202º e seguintes da OTM por violarem os artigos 13º e 20º da CRP. Violados seriam ainda, segundo afirma, a Declaração dos Direitos do Homem de 10.12.48 (artigos 12º, 7º e 10º) e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem - Lei nº 65/78, de 13 de Outubro (artigos 8º, 6º e 14º).

E isto porque haverá alguma ofensa à intimidade da vida privada e familiar; o Ministério Público na averiguação oficiosa de paternidade torna-se parte no processo, o secretismo da averiguação oficiosa viola os princípios da igualdade e do contraditório; o Ministério Público dispõe de posição privilegiada, fruindo de poderes institucionais que o réu não tem.

Remetida ao Tribunal certidão de registo de nascimento do menor, onde se encontra fixada apenas a maternidade, o Ministério Público deve proceder à instrução do processo por forma a averiguar a paternidade.

Ouvido o pretenso pai e não aceitando este a paternidade que a mãe do menor lhe atribui, terão lugar as diligências probatórias que forem entendidas como necessárias e em instrução secreta.

Concluída a averiguação e elaborado pelo Ministério Público o respectivo parecer, é o processo submetido à apreciação do Juiz, que proferirá despacho de arquivamento ou de remessa do processo ao Ministério Público para propositura da acção, caso esta seja julgada viável (artigos 1864º, 1865º e, designadamente, os artigos da averiguação oficiosa de maternidade para onde remete o artigo 1868º, todos do C. Civil e ainda artigos 202º e 206º da OTM).

Como tem sido repetidamente afirmado está-se perante um processo de carácter administrativo ou pré judicial que tem por fim habilitar o Ministério Público a intentar a competente acção de investigação de paternidade, procurando garantir-se que não sejam propostas acções sem fundamento, atentos designadamente os interesses em jogo e especiais sensibilidades que o processo envolve.

A intervenção do Ministério Público justifica-se por estar em causa um interesse público, actuando aquele em representação do Estado e não como parte.

Nem se vê como a intervenção de Juiz, formulando um juízo de viabilidade, possa ofender direitos do pretenso pai. Por um lado, esse juízo não fixa a paternidade e limita-se, como já referido, a "dizer" ao Ministério Público que poderá propor a acção; por outro, no processo que vier a ser instaurado o pretenso progenitor poderá exercer todos os direitos que o ordenamento jurídico lhe concede, sem que o Ministério Público dispunha de qualquer superioridade, ao contrário de que o recorrente defende.

O Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou no sentido de que a impossibilidade de o investigado ter intervenção na averiguação oficiosa "em nada afectou direitos e interesses sérios seus" - Ac. STJ de 20.05.97, CJ Ano V Tomo II, pág. 91.

No Ac. nº 616/98, de 21.10.98 do Tribunal Constitucional - "Acórdãos do Tribunal Constitucional" 41º vol., pág. 263 - depois de se afirmar que o despacho jurisdicional de viabilidade da acção não ofende os direitos e interesses legítimos do pretenso progenitor, decidiu-se, designadamente, que: "A averiguação oficiosa não deixa, assim, de representar um robustecimento das garantias de defesa do pretenso progenitor, garantias estas cuja tutela apenas se impõe, constitucionalmente, na acção de investigação de paternidade a intentar e em que aquele figura como parte".

Nem tem razão o recorrente quando sustenta que o direito ao conhecimento da paternidade biológica não está incluído no direito à identidade pessoal, nem consagrado em convenções internacionais.

O artigo 25º da Constituição da República Portuguesa consagra o direito à integridade pessoal e o artigo 26º outros direitos pessoais, estipulando o nº 1, além do mais, que a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal.

Em anotação a este artigo escreveu-se na "Constituição da República Portuguesa" – 3ª edição, 1993 dos Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira que o direito à identidade pessoal abrange seguramente um direito à "historicidade pessoal", o que implica o conhecimento da identidade dos progenitores, podendo fundamentar o direito à investigação de paternidade ou de maternidade.

Nenhuma das disposições referidas pelo recorrente (artigo 12º da CUDH, artigo 8º da CEDH) contraria o que está dito ou confirma a tese defendida pelo réu, nem é correcta a invocação da "Convenção Europeia dos Direitos do Homem" - de Ireneu Cabral Barreto, Editorial Notícias, 1995, pág. 131 e 133 e seguintes na citação feita pelo recorrente.

O artigo 8º da Convenção procura defender o indivíduo contra as intervenções arbitrárias dos poderes públicos, devendo o Estado não só abster-se dos comandos que violem tal princípio, como ainda ter um papel activo tendente ao respeito da vida privada e familiar.

Porém, como se escreve - pág. 126 da obra mencionada - "as medidas positivas exigidas aos Estados estão em geral sujeitas à margem de apreciação do próprio Estado, é preciso ressalvar um justo equilíbrio entre o interesse geral e o interesse do indivíduo".

Diga-se, aliás, que a maternidade e a paternidade são, na terminologia do artigo 68º nº 2 da CRP, valores socialmente eminentes, sendo assim reconhecidos como garantias institucionais, protegidas como valores sociais e constitucionais objectivos.

O que se pretende com a averiguação oficiosa é assegurar que serão intentadas as acções necessárias, úteis e viáveis para a fixação da maternidade e paternidade e tão-somente essas, não resultando daqui claramente, a violação de qualquer princípio constitucional

.

3 – No requerimento de interposição de recurso, o recorrente pediu a apreciação de constitucionalidade de várias normas. Todavia, por decisão sumária do relator, no Tribunal Constitucional, de que o recorrente reclamou sem êxito para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art.º 78º-A da LTC, foi decidido delimitar o objecto do recurso de constitucionalidade às «normas dos artigos 1865º e 1866º do CC, enquanto entendidas no sentido de permitirem a intervenção, sem carácter supletivo, do Ministério Público como representante do menor, autor na acção em que se investiga a sua paternidade, e de essa acção poder provocar “alguma ofensa à intimidade da vida privada e familiar” do investigado, por violação dos artigos 25º e 26º da CRP» e às «normas constantes dos artigos 202º e 203º da OTM, quando entendidas no sentido de permitirem que possa realizar-se validamente uma investigação “secreta” como preliminar administrativo da acção de (processo civil) investigação de paternidade a propor pelo Ministério Público, sem sujeição a contraditório naquela investigação, dispondo ainda, aí, o mesmo Ministério Público de uma posição institucional privilegiada que o investigado aí não desfruta, por violação do disposto nos art.ºs 13º e 20º da CRP, da Declaração Universal dos Direitos do Homem (art.ºs 12º, 7º e 10º) e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (art.ºs 8º, 6º e 14º)».

4 – Alegando, no Tribunal Constitucional, sobre o objecto do recurso, o recorrente concluiu o seu discurso argumentativo do seguinte jeito:

«1. Não fora a restrição imposta ao objecto do presente recurso e nestas conclusões cabiam as violações aos direitos fundamentais do recorrente radicadas nas ilegalidades cometidas no processo, bem como a constatação do Ex.mo Relator do acórdão do STJ inicialmente mencionada nas presentes alegações.

2. A averiguação oficiosa da paternidade é secreta e oficiosa, pelo que, em processo civil, ofende os princípios da igualdade e do contraditório consagrados nos artigos 16º e 19º da Constituição da República Portuguesa e 3º-A do Código de Processo Civil, donde, os artigos 202º e 203º da Organização Tutelar de Menores, na interpretação que lhes tem sido dada de autorizarem um processo sujeito àqueles princípios e regras, são inconstitucionais.

3. A intervenção do Ministério Público como Autor num processo "tendente a estabelecer ou negar os laços familiares" viola o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar, por isso, os artigos 1865º e 1866º do Código Civil, ao serem interpretados no sentido de admitirem, no caso concreto, a autoria processual do Ministério Público, com os poderes que lhe estão atribuídos, num desequilíbrio da posição processual das partes e prosseguindo objectivos que devassam a vida privada e familiar do recorrente, são inconstitucionais, já que ofendem o disposto nos artigos 25º e...

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