Acórdão nº 595/05 de Tribunal Constitucional (Port, 02 de Novembro de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução02 de Novembro de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 595/2005

Processo n.º 171/05

  1. Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

A – Relatório

1 – O Município de A. reclama, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art. 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), da decisão sumária proferida pelo relator, no Tribunal Constitucional, de não conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 7 de Outubro de 2004, completado pelo acórdão do mesmo Supremo, de 7 de Dezembro de 2004, que indeferiu o pedido da sua aclaração.

2 – Como fundamento da sua reclamação, o reclamante desenvolve o seguinte e longo discurso argumentativo:

I - Considerações Preliminares

Não poderemos deixar de iniciar a presente reclamação com o sentimento de que o recurso de fiscalização concreta acaba por ser um meio jurisdicional tão restrito e – a adjectivação consiste num critério e naturalmente não é nossa - insólito que acaba por levar a que os destinatários se vejam confrontados com um sentimento de descrença na justiça constitucional.

Iremos ao longo da presente reclamação verificar que a não admissão do presente recurso acaba por votar a recorrente a uma situação de desprotecção, que cremos intolerável, perante uma questão de direito com a qual não poderia contar.

A insólita questão emergente do presente processo prende-se com a circunstância do Supremo Tribunal Administrativo ter decidido dar provimento à argumentação expendida quanto à ratio decidendi fixada pelo Tribunal Administrativo de 1ª Instância que indeferiu a excepção de extemporaneidade do recurso contencioso.

Ou seja, face à decisão de indeferimento da sobredita excepção devido a uma errónea aplicação do artigo 254º do CPC, veio o Supremo Tribunal Administrativo julgar que assistia razão à recorrente.

Todavia, considerou expressamente o Supremo Tribunal Administrativo que a questão deveria ser discutida sob um ângulo que não chegou a ser encarado pelo Tribunal ad quo, tendo vindo a julgar improcedente a referida excepção mediante o recurso a diversas normas legais e a outros elementos interpretativos que serviram para decidir que a notificação ao mandatário não vale como notificação do destinatário para os efeitos dos artigos 28º e 29º da LPTA.

Ora, é efectivamente a mobilização de diversas normas legais e princípios gerais de direito administrativo que serviram para interpretar a aplicação dos artigos 28º e 29º da LPTA - interpretação essa que não foi suscitada por qualquer parte processual, nem considerada pelo Juiz de 1ª instancia - que a recorrente reputa de inconstitucional e que configura uma verdadeira decisão surpresa, pois não poderia ter previsivelmente contado com a convocação deste novo prius argumentativo quando elaborou as suas alegações de recurso jurisdicional.

Isto porque, salvo o devido respeito, o Supremo Tribunal Administrativo não se limitou a julgar que a interpretação dos artigos 28º e 29º da LPTA - que estabelecem o prazo de interposição de recurso contencioso - deveria ser realizada com base no regime próprio de notificação dos actos administrativos constante do Código do Procedimento Administrativo como refere o Digníssimo Relator.

Como veremos foram mobilizadas normas legais e princípios gerais que não se reportam ao regime da notificação dos actos administrativos constante do Código do Procedimento Administrativo.

Por outro lado, ao contrário do foi considerado pelo Digníssimo Relator do processo, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo não corresponde exactamente à tese defendida pela recorrente contenciosa perante o Tribunal de 1ª Instância.

São assim estes os motivos, que passaremos a evidenciar, que nos levam a considerar que estarmos perante um caso em que não se impõe o ónus de suscitar a questão de inconstitucionalidade durante o processo, na medida em que a recorrente constitucional não poderia, mediante um prévio juízo de prognose, contar com a interpretação dos artigos 28º e 29º da LPTA que reputa de inconstitucional.

II - Da sentença de 1ª Instância

Preliminarmente teremos de referir que a recorrente constitucional interpôs recurso jurisdicional do despacho que julgou improcedente a questão prévia da extemporaneidade do recurso contencioso com fundamento numa errónea interpretação da presunção legal de notificação do mandatário contida no artigo 254º, nº 2 do CPC, tendo defendido que a correcta interpretação deste normativo legal determinava a prova de que o mesmo foi notificado em 31/01/2001, logo o recurso contencioso deveria ter sido julgado intempestivo à luz dos artigos 28º e 29º da LPTA. Mal escrito.

Esta era a ratio decidendi fixada pelo Tribunal de 1ª instância sobre esta questão e não qualquer outra que se prendia com a aplicação do regime de notificação dos actos administrativos contido no Código do procedimento Administrativo.

Assim, segundo as regras processuais inerentes aos recursos jurisdicionais, a recorrente só poderia ter dirigido o seu juízo de censura contra a matéria decidida no despacho e não sobre qualquer outra questão de direito hipotética que pudesse ter sido suscitada pela parte contrária durante o processo.

Ou seja, em nosso entendimento, quando o julgador decidiu indeferir a questão prévia suscitada, por considerar que não se encontrava provado nos autos que o mandatário da recorrente contenciosa tivesse sido notificado em 31/01/2001, delimitou o objecto do recurso à questão de se saber se existia ou não prova nos autos que determinasse a interpretação de que o prazo de recurso contencioso começaria a contar a partir da notificação ao mandatário.

Por outro lado, o Tribunal a quo decidiu - decisão na qual a recorrente confiou não esperando assim que pudesse ser alterada pelo Supremo Tribunal Administrativo – que lhe assistia razão sobre a questão prévia, caso tivesse sido provado nos autos que o mandatário foi notificado em 31-01-200 1, quando refere "(...) sendo certo que a notificação é de facto eficaz quando feita na pessoa do mandatário do recorrente".

Assim, o objecto do recurso jurisdicional interposto pela recorrente não poderia ser outro que não aquele que efectivamente foi equacionado, sendo que a decisão do Supremo Tribunal Administrativo é que, como veremos, se mostra totalmente insólita e imprevisível.

Deste modo - devido à circunstância da recorrente não ter podido em sede de recurso jurisdicional para o STA suscitar a questão da aplicabilidade do regime da notificação dos actos administrativos contido no CPA, pois não foi este o sentido decisório do despacho e não era previsível que o viesse a ser depois de provada que a notificação ao mandatário tinha sido realizada em 31/01/2001 - torna-se evidente que a recorrente não teve oportunidade processual de suscitar a questão de inconstitucionalidade durante o processo.

Razão pela qual, só por este argumento, deveria o presente recurso jurisdicional ter sido admitido.

III - Da interpretação dos artigos 28º e 29º da LPTA

Chegados a este ponto, não obstante o que defendemos supra, teremos de verificar se assiste razão ao Digníssimo Relator relativamente aos argumentos que invoca para considerar que não era de todo imprevisível que os artigos 28º e 29º da LPTA viessem a ser interpretados pelo Supremo tribunal Administrativo com o sentido que se reputa de inconstitucional.

Antes de mais convém vincar que a recorrente não suscitou a inconstitucionalidade material dos artigos 28º e 29º da LPTA, mas sim a dimensão interpretativa da sentença que atribuiu o sentido de que o prazo contido nestes normativos não se inicia a partir da notificação do mandatário do recorrente.

A segunda questão determinante para aferirmos da justiça da presente decisão de não admissão do recurso prende-se com a circunstância de o Digníssimo Relator do processo, salvo o devido respeito, ter presumido que a recorrente pretendia suscitar a inconstitucionalidade da interpretação que o STA formulou dos artigos 28º e 29º da LPTA mediante o sentido normativo que o Tribunal inferiu dos artigos 66º a 70º do CPA e 69º do DL nº 445/91.

É certo que o sentido normativo com que estes foram convocados para interpretar os artigos 28º e 29º da LPTA assumem questão com a qual a recorrente não poderia contar, bem como, como veremos infra, não foi apenas com base nestes normativos que o STA decidiu considerar que a notificação ao mandatário valia para efeitos de inicio do prazo de interposição do recurso contencioso.

Mas relevante na decisão do Supremo Tribunal Administrativo - constituindo a ratio decidendi da questão prévia suscitada pela recorrente - foi a argumentação desenvolvida para afastar a relevância da notificação do acto administrativo ao mandatário para os efeitos previstos nos artigos 28º e 29º da LPTA.

Ou seja, o que se vem de referir é que se o STA não tivesse considerado irrelevante a notificação do mandatário do recorrente, sempre poderia ter decidido que os actos administrativos devem ser notificados aos particulares segundo as regras do CPA, na medida em que isso em nada influenciaria a decisão sobre a questão da intempestividade.

Assim, o que interessava saber e decidir era se a notificação ao mandatário se assumia como determinante para efeitos de início de contagem do prazo de recurso contencioso, pois é por todas reconhecido que as normas do CPA determinam que o mesmo seja notificado do acto administrativo.

Com efeito, estamos a tratar de duas realidades distintas, pois uma coisa é saber se o interessado tem de ser notificado pessoalmente do acto administrativo para que se mostre cumprida a lei substantiva; situação completamente distinta é a discussão sobre a aplicação da lei processual e, nomeadamente, saber se a notificação do mandatário determina o início do prazo do recurso contencioso.

Deste modo, o segmento decisório que a recorrente reputa de...

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