Acórdão nº 584/05 de Tribunal Constitucional (Port, 02 de Novembro de 2005

Data02 Novembro 2005
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 584/2005 Processo n.º 31/03 1.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria João Antunes

Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    1. Nos presentes autos de recurso, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e são recorridos o Ministério Público e B., foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC).

    2. Em 6 de Junho de 2005, foi proferida decisão sumária, nos termos do artigo 78º-A, nº 1, da LTC, pela qual se entendeu não conhecer do objecto do recurso.

      É a seguinte a fundamentação constante desta decisão:

      O recurso previsto na alínea b) do n.1 do artigo 70º da LTC tem carácter normativo, nele apenas se compreendendo a impugnação de normas, acusadas de inconstitucionais durante o processo e, apesar disso, aplicadas na decisão recorrida como ratio decidendi. O legislador optou, assim, por não permitir que neste tipo de recurso seja sindicada a decisão recorrida enquanto tal, não sendo, por isso, criticável o processo lógico de selecção dos factos relevantes, a escolha das regras aplicáveis ao caso, e a solução jurídica da questão, tarefa que constitui a actividade típica dos tribunais.

      Impõe-se, portanto, que o recorrente indique com precisão – cabe-lhe definir o âmbito do recurso – a regra jurídica geral e abstracta que foi aplicada na decisão recorrida, não obstante ter sido anteriormente suscitada a questão da sua desconformidade constitucional.

      Ora, a verdade é que o recorrente nunca suscitou no processo uma qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, pois, quer na alegação do recurso interposto para a Relação de Lisboa, quer no requerimento de interposição do presente recurso, toda a crítica foi dirigida à decisão jurisdicional de não pronúncia em si mesma considerada; assim se explica a dificuldade do recorrente em enunciar as normas desconformes com a Constituição que, numa particular interpretação, terão sido aplicadas na decisão recorrida.

      Em suma, o objecto do presente recurso não consiste em norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, conforme se exige na citada alínea b) do n.1 do artigo 70º da LTC, antes visa a própria decisão jurisdicional, ainda que com referência genérica a determinados preceitos, que nela teriam [sido] aplicados de forma "inconstitucional"

      .

    3. Desta decisão vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, nº 3, da LTC, alegando que:

      (...) Parece ao recorrente que a decisão objecto da presente reclamação não curou de conhecer o objecto peticionado, tendo feito uma leitura apressada e incorrecta do objecto do recurso.

      Vejamos.

      Primeiro, o recorrente indicou concretamente, ou melhor, especificadamente, quais foram as normas jurídicas que, no decorrer do processo foram acusadas de inconstitucionais e, apesar disso, foram aplicadas na decisão recorrida como ratio decidendi:

      Foi o artigo 180° do Código Penal;

      Foi o artigo 183° do Código Penal

      Foi o artigo 184° do Código Penal

      Foi o artigo 308° do Código do Processo Penal

      Basta reler o requerimento de interposição de recurso e requerimento de fls. para se verificar que o recorrente suscitou perante este tribunal a impugnação de normas jurídicas dos Código Penal e Processual Penal e não qualquer outra realidade.

      Segundo, a inconstitucionalidade dessas normas, em especial quanto ao art° 180° do CP (que é, naturalmente, o cerne da questão), foi levantada durante o processo, conforme decorre da leitura dos autos.

      Passamos a transcrever umas passagens das alegações de recurso:

      “O escrito ultrapassa todos os limites impostos pelo respeito dos valores, constitucional e legalmente assegurados, da personalidade do Assistente, nomeadamente o direito a não ser lesado na sua honra, dignidade e consideração social.”

      “Andou igualmente mal a decisão recorrida na parte em que afirma que a liberdade de opinião não tem limites, quando aplicada a políticos, pois que o direito à crítica conhece limites, constitucionais e ordinários”

      “Desde logo, só será de admitir (e logo de não punir), a imputação de factos ofensivos da honra e consideração quando a mesma se move no domínio da realização de um interesse público e legítimo, o que não acontece no caso dos autos, pois que o cronista actua em domínio da crítica e de ataque pessoal, e quando esse ataque se baseia em falsidades”

      “O exercício da liberdade de expressão, por cotejo com o direito ao bom nome e reputação do Assistente, pressupõe que a alegada função pública do Arguido, enquanto comentador político, seja exercida Como “função educativa, regeneradora e sociabilizadora”, não sendo de aceitar, pela não pronuncia, as acções do Arguido que ultrapassam o exercício desta função”

      “Viola igualmente a lei a decisão recorrida quando esquece que o direito de informar e de emitir crítica livre não permite o recurso ao insulto pessoal, ainda que mascarado sob a capa de ataque político, sob pena de subversão dos valores fundamentais da vida em democracia, por o recurso ao insulto, à injúria, ou à difamação, excederem os limites constitucionais do direito de crítica e violarem o bem do direito dos cidadãos ao bom nome e reputação, também constitucionalmente admitidos no nosso sistema jurídico

      .

      “Mesmo que o insulto tivesse sido dirigido ao político, e não ao cidadão – o que não é o caso – a verdade é que «qualquer termo usado que seja objectivamente injurioso, ainda que dirigido a membros do Governo no âmbito da apreciação crítica de actos governamentais» é considerado injúria para efeitos de submissão à previsão do crime de difamação”

      “É tudo menos exacta a firmação do douto despacho recorrido de que a liberdade de expressão não encontra limites se confrontada com o direito à honra e consideração de políticos. Mesmo que fosse o caso – o Assistente ter sido criticado enquanto político – mister era que a lei não consignasse o direito ao bom nome, honra e consideração, até com dignidade e protecção constitucional, mesmo dos políticos.”

      “Dizer que a crítica não tem limites é dizer que esse direito pessoal ao bom nome, honra e consideração não existe, quando confrontado com o outro direito à liberdade de expressão, interpretação que a CRP ou a lei Penal não consentem, e é, até, uma leitura inconstitucional das normas respectivas”

      “Existindo uma colisão de direitos, devem naturalmente os seus titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito sem maior detrimento para qualquer das partes.

      “Mais. Face ao disposto nos artigos 1, 25 e 26 da Constituição, o direito ao bom nome e à honra está acima do direito de liberdade de expressão e de informação, em princípio”

      Terceiro, é manifesto da leitura dos autos que o recorrente suscitou no processo várias questões de inconstitucionalidade normativa, pois que quer na alegação de recurso interposto para a Rel Lisboa quer no requerimento de interposição do presente recurso, dirigiu a sua crítica (e recurso) à interpretação que o Tribunal recorrido fizera (em especial) do disposto no art° 180° do CP.

      Repare-se.

      As questões levantadas durante o processo dizem essencialmente respeito à leitura do regime do art° 180° do CP, concretamente à leitura que dele foi...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT