Acórdão nº 538/05 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Outubro de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Pamplona Oliveira
Data da Resolução14 de Outubro de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 538/2005

Processo n.º 164/05

  1. Secção

Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira

ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

  1. A. propôs em 15 de Setembro de 2003 no Tribunal Judicial de Santo Tirso acção de divórcio litigioso contra o seu cônjuge, B.. Devolvida ao Tribunal a carta através da qual a secretaria pretendia notificar o réu para comparecer na tentativa de conciliação convocada pelo juiz, foi lançado no processo o seguinte despacho: "O réu considera-se regular e pessoalmente notificado para contestar". Prosseguiu, assim, o processo à revelia do réu; foi efectuada a audiência de julgamento, finda a qual foi proferido despacho com a especificação dos factos provados. Seguiu-se, em 3 de Maio de 2004, a sentença pela qual o réu foi, no entanto, absolvido da instância por se haver entendido que não fora chamado a juízo, tudo nos termos dos artigos 288 n.º 1 alínea e) e corpo do artigo 494º do Código de Processo Civil e artigos 20º n.º 3 e 18º n.º 1 da Constituição.

    Na parte que releva, consta na aludida sentença o seguinte:

    "[...]

    O art. 20º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa estabelece que todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo".

    O que se discute nestes autos, antes do mais, é se existiu procedimento processual equitativo para chamar o réu a juízo.

    Desde já adianto que não existiu procedimento equitativo para dar a conhecer ao réu que a sua mulher pedia o divórcio.

    O despacho citado que considerou o réu chamado aos autos vale-se dos art. 233 n° 2 al a) ["a citação pessoal é feita mediante entrega ao citando de carta registada com aviso de recepção"] e n° 4 ["nos casos expressamente previstos na lei, é equiparada à citação pessoal a efectuada em pessoa diversa do citando, encarregada de lhe transmitir o conteúdo do acto, presumindo-se, salvo prova em contrário, que o citando dela teve oportuno conhecimento"], 236º n° 1 ["a citação por via postal faz-se por meio de carta registada com aviso de recepção (...), dirigida ao citando e endereçada para a sua residência (...)] e n° 2 [ "no caso de citação de pessoa singular, a carta pode ser entregue, após assinatura do aviso de recepção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência (...) e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando], 238º A n° 1 ["a citação postal. registada efectuada ao abrigo do artigo 236º considera-se feita no dia em que se mostrar assinado o aviso de recepção e tem-se por efectuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário] e 241º ["sempre que a citação se mostre efectuada em pessoa diversa do citando, em consequência do preceituado no artigos 236º n° 2 (...)será ainda enviada carta registada ao citado, comunicando-lhe a data e o modo por que o acto se considera realizado, o prazo para o oferecimento da defesa (...) e a identidade da pessoa em quem a citação foi realizada"] do CPC.

    A morada indicada pela autora para o réu é insuficiente, por falta de discriminação de que é a morada do rés do chão do referido n° 117 do Largo -------------------, uma vez que é a própria autora que declara viver separada do réu e no primeiro andar do mesmo n° 117: especificar que o réu mora no rés do chão não é detalhe despiciendo no caso dos autos, face à alegação da autora de que as casas de primeiro andar e rés do chão do n° 117 são diferentes.

    Por outro lado, no aviso de recepção, o carteiro nada assinalou na quadrícula que se segue à menção "este aviso deve ser assinado por pessoa a quem for entregue a citação e que se comprometeu a entregá-la prontamente ao destinatário". Daí só se pode extrair que o carteiro não avisou a sogra do réu que tinha obrigação de entregar a carta ao réu (cfr. art. 236 n° 4 do CPC o qual prevê um dever de advertência expresso ao carteiro) e que esta se comprometeu a isso mesmo, em prazo muito breve (n° 2 do art. 236); ou seja, não foram cumpridos os procedimentos referidos no art. 236 n° 2 e n° 4 do CPC, ou seja a advertência expressa para entregar e a declaração conforme de que se entregará, ficando por saber, ainda, se a sogra do réu estava na residência dela ao receber a carta do carteiro, como é mais o encargo referido no n° 4 do citado art. 233.

    Mas essas falhas substantivas na citação consideram-se sanadas pela eficácia de caso julgado formal do despacho referido e não é por aí que se pode fundar a falta de citação.

    A inconstitucionalidade reside na interpretação dos artigos do CPC citados que dispensa qualquer intervenção pessoal e demonstrada do réu para o efeito de poder ilidir a presunção de que a sogra lhe deu conhecimento do acto da citação e lhe entregou a carta.

    Vejamos:

    O art. 233 n.º4 citado estabelece presunção de que o citando recebe a carta do terceiro que assinou o aviso de recepção, ou seja, de que é citado e de que é citado em tempo próprio.

    O art. 238-A n° 1 reitera essa presunção de que a carta foi entregue atempadamente ao citando pelo terceiro que a recebeu das mãos do carteiro e assinou o aviso de recepção (o conceito de "atempadamente" tem alguma tradução legal, já que ao prazo ordinário de contestação se acrescentam 5 dias de dilação, nos termos do n° 1, al. a), do art. 252-A do CPC).

    A presunção em causa é ilidíve1: as normas que a estabelecem referem expressamente que se pode ilidir a presunção nos trechos "salvo prova em contrário" e "salvo demonstração em contrário".

    O cerne da questão (para o efeito de se concluir que o réu não teve uma possibilidade real e equitativa de demonstrar que não recebeu da sogra a carta que o notificava para comparecer na tentativa de conciliação e ficar a saber que era pedido o divórcio) reside na interpretação das normas dos artigos do CPC citados que dispensam não só a recepção pessoal da carta - das mãos do carteiro pelo citando, como dispensam qualquer conhecimento demonstrado do citando dessa recepção por outrem, isso para o efeito de o citando poder vir a provar que a terceira pessoa que recebeu a carta das mãos...

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