Acórdão nº 311/05 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Junho de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Helena Brito
Data da Resolução08 de Junho de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 311/05 Processo n.º 1090/04 1ª Secção

Relatora: Conselheira Maria Helena Brito

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I

  1. A. interpôs, junto do Supremo Tribunal Administrativo, recurso contencioso de anulação do acto de exclusão da sua candidatura ao Concurso de Recrutamento para o Preenchimento de Vagas nos Tribunais Administrativos e Fiscais aberto pelo Aviso n.º 4902/2002 (2ª série), tendo sustentado, entre o mais, a inconstitucionalidade da norma do artigo 7º, n.º 1, da Lei de Aprovação do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro), na parte em que exige dos candidatos juristas uma experiência profissional mínima, por violação do artigo 13º, n.º 1, da Constituição.

    O Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, então recorrido, apresentou a resposta de fls. 128 e seguintes, pugnando pelo não provimento do recurso.

    O recorrente alegou (fls. 137 e seguintes), concluindo, para o que aqui releva, do seguinte modo:

    “[...]

    1. A norma constante do art. 7º, n.º 1, da LA-ETAF na parte em que exige, como requisito de admissão ao Concurso, é inconstitucional por violação do princípio da igualdade [assim, no original].

    2. Este princípio constitucional exprime-se, entre outras, pela máxima de que «para situações iguais, tratamento igual», ou seja pela proibição de arbítrio.

    3. Os juízes dos tribunais administrativos e fiscais são a categoria de base da respectiva magistratura e estão equiparados, nos termos do art. 7º, n.º 7, da LA-ETAF, aos juízes de direito da magistratura judicial, aos quais são igualmente equiparados os procuradores-adjuntos da magistratura do Mº. Pº.

    4. Entre os requisitos de ingresso na magistratura judicial e na magistratura do Mº. Pº. não estabelece a lei qualquer requisito de experiência profissional mínima.

    5. Ora, as funções de juiz de direito na magistratura dos tribunais administrativos e fiscais são equiparáveis às de juiz de direito na magistratura dos tribunais judiciais e de procurador-adjunto na magistratura do Mº. Pº. Aliás, a própria lei se encarrega de expressamente equiparar «para efeitos de honras, precedências, categorias, direitos, vencimentos e abonos» todas aquelas categorias das diferentes magistraturas.

    6. Assim, a lei ao estabelecer para o recrutamento de uma categoria de magistrados requisitos distintos e mais gravosos do que aqueles que estabeleceu para o recrutamento de outras categorias de magistrados àquela equiparadas viola o princípio da igualdade na sua dimensão de proibição de arbítrio, i. é, de proibição de tratamento desigual de situações iguais, consagrado no art. 13º, n.º 1, da CRP.

    7. O exercício de funções de juiz dos tribunais administrativos e fiscais corresponde ao exercício da titularidade de um órgão de soberania, logo ao exercício de um cargo público.

    8. O art. 50º, n.º 1, da CRP consagra o direito fundamental de acesso aos cargos públicos, com a natureza de direito, liberdade e garantia.

    9. Ora, os direitos, liberdades e garantias apenas podem ser restringidos com respeito, entre outros, pelo princípio da proporcionalidade, na sua tríplice dimensão de necessidade, adequação e proibição de excesso.

    10. A exigência de uma experiência profissional mínima de cinco anos constitui, portanto, uma restrição ao direito de acesso aos cargos públicos, fundada na salvaguarda do interesse constitucional de eficiência da Justiça (vale dizer, de assegurar que as funções judiciais sejam exercidas por pessoas suficientemente habilitadas e preparadas para o efeito).

    11. Tal restrição não se revela, porém, necessária para o fim em ordem ao qual é estabelecida, pois aquele fim pode ser, com igual ou maior efectividade, prosseguida com outras restrições já existentes (v. g. as provas escritas realizadas no âmbito do Concurso).

    12. Revelando-se, igualmente, excessiva – e até mesmo contraproducente – para a prossecução desse mesmo fim.

    13. Daí que se trate de uma restrição inconstitucional ao direito fundamental de acesso aos cargos públicos.

    14. Daí que a norma constante do art. 7º, n.º 1, da LA-ETAF, na parte em que exige cinco anos de experiência profissional como requisito de admissão ao Concurso, é inconstitucional por violação do art. 18º, n.º 2, da CRP.

    15. Sendo inconstitucional o art. 7º, n.º 1, da LA-ETAF, os actos administrativos de aplicação da referida norma serão ilegais, por vício de violação de lei decorrente de erro nos pressupostos de direito.

    16. Assim, o acto ora recorrido é anulável.

    [...].”.

    O Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais também alegou (fls. 190 e seguintes), sustentando o não provimento do recurso.

    O Ministério Público sufragou o teor das alegações da entidade recorrida (fls. 195).

  2. Por acórdão de 12 de Fevereiro de 2004 (fls. 197 e seguintes), o Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso, pelos seguintes fundamentos:

    “[...]

    O recorrente considera também que este concurso foi aberto ao abrigo de norma inconstitucional (cit. art. 7°, n.º 1), por violação do princípio da igualdade, pois, ao contrário do que sucede com o ingresso na magistratura judicial ou do M.P. – que não está dependente de qualquer tempo de experiência mínimo –, no caso em apreço o recrutamento para a categoria de juízes dos tribunais administrativos e fiscais ficou dependente da experiência mínima de cinco anos. Requisito que, para si, é distinto e mais gravoso do que os estabelecidos para o recrutamento de outras categorias de magistrados àquela equiparados.

    Como se sabe, o princípio da igualdade, enquanto proibição do arbítrio, impede que se trate de modo diferente situações iguais (cfr. art. 13° da CRP). Daí que se diga que este princípio só é violado quando alguém é privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever num quadro de facto igual que devesse justificar uma mesma solução normativa (igualdade na criação do direito) ou administrativa (igualdade na aplicação do direito).

    A «proibição do arbítrio» constitui um limite externo da liberdade de conformação do legislador e só deve considerar-se desrespeitada quando não exista o adequado suporte ou fundamento material para a medida legislativa tomada. Por isso é que as diferenciações de tratamento se tornam às vezes legítimas quando se baseiam numa distinção objectiva de situações, quando não se fundamentam de modo discriminatório em qualquer dos motivos do art. 13° da CRP, quando tenham um fim legítimo segundo o ordenamento constitucional positivo e quando se revelem necessárias, adequadas e proporcionadas à satisfação do seu objectivo [...].

    Ora, no caso em apreço, o recrutamento destes magistrados só pode ser entendido no quadro de uma reforma do contencioso administrativo, que em vastas matérias rompe com o passado e se apresenta com uma dinâmica muito exigente em ordem ao cumprimento do desiderato dos tribunais administrativos traduzido, que é, pela satisfação de uma tutela judicial efectiva dos direitos e interesses dos administrados.

    Assim, entendeu o legislador, nesta fase, que o êxito dessa missão não se compadeceria com uma simples licenciatura, mas antes racionalmente suporia uma experiência anterior de cinco anos de serviço na magistratura (judicial e do M.P.) ou de prática profissional na área do direito público (quanto aos juristas).

    Assim, tendo em vista o objectivo a atingir, a exigência pelo legislador de um tal nível de conhecimentos adquiridos em anteriores funções qualificadas não se mostra desajustada...

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