Acórdão nº 256/05 de Tribunal Constitucional (Port, 24 de Maio de 2005

Data24 Maio 2005
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 256/2005 Processo n.º 778/04 1.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria Helena Brito

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I

  1. A., SGPS, S.A. deduziu perante o Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa, em 12 de Março de 1996, impugnação de uma liquidação de taxa sobre operações fora de bolsa, no montante de 29.976.800$00, respeitante à compra, à B. SGPS SA, de 1.414.000 acções da C. SGPS SA, pelo preço de 7.494.200.000$00, que lhe fora efectuada pelo Banco D., S.A. ao abrigo do disposto no artigo 408º do Código do Mercado dos Valores Mobiliários (adiante, CódMVM) e da Portaria n.º 904/95, de 18 de Julho (fls. 36 e seguintes).

    O representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa requereu, a fls. 184 e seguintes, a junção aos autos de parecer da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (adiante, CMVM), a entidade de supervisão desse mercado.

    Seguiu-se parecer do Ministério Público (fls. 217) e, por fim, sentença que, entre o mais, declarou a ilegalidade do n.º 1, alínea a), da Portaria n.º 904/95, de 18 de Julho, por violação do artigo 408º, n.º 1, do CódMVM, e anulou o acto de liquidação impugnado (fls. 238 e seguintes).

  2. Desta sentença interpôs o representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa, em representação da CMVM, recurso para o Supremo Tribunal Administrativo (fls. 266), tendo nas alegações respectivas (fls. 267 e seguintes) sustentado que a sentença recorrida violara, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 1º e 2º da Portaria n.º 904/95, de 18 de Julho, conjugados com o disposto no artigo 408º do CódMVM.

    Nas contra-alegações (fls. 305 e seguintes), a A., SGPS, S.A. concluiu, para o que agora releva, que “[s]e o art. 408º do C.M.V.M. for de interpretar no sentido de que a taxa é devida, mesmo à margem de um serviço individualizado por parte da CMVM, essa norma e as disposições da Portaria n.º 904/95, de 18 de Julho, padecerão de inconstitucionalidade”, por violação dos princípios da legalidade fiscal, da proporcionalidade, da proibição do excesso e da igualdade.

    Foi requerida, pelo representante da Fazenda Pública, a junção aos autos de parecer jurídico de professores universitários elaborado a pedido da CMVM (fls. 339 e seguintes), tendo-se sobre este parecer pronunciado a A., SGPS, S.A. (fls. 413 e seguintes).

    O Ministério Público também emitiu parecer (fls. 537 e seguintes), sustentando que o recurso merecia provimento.

  3. O Supremo Tribunal Administrativo viria a conceder provimento ao recurso no seu acórdão de 19 de Maio de 2004 (fls. 547 e seguintes).

    Nesse acórdão, o Supremo Tribunal Administrativo começou por enunciar o quadro factual fixado pela 1ª instância, nos termos a seguir indicados:

    “[...]

  4. em 29DEZ95, a B. SGPS SA e a A. SGPS SA celebraram um contrato de compra e venda de acções pelo qual a primeira vendeu à segunda 1.414.000 acções da C. SGPS SA, pelo preço de 7.494.200.000$00;

  5. as acções objecto da compra e venda eram valores mobiliários escriturais;

  6. a conta do vendedor representativa das acções vendidas estava a cargo do Banco D. SA;

  7. a cargo desse mesmo banco se encontrava a conta representativa de valores mobiliários escriturais do comprador;

  8. quando instado a inscrever nas ditas contas a venda de acções acima referida o D. cobrou à impugnante a quantia de 29.976.800$00 a título de taxa de operações fora de bolsa a favor da CMVM;

  9. quantia que lhe foi debitada em 4JAN96.

    [...].”.

    O Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se seguidamente sobre a qualificação da designada “taxa” sobre as transmissões de acções nas operações fora de bolsa:

    “[...]

    3.1. [...].

    À dita taxa sobre as operações fora de bolsa refere-se o artigo 408°, n.º 1, do Código do Mercado de Valores Mobiliários (aprovado pelo DL 142-A/91, de 10-4, com diversas alterações, na redacção vigente à data em que os factos ocorreram e não [o] posterior aprovado pelo DL 486/99, de 13-11) que estabelece [...].

    Estamos perante uma norma de incidência objectiva da mencionada taxa ao que acresce que, pela Portaria n.° 904/95, de 18 de Julho, foram fixados os elementos essenciais da taxa sobre operações fora de bolsa.

    [...]

    Ainda que o CMVM, do qual consta o citado art. 408° 1, tenha sido aprovado pelo DL 142-A/91, de 10-4, ao abrigo de autorização legislativa, conferida pela Lei 44/90, de 11-8, esta autorização não permitia ao Governo criar um tributo sobre as transmissões de valores mobiliários ocorridas fora de bolsa e daí que se possa concluir que não foi o tributo em causa criado ao abrigo de autorização legislativa mas antes no âmbito da competência própria do Governo não reservada da Assembleia da República (art. 201° 1 a) e actual 198° 1 a) da CRP).

    E a citada Portaria foi emitida, no âmbito da sua competência regulamentar, pelo Ministro das Finanças, ao abrigo do referido art. 408° 1 do CMVM.

    Ocorreria a suscitada inconstitucionalidade se o tributo em causa fosse um imposto como sustenta a recorrida contrariamente ao sustentado pela recorrente FP que o qualifica como taxa uma vez que o princípio da legalidade tributária apenas se reportava aos impostos e não às taxas pois que tratando-se de uma taxa podia ser criada pelo Governo, no exercício das suas competências próprias que tinha, ainda, competência para definir os seus elementos essenciais por não se incluir tal matéria no âmbito da competência reservada da Assembleia da República.

    Existe unanimidade quanto ao critério de diferenciação da taxa do imposto já que se a unilateralidade é a característica deste já aquela tem de ser caracterizada pela bilateralidade ou sinalagmaticidade.

    Com efeito era já entendimento doutrinal o que passou a constar do art. 4° da LGT segundo o qual «os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património» enquanto que as taxas assentam na «prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares».

    Daí que a contraprestação da Administração possa consistir na utilização pelo sujeito passivo de um serviço público individualmente prestado, na utilização pelo sujeito passivo de um bem do domínio público ou na remoção de um limite jurídico à actividade do sujeito passivo.

    Na situação dos autos, em que está em causa a transmissão fora de bolsa de valores mobiliários escriturais, como posteriormente se demonstrará, o sujeito passivo da relação jurídica beneficia, como se escreveu na sentença recorrida, da utilização do sistema de registo e controlo de valores mobiliários escriturais, previsto no artigo 58° do Código do Mercado de Valores Mobiliários pois que sendo os valores mobiliários escriturais representados por meras inscrições, o legislador tinha de estabelecer mecanismos que garantissem a segurança jurídica dessas inscrições e das transacções que tenham por objecto esses valores o que concretizou com a instituição do sistema de registo e controlo de valores mobiliários escriturais o qual é assegurado pela participação integrada das entidades emitentes, da Central de Valores Mobiliários e dos intermediários financeiros conforme resulta do artigo 58°, n.º 1, do Código do Mercado de Valores Mobiliários.

    E o dito sistema encontra-se organizado, como na sentença recorrida se afirma, desde um nível inferior onde se situam as contas de valores mobiliários escriturais dos investidores em geral e que se encontram abertas junto dos intermediários financeiros autorizados pela CMVM (artigos 58°, n.º 3, alínea a), e 59°, n.º 1, do Código do Mercado de Valores Mobiliários), passando por um nível intermédio no qual cada um desses intermediários financeiros abre, junto de uma entidade central – designada Central de Valores Mobiliários – uma conta, por cada emissão de valores mobiliários escriturais, na qual são representados todos os valores dessa emissão que, em cada momento, se encontram registados nas diversas contas de investidores que cada um daqueles intermediários tem a seu cargo (artigo 58°, n.º 3, alínea b), do Código do Mercado de Valores Mobiliários) até um nível superior onde se encontra a Central de Valores Mobiliários, junto da qual cada entidade emitente é obrigada a abrir, por cada emissão de valores mobiliários escriturais que realize, uma conta autónoma que represente a totalidade dos valores integrantes da emissão, cabendo, ainda, à Central de Valores Mobiliários manter abertas as contas em nome dos intermediários financeiros e assegurar a respectiva movimentação (artigo 58°, n.ºs 1, alínea a), e 4, alínea b), do Código do Mercado de Valores Mobiliários).

    Cabe à Central de Valores Mobiliários «assegurar a adequada estruturação e gestão geral do sistema», através da fixação de normas e orientações necessárias à organização e disciplina do sistema e do controlo do funcionamento do mesmo sistema (artigo 58°, n.º 4, alíneas a) e b), do Código do Mercado de Valores Mobiliários).

    Acresce que a CMVM tem jurisdição sobre a Central de Valores Mobiliários (artigo 13°, n.º 1, alínea c), do Código do Mercado de Valores Mobiliários), aprova o seu regulamento geral (artigos 15°, alínea i), 58°, n.º 4, alínea a), e 188°, nº 7, alínea b), do mesmo Código), autoriza e regista os intermediários financeiros que podem operar no sistema (artigo 59°, n.º 1, do mesmo Código) e fiscaliza o funcionamento do sistema, tal como determina o artigo 75° do Código do Mercado de Valores Mobiliários [...].

    Daí que todas as transmissões de valores mobiliários escriturais realizadas fora de bolsa implicam a utilização deste sistema de registo e controlo dos valores mobiliários escriturais pelas partes envolvidas nessas transmissões.

    Conforme refere a CMVM (cfr. fls. 206) foi isso mesmo que ocorreu no caso a que se referem os presentes autos pois que para consumar a transmissão das acções da C., SGPS, SA, a impugnante...

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