Acórdão nº 115/05 de Tribunal Constitucional (Port, 02 de Março de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução02 de Março de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 115/2005 Processo n.º 929/04 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório AUTONUM 1.A. vem reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, da decisão sumária do relator, de 6 de Dezembro de 2004, que decidiu não tomar conhecimento do recurso de constitucionalidade por ela interposto e condená-la em custas, com sete unidades de conta de taxa de justiça. Tal decisão teve o seguinte teor:

    1. Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29 de Abril de 2004, foi negado provimento ao recurso de revista, interposto por A. sem requerimento de julgamento ampliado nos termos do artigo 732.º-A, n.º 2, do Código de Processo Civil, do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que julgou improcedente o recurso de apelação e confirmou a decisão do Tribunal Judicial de Tábua, proferida no âmbito da acção declarativa de condenação intentada por aquela contra B. – acção na qual pedia a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 88.435.759$00, referentes ao fornecimento de energia eléctrica, acrescida de juros de mora. Consequentemente, a acção foi julgada improcedente e a demandada absolvida do pedido.

    Notificada desta decisão, veio a recorrente arguir a sua nulidade por entender que houve preterição de uma formalidade prescrita na lei, prevista no n.º 2 do artigo 732.º-A do Código de Processo Civil, consubstanciadora de irregularidade susceptível de influir no exame ou decisão da causa, dizendo:

    O certo é que nem o Sr. Juiz Relator nem nenhum dos seus Adjuntos tomou em consideração o que dispõe o n.° 2 do art.º 732.º-A do C.P.C..

    Atenta a fundamentação do Acórdão, não poderiam os Senhores Juizes esquecer tal disposição. Vejamos.

    Discute-se se é aplicável ou não aos fornecimentos de energia eléctrica em média tensão o n.º 2 do art.º 10.º da Lei 23/96, de 26.7 ou se eles se encontram excluídos do âmbito de tal disposição por força do n.° 3 do mesmo art.º.

    Sobre esta questão refere o Acórdão:

    “Posto isto, importa determinar qual o conceito de alta tensão que releva para a disposição do n.° 3 do art.º 10.º daquela Lei n.° 23/96, conceito acerca do qual a jurisprudência não é uniforme.

    Na verdade, já se entendeu (até de forma algo maioritária) que o referido n.° 3 do art.º 10.º abrange não só a alta e muito alta, mas também a média tensão (nota 6 – Ac.s STJ de 06.01.2000, no Proc. 738/99, da 7ª Secção (relator Lúcio Teixeira); de 12.07.2001 , in CJSTJ Ano IX, 3, pág. 34 (relator Moitinho de Almeida); e de 02.10.2003, no Proc. 2268/03, da 2ª Secção (relator Ferreira Girão) ).

    Em contrapartida, também já foi decidido que não é aceitável o entendimento de que alta tensão é a que refere o conceito comum, de toda a tensão que não é baixa, a tensão superior a 1 KV (nota 7 - Ac. STJ de 28.11.2000, no Proc. 3011/00, da 1ª Secção (relator Garcia Marques) ).

    Defendemos, sem embargo do respeito merecido, a opinião mencionada em segundo lugar, aliás em conformidade com o entendimento do acórdão recorrido, considerando que o n.° 3 do art.º 10.º apenas exclui da caducidade prevista no n.° 2 o fornecimento de energia eléctrica de alta tensão, inassimilável às situações de fornecimento em média tensão, tanto mais quanto é esse entendimento o que melhor se coaduna com o próprio conteúdo do contrato celebrado entre as partes. (nota 8 - Tal como se entendeu no mencionado Ac. do STJ de 28.11.2000, cuja argumentação, no essencial seguiremos de perto).”

    Tal como é reconhecido e invocado no Acórdão, os Srs. Juízes ao tratarem a questão aperceberam-se da possibilidade de vencimento da solução jurídica que está em oposição com jurisprudência anteriormente firmada.

    Ora, dispõe o art.º 732.º-A do CPC:

    “1 – O Presidente do Supremo Tribunal de Justiça determina, até à prolação do acórdão, que o julgamento do recurso se faça com intervenção do plenário das secções cíveis, quando tal se revele necessário ou conveniente para assegurar a uniformidade da jurisprudência.

    2 – O julgamento alargado, previsto no número anterior, pode ser requerido por qualquer das partes ou pelo Ministério Público e deve ser sugerido pelo relator, por qualquer dos adjuntos, ou pelos presidentes das secções cíveis, designadamente quando verifiquem a possibilidade de vencimento de solução jurídica que esteja em oposição com jurisprudência anteriormente firmada, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.”

    Assim, nos termos do n.° 2 da referida norma, deve ser sugerido pelo Relator, por qualquer dos Adjuntos ou pelos Presidentes das Secções Cíveis o julgamento alargado quando verifiquem a possibilidade de vencimento de solução jurídica que esteja em oposição com jurisprudência anteriormente firmada.

    Estavam assim os Srs. Juízes Conselheiros sujeitos ao dever de sugerir ao Presidente do STJ a prolação de Acórdão com intervenção do Plenário das Secções Cíveis.

    Esta obrigação é tanto mais objectiva quando na redacção do Acórdão se refere que se sustenta um entendimento contrário ao até então “maioritário” (vide pág. 16, in fine).

    Os Srs. Juízes Conselheiros não sugeriram ao Presidente do STJ a prolação de Acórdão com intervenção do Plenário.

    Assim, os Srs. Juízes ao olvidarem a referida obrigação violaram o n.° 2 do art.º 732.º-A do CPC.

    Ora, trata-se da omissão de uma formalidade que pode influir na decisão da causa, sobretudo se considerarmos que a decisão tomada é contrária à jurisprudência dominante e mais recente.

    O exposto significa que com um grau elevado de probabilidade o Plenário decidirá, corroborando a jurisprudência dominante e em sentido diferente do acórdão proferido neste autos.

    Nestas circunstâncias verifica-se a nulidade consignada no art.º 201.º do CPC, nulidade que acarreta, de acordo com o n.º 2 de tal disposição, a anulação dos termos subsequentes, que dela dependam absolutamente.

    Assim, a omissão da formalidade acarreta necessariamente a anulação do Acórdão.

    Tanto mais que constam do processo e da própria decisão elementos que implicam necessariamente o cumprimento do que dispõe o art.º 732.°-A do CPC.

    Na verdade, das próprias alegações de recurso resulta a existência de divergências entre Acórdãos na solução jurídica encontrada para o problema, citando-se os próprios Acórdãos. Por outro lado, a decisão aborda essa divergência e, inclusivamente, adere à posição apenas adoptada num único Acórdão e expressamente diverge da posição dominante adoptada por inúmeros Acórdãos, alguns dos quais cita.

    Face ao exposto, vem a recorrente arguir a nulidade do Acórdão, requerendo que, uma vez anulada a decisão, se dê cumprimento ao n.° 2 do art.º 732.º-A do CPC e se sugira ao Sr. Presidente do STJ o julgamento do recurso com intervenção do Plenário das Secções Cíveis.

    E não se diga que também a recorrente podia ter requerido o julgamento ampliado da revista ao abrigo da mesma disposição que citamos neste requerimento para reclamar a reforma.

    Efectivamente, o n.° 2 do art.º 732.º-A é claro: as partes ou o M.º P.º podem requerer o julgamento alargado; os Srs. Juízes, seja o Relator, sejam os Adjuntos, devem sugerir o julgamento alargado ao Presidente do STJ, sobretudo quando verifiquem a possibilidade de vencimento de solução jurídica em oposição com jurisprudência anteriormente firmada.

    Assim, as partes, ao contrário do que é estabelecido para os Srs. Juízes, têm a possibilidade de optar por requerer ou não o julgamento ampliado da revista.

    No caso concreto nenhum sentido fazia requerer a recorrente, nas suas alegações, o julgamento ampliado da revista atenta a evolução da jurisprudência.

    Na verdade, a jurisprudência dominante perfilhava a tese sustentada pela recorrente, sendo que a jurisprudência dominante era também a mais recente.

    Tais argumentos que justificam a opção da recorrente em não ter requerido o julgamento ampliado de revista, constituem fundamentos acrescidos para a necessária decisão dos Srs. Juízes de terem de sugerir ao Presidente do STJ o julgamento ampliado.

    Atenta a clara oposição entre a jurisprudência é notório revelar-se necessário ou conveniente o julgamento ampliado de modo a assegurar a uniformidade da jurisprudência.

    Acresce que a não adopção do julgamento ampliado de revista fere a igualdade de tratamento entre as partes em litígio.

    Efectivamente, a parte que adere à posição dominante e mais recente da jurisprudência não sente necessidade de requerer o julgamento ampliado, não lhe sendo tal razoavelmente exigível.

    Nesta situação a parte que adere à posição maioritária relega para a obrigação dos Juízes a possibilidade de a questão vir a ser submetida ao Plenário em função da posição efectiva dos Magistrados.

    Se os Srs. Juízes aderirem a uma posição minoritária ou nova sem cumprirem o disposto no n.° 2 do art.º 732.º-A do CPC coarctam na prática a uma das partes o acesso a um patamar de jurisdição.

    Este argumento é tanto mais válido quando é comum e tem igual pertinência relativamente à adopção de posições novas contrárias à jurisprudência uniforme anterior.

    A igualdade de tratamento entre as partes impõe aos Srs. Juízes o cumprimento da obrigação decorrente do n.º 2 do art.º 732.º-A do CPC.

    Devemos mesmo concluir que o cumprimento desta obrigação é um imperativo constitucional.

    Efectivamente, qualquer outra interpretação da norma que permite aos Srs. Juízes furtarem-se à obrigação de sugerirem ao Presidente do STJ o julgamento com intervenção do Plenário nos casos em que pensam vir a adoptar uma solução jurídica contrária à jurisprudência anterior é inconstitucional por violação do princípio da igualdade consignado no art.º 13.°, n.° 1, da CRP, e do principio do acesso ao direito e aos tribunais em condições de obter uma tutela efectiva consignado no n.° 1 do art.º 20.º da CRP e ainda por violação da função jurisdicional consignada no n.° 2 do art.º 202.º da CRP.

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