Acórdão nº 93/05 de Tribunal Constitucional, 23 de Fevereiro de 2005

Data23 Fevereiro 2005
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 93/2005 Processo n.º 1021/04 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto

Acordam, em conferência, na 2.ª secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    1. A. vem reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, da decisão sumária do relator, de 13 de Janeiro de 2005, que teve o seguinte teor:

      I. Relatório

      AUTONUM 1.A. intentou acção declarativa de condenação contra B., C. e D., pedindo, a título principal, a condenação destes a restituírem-lhe o locado e os seus pertences, repondo-se a situação de arrendamento, bem como a pagarem-lhe os prejuízos sofridos pelo desapossamento dos seus bens e por força da sua inactividade até à reposição do locado (que à data da interposição da acção somavam Esc. 2 456 000$00), e ainda os danos não patrimoniais estimados em Esc. 500 000$00, e subsidiariamente, a condenação dos demandados a pagar-lhe os prejuízos decorrentes dos bens que lhe retiraram do locado, bem como dos lucros cessantes correspondentes à forçada inactividade por destruição do locado (que à data da interposição da acção somavam o montante de Esc. 1 690 000$00), enquanto esta se mantiver.

      A acção foi julgada parcialmente procedente pelo 1º juízo cível do Tribunal Judicial de Setúbal, e, consequentemente, condenada a sociedade demandada “a restituir ao Autor, A., o locado identificado nos autos, repondo a situação de arrendamento anteriormente existente, e ainda ambas as RR. a pagarem ao A. a quantia de Esc. 200 000$00 (€ 997,60), a título de indemnização por danos não patrimoniais, absolvendo-se as RR. do demais peticionado pelo A.”.

      Desta decisão interpuseram os Réus recurso de apelação, no qual concluíram:

      “1º – Os factos considerados provados permitiam ao Meritíssimo Juiz a quo decidir pela improcedência da acção.

      2º – O Recorrido havia celebrado em 1979, um contrato de arrendamento urbano para habitação.

      (...)

      4º – O Recorrido violou reiteradamente o contrato de arrendamento, celebrado em 1979, ao ponto de o locado atingir um estado de total degradação.

      5º – O Recorrido não logrou provar que exercia no locado a actividade comercial de reparação de aparelhos eléctricos.

      6º – Resultou provado que o imóvel à data da demolição não possuía vidraças na porta principal, nem luz, nem água.

      7º – Aliás, provou-se que o locado nem sequer possuía os respectivos contadores.

      8º – O locado estava completamente votado ao abandono, numa clara violação do disposto nos art.ºs 1043.º, n.º 1, 1038.º, al.s d) e h), e 1044.º do CC.

      9º – A demolição do locado foi efectuada e autorizada nos termos do art.º 89.º, n.º 3, do Dec.-Lei n.º 177/01, de 4 de Junho.

      10º – O contrato de arrendamento caducou por perda da coisa locada.

      11º – A caducidade ocorre com a verificação do facto que a determina, o que significa que o contrato caducou no dia em que o locado por motivos de saúde pública foi demolido.

      12º – É de todo impossível repor um contrato de arrendamento que caducou.

      13º – O contrato de arrendamento destinava-se a habitação e não ao exercício de actividade profissional.

      14º – O Recorrido não lançou mão dos meios legais ao seu dispor para obstar à demolição.

      15º – Ao decidir como decidiu, a sentença recorrida fez uma incorrecta aplicação do direito e violou os dispositivos legais.”

      Contra-alegando concluiu o Autor:

      “1 – Os factos provados obrigavam o M.º Juiz a quo a decidir pela procedência da acção.

      2 – O R. havia celebrado em 1979, um contrato de arrendamento urbano para habitação, que ninguém rescindiu.

      3 – Os Apelantes não intentaram acção de despejo pois era mais rápido atirar o locado ao chão.

      4 – Se todos os senhorios assim fizessem os tribunais não estavam tão atulhados de processos...

      5 – A demolição do locado não foi efectuada e autorizada nos termos do art.º 89.º, n.º 3, do Dec.-Lei n.º 177/01, de 4 de Junho, o que os apelantes não provaram.

      6 – O contrato de arrendamento não caducou por perda da coisa locada, pois esta foi ostensivamente demolida pelos Apelantes.

      7 – É de todo impossível repor um contrato de arrendamento que caducou: o mesmo aconteceria se os Apelantes tivessem assassinado o Apelado!

      8 – Felizmente não se lembraram disto: já nem acção haveria!

      9 – O Recorrido lançou mão dos meios legais ao seu dispor para obstar à demolição: intentou Embargo de Obra Nova que foi indeferido!

      10 – Ao decidir como decidiu, a sentença recorrida fez uma correcta aplicação do direito e respeitou os dispositivos legais: não merece qualquer censura!”

      Por acórdão de 10 de Abril de 2003, o Tribunal da Relação de Évora decidiu conceder provimento ao recurso. Consequentemente, revogou a sentença recorrida e julgou a acção improcedente, absolvendo os demandados do pedido.

      Notificado do teor desse acórdão, veio o autor/apelado requerer a sua aclaração, por entender que o mesmo tinha “passagens obscuras e ambíguas” que “necessitam de cabal esclarecimento”. O Tribunal da Relação de Évora, por acórdão de 3 de Junho de 2003, indeferiu o pedido de aclaração por entender que “o apelado não mostra qualquer ambiguidade ou obscuridade no acórdão; o que demonstra é total discordância do entendimento expresso na decisão e nela própria. De resto, da maneira como mostra essa discordância se alcança que compreendem perfeitamente os termos, fundamentos e o dispositivo de decisão”.

      Inconformado, o autor interpôs recurso de revista, com julgamento ampliado, “porquanto o douto acórdão ora proferido está em contradição com outros anteriores, nomeadamente o Ac. da Relação do Porto de 26/01/99 que foi confirmado pelo douto acórdão do S.T.J. de 7/7/99 (BMJ 489/311), e também com o douto acórdão da R. Porto de 5/4/83 (Col. Jur. VIII, 2, 250), jurisprudência já anteriormente fixada pelo já referido douto Acórdão do S.T.J. de 7/7/99, que a reconhece como jurisprudência unânime, na esteira do já doutamente decidido pelo Ac. do STJ de 22 de Novembro de 1990 (Rec. 79527, 2ª Secção)”, concluindo assim as suas alegações:

      “1 – Os factos provados impõem a procedência da acção, nos termos da decisão da 1ª Instância.

      2 – O A. havia celebrado em 1979, um contrato de arrendamento urbano para habitação, que ninguém rescindiu.

      3 – Os recorridos não intentaram acção de despejo pois era mais rápido atirar o locado ao chão, o que fizeram!

      4 – O contrato de arrendamento não caducou por perda da coisa locada, pois esta foi ostensivamente demolida pelos ora recorridos como ficou provado.

      5 – Provada a culpa dos RR., a perda do locado não leva à caducidade do arrendamento.

      6 – O entendimento do douto Acórdão recorrido consubstancia um claro abuso de direito.

      7 – O douto Acórdão recorrido viola o disposto nos art.ºs 1051.°, n.° 1, e), e n.° 1 do art.º 790.° do CC.

      8 – Há pois clara oposição dos doutos Acórdãos referenciados, pelo que se verifica o condicionalismo do art.º 678.°, n.°s 4 e 6, do C PC.

      9 – Há que proceder a julgamento ampliado da Revista para uniformização da jurisprudência nos termos do disposto nos art.ºs 732.º-A e B do CPC.”

      Contra-alegando, concluíram os recorridos:

      “1 – Os factos considerados como provados impõem a improcedência total da acção, nos termos da douta decisão ora Recorrida.

      2 – O A. havia celebrado em 1979 um Contrato de Arrendamento urbano para habitação.

      3 – O A. exerceu no imóvel actividade de reparação de máquinas e aparelhos por período não concretamente apurado.

      4 – O rés-do-chão com o n.º --- da Rua ----------------------- encontrava-se em estado de degradação.

      5 – Faltavam vidraças na porta principal.

      6 – Não possuía abastecimento de água, nem fornecimento de luz.

      7 – Nem sequer possuía os respectivos contadores.

      8 – O A. não logrou provar (como lhe competia) a culpa dos RR na perda do locado.

      9 – O douto Acórdão recorrido não viola quaisquer normativos legais.

      10 – Não há oposição do douto Acórdão recorrido com os acórdãos referenciados, uma vez que estes retratam situações e condicionalismos diferentes.

      11 – Não deve haver lugar à uniformização da Jurisprudência, em virtude de não se verificarem os pressupostos previstos nos n.ºs 4 e 6 do art.º 678.º do CPC.”

      Indo os autos com vista ao Procurador-Geral Adjunto junto do Supremo Tribunal de Justiça, foi este de parecer que:

      1 – O fundamento legal que serviu de suporte à interposição (fls. 414) e admissão (fls. 417) do presente recurso de revista é o constante do n.° 4 do artigo 678.° do Código de Processo Civil, o que, a estar correcto, implicaria o seu julgamento sob a forma ampliada, ou seja, com intervenção do plenário das secções cíveis, conforme o disposto nos artigos 732.°-A e 732.°-B, do mesmo Código.

      Sucede, porém, que o conhecimento do recurso não passa pela referida solenidade, desde logo porque o mesmo nem sequer é admissível.

      2 – Com efeito, a admissibilidade do recurso com base naquele fundamento legal - artigo 678.°, n.° 4 - depende, além do mais, da verificação cumulativa de dois requisitos legais, a saber: que o acórdão recorrido esteja em contradição com outro dessa ou de diferente Relação sobre a mesma questão fundamental de direito; que do acórdão recorrido não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal.

      Ora, na...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT