Acórdão nº 71/05 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Fevereiro de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Gil Galvão
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 71/05 Processo n.º 1051/04 3.ª Secção Relator: Conselheiro Gil Galvão

Acordam, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que figuram como recorrente A. e como recorrido o Ministério Público, foi proferida decisão, em 3 de Novembro de 2004, que julgou supervenientemente inútil um recurso que o ora recorrente interpusera de uma decisão que decretara a manutenção da sua prisão preventiva. Para tanto, escudou-se aquele Tribunal na seguinte fundamentação:

      “(...) O arguido recorre do despacho que decretou a manutenção da sua prisão preventiva, datado de 6-01-2003.

      É esta a questão suscitada nos presentes autos de recurso.

      Posteriormente ao despacho recorrido, datado de 6-01-2003, foi a prisão preventiva do arguido reexaminada e, em 21/10/2004, foi este restituído à liberdade.

      Perante o reexame posterior do despacho recorrido restituindo à liberdade o arguido, perde este toda a actualidade e pertinência processual, tornando-se inútil a sua apreciação nesta sede de recurso.

      Nem sentido tem a sua apreciação para hipotéticos efeitos de ressarcimento contra o Estado ou outros efeitos que se possam colocar como possíveis, as decisões dos tribunais devem surtir efeito útil e não satisfazer meras hipóteses.

      Concretamente, a presente decisão recorrida deixou de ser útil, está ultrapassada, a situação processual do arguido está definida por outra decisão que não aquela de que se recorre, decisão essa que cessou a prisão preventiva.

      Neste sentido, o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Maio de 1989, Proc. 39947/3 (cit. in Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 9.ª ed., 1998, pp.439).

      Também a questão de eventual constitucionalidade na decisão de inutilidade superveniente está afastada conforme lucidamente o Tribunal Constitucional decidiu no Acórdão de 18 de Fevereiro de 2004 (Proc. 889/03, da 2.ª secção), em caso em tudo semelhante com o presente.

      Assim, posto que é esta a única questão suscitada nos presentes autos de recurso, nos termos dos arts. 287.º, al. e), do CPCivil e 4.º, 419.º, n.º 4, al. d), do CPPenal, importa declarar extinto o objecto do presente recurso por inutilidade superveniente.

      Pelo exposto, acorda-se em declarar extinto o objecto do presente recurso por inutilidade superveniente”.

    2. É desta decisão que vem interposto o presente recurso, através de um requerimento que tem o seguinte teor:

      “[...], notificado do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 3 de Novembro de 2004, no qual não ocorreu a pronúncia sobre o recurso de uma decisão que manteve a prisão preventiva do arguido, vem, muito respeitosamente, interpor

      RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL com fundamento na alínea b), do artigo 70°, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional.

      1) Por Acórdão de 19 de Maio de 2004 (processo n° 1959/04), que correu termos na 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa, foi proferida decisão de indeferimento de um recurso de uma decisão de manutenção da prisão preventiva com base numa interpretação inconstitucional do artigo 287, al. e) do Código de Processo Civil e dos artigos e 419º, n.º 4, alínea d) do Código de Processo Penal.

      2) Da qual o Recorrente interpôs Recurso para o Tribunal Constitucional.

      3) Suscitou então o Recorrente no Tribunal ad quem a apreciação da constitucionalidade da interpretação conjugada dos artigos 287, al. e) do Código de Processo Civil e dos artigos e 419, n.º 4, alínea d) do Código de Processo Penal, quando interpretados no sentido de que, numa situação em que o arguido cumpriu todos os prazos legais a que se encontrava sujeito, quando seja proferida supervenientemente uma decisão do Tribunal de primeira instância que decide a manutenção prisão preventiva do arguido, se torna inútil o conhecimento do recurso de uma outra decisão com o mesmo objecto que anteriormente manteve essa medida de coacção, dando lugar á extinção da instância de recurso.

      4) O Recorrente entende que, neste caso, não tem aplicação o disposto no art° 287.º, alínea e), do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 4.º do Código de Processo Penal, que prevê a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide sob pena de inconstitucionalidade.

      5) O Recorrente suscitou a presente questão de inconstitucionalidade no âmbito do processo de Recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa em 6 de Janeiro de 2004,

      6) Tendo então alegado que tal interpretação normativa consubstanciava uma violação do direito ao recurso decorrente das garantias de defesa consagradas no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição,

      7) Bem como o princípio da proibição da indefesa que decorre igualmente do disposto no art.º 32, nº1 da CRP e do art° 20, nº1 da CRP, que consagra o direito à tutela jurisdicional efectiva

      8) E do direito a um processo célere e equitativo, face ao exposto nos nºs 4 e 5 do art° 20° da CRP.

      9) Foi então proferida decisão liminar por este Tribunal em 25 de Junho de 2004, nos termos da qual foi julgada inconstitucional, por violação do art° 32°, nº1 da Constituição, a norma do artigo 287°, alínea e), do Código de Processo Civil, e dos artigos e 419°, n.º 4, alínea d), do Código de Processo Penal, interpretadas no sentido de que o julgamento do recurso da decisão que aplicou a prisão preventiva, é inútil quando é proferida decisão de manutenção da prisão preventiva, na pendência de tal recurso,

      10) Por considerar aplicável aquele caso a ratio decidendi do Acórdão 418/2003 do Tribunal Constitucional, uma vez que tal interpretação conduziria a consequências constitucionalmente insustentáveis: a inatacabilidade absoluta de eventuais decisões ilegais fundadas no primeiro despacho; a inviabilização consequente do direito à reparação do lesado pelos prejuízos que as decisões ilegais possam determinar,

      11) Tendo sido determinada, consequentemente, a revogação da decisão recorrida e ordenada a reformulação da mesma em conformidade com o juízo de inconstitucionalidade proferido.

      12) Subsequentemente, foram os autos remetidos ao Tribunal da Relação de Lisboa para que este Tribunal se pronunciasse em conformidade;

      13) Entretanto, o arguido foi libertado em 21 de Outubro de 2004 por ordem judicial emanada das Varas Mistas de Sintra, na sequência de um requerimento de libertação apresentado pelo arguido.

      14) Em 3 de Novembro de 2004, foi proferida decisão pelo Tribunal da Relação de Lisboa nos termos dos artigos 287°, al. e) do Código de Processo Civil e 4°, 419°, n.º 4, al. d) do Código de Processo Penal declarando extinto por inutilidade superveniente da lide o recurso remetido àquele Tribunal para reformulação pelo Tribunal Constitucional, com base no entendimento que ora se transcreve:

      "Perante o reexame posterior do despacho recorrido restituído á liberdade o arguido, perde este toda a actualidade e pertinência processual, tornando-se inútil a sua apreciação nesta sede de recurso.

      Nem sentido tem a sua apreciação para hipotéticos efeitos de ressarcimento contra o Estado ou outros efeitos que se possam colocar como possíveis, as decisões dos tribunais devem surtir efeito útil e não satisfazer meras hipóteses. "

      15) O Recorrente considera que esta interpretação normativa, vertida no Acórdão de 3 de Novembro de 2004 pelo Tribunal da Relação de Lisboa, viola o direito ao recurso decorrente das garantias de defesa consagradas no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição,

      16) Bem como o princípio da proibição da indefesa que decorre igualmente do disposto no art.º 32, n.º1 da CRP e do art.º 20, n.º1 da CRP, que consagra o direito à tutela jurisdicional efectiva

      17) E do direito a um processo célere e equitativo, face ao exposto nos nºs 4 e 5 do art.º 20° da CRP”.

    3. Já neste Tribunal foi o recorrente notificado para alegar, o que fez, tendo concluído da seguinte forma:

      “I. Por Acórdão de 19 de Maio de 2004 (processo n.º 1959/04), que correu termos na 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa, foi proferida decisão de indeferimento de um recurso de uma decisão de manutenção da prisão preventiva com base numa interpretação inconstitucional do artigo 287°, al. e) do Código de Processo Civil e dos artigos e 419, n.º4, alínea d) do Código de Processo Penal.

  2. Da qual o Recorrente interpôs Recurso para o Tribunal Constitucional.

  3. Suscitou então o Recorrente no Tribunal ad quem a apreciação da constitucionalidade da interpretação conjugada dos artigos 287°, al. e) do Código de Processo Civil e dos artigos e 419°, no4, alínea d) do Código de Processo Penal, quando interpretados no sentido de que, numa situação em que o arguido cumpriu todos os prazos legais a que se encontrava sujeito, quando seja proferida supervenientemente uma decisão do Tribunal de primeira instância que decide a manutenção da prisão preventiva do arguido, se torna inútil o conhecimento do recurso de uma outra decisão com o mesmo objecto que anteriormente manteve essa medida de coacção, dando lugar à extinção da instância de recurso.

  4. O Recorrente entende que, neste caso, não tem aplicação o disposto no art.º 287.º, alínea e), do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 4.º do Código de Processo Penal, que prevê a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide sob pena de inconstitucionalidade.

  5. O Recorrente suscitou esta questão de inconstitucionalidade no âmbito do processo de Recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa em 6 de Janeiro de 2004,

  6. Tendo então alegado que tal interpretação normativa consubstanciava uma violação do direito ao recurso decorrente das garantias de defesa consagradas no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição,

  7. Bem como o princípio da proibição da indefesa que decorre igualmente do disposto no art.º 32, n.º1 da CRP e do art.º 20, n.º1 da CRP, que consagra o direito à tutela jurisdicional efectiva

  8. E do...

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