Acórdão nº 636/06 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Novembro de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Fernanda Palma
Data da Resolução21 de Novembro de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 636/2006

Processo nº 445/2005

Plenário

Relator: Conselheira Maria Fernanda Palma

Acordam, em sessão plenária, no Tribunal Constitucional

I

Relatório

  1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal Central Administrativo Sul, em que figura como recorrente o Ministério Público e como recorrido o Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos, o Tribunal Central Administrativo Sul entendeu o seguinte:

    2.2. Objecto do presente recurso contencioso, é o despacho transcrito na al. d) do número anterior que se consubstanciou na rejeição dos recursos hierárquicos interpostos pelo recorrente, com fundamento na sua ilegitimidade.

    Conforme é entendimento uniforme do STA (cfr., v.g., os Acs. de 14/6/94 in A.D. 396°-1392, de 15/5/97 - Rec. n° 40923, de 7/10/97 - Rec. n° 39442 e de 28/1/99 - Rec. n° 38091), quando o acto do superior não conhece do mérito da impugnação do acto do subalterno, o âmbito do recurso contencioso interposto daquele cinge-se à questão concreta da rejeição, pelo que o recorrente contencioso apenas pode impugnar essa causa de pedir e não alegar outros vícios completamente estranhos ao fundamento de rejeição do recurso hierárquico.

    No caso em apreço, como referimos, o despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais traduziu-se na rejeição dos recursos hierárquicos; com fundamento na ilegitimidade do recorrente.

    Deste modo, o âmbito do presente recurso contencioso cinge-se à apreciação do fundamento concreto da rejeição dos recursos hierárquicos, sendo irrelevante a alegação de quaisquer vícios completamente estranhos a tal fundamento.

    Analisando as conclusões da alegação do recorrente, constata-se que só nas conclusões A) a F) é impugnado o fundamento da rejeição dos recursos hierárquicos, sendo completamente estranhas a este fundamento e, por isso, irrelevantes as restantes.

    Assim, apenas há que apreciar o conteúdo das conclusões A) a F) da alegação do recorrente, onde é invocado um vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito.

    Vejamos, então, se esse vício se verifica.

    O Tribunal Constitucional, pelo Acórdão nº 118/ 97, de 19/ 2/97 (publicado no B.M.J. 464°.-135), declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade - por violação do art. 56°., n° 1, da C.R.P. - da norma constante do n° 1 do art. 53°. do C.P.A., na parte em que negava às associações sindicais legitimidade para iniciar o procedimento administrativo e para nele intervir, fosse em defesa dos interesses colectivos, fosse em defesa colectiva de interesses individuais dos trabalhadores que representavam.

    Para o efeito, considerou-se que o art. 56°., n° 1, da CRP, ao afirmar que “compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem”, não só assegura aos trabalhadores a defesa colectiva dos respectivos interesses colectivos, através das suas associações sindicais, como lhes garante - ao não excluí-la a possibilidade de intervenção das mesmas associações na defesa colectiva dos seus interesses individuais. É que se a defesa dos trabalhadores que representam é uma competência própria dos sindicatos, mal se compreenderia que fosse retirada no âmbito do desencadeamento e intervenção no procedimento administrativo.

    Assim, perante esta declaração de inconstitucionalidade que atingiu a restrição constante da parte final do n° 1 do art. 53°, do C.P.A., deve-se concluir que, quando num procedimento administrativo esteja em jogo um direito ou interesse legalmente protegido de uma pessoa enquanto trabalhadora, poderá nele intervir a organização sindical que, como tal, a represente.

    Mas poderá essa intervenção traduzir-se na interposição de uma reclamação ou de um recurso hierárquico de um acto administrativo?

    Parece-nos que a resposta a esta questão tem de ser afirmativa. Efectivamente, se o sindicato tem legitimidade para iniciar e intervir no procedimento administrativo e, de acordo com a jurisprudência dominante (cfr., v.g., Acs. do T.C. nº 160/99, in D.R., II Série, n° 39, de 16/2/2000 e n° 103/2001, in “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, vol. 49°., pág. 411 e Acs. do STA de 26/4/2001 - Rec. n° 44655, de 28/11/2001 - Rec. n°. 45075 e de 6/2/2003 - Rec. n° 1785/02), é-lhe reconhecida uma legitimidade processual ampla para defesa dos direitos e interesses colectivos e para defesa colectiva dos direitos e interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores que representam, sem necessidade de expressos poderes de representação forense, não se compreenderia que não tivesse legitimidade para reclamar ou recorrer hierarquicamente de actos proferidos no decurso do procedimento em que pode intervir, eventualmente para lhe permitir a respectiva impugnação contenciosa.

    Assim, e porque a intervenção no procedimento administrativo reconhecida aos Sindicatos pela norma do n° 1 do art. 53° do CPA após o referido Ac. do T.C. n° 118/97 inclui a faculdade de reclamar e recorrer dos actos desfavoráveis proferidos no decurso desse procedimento, entendemos que, sob pena de enfermar de inconstitucionalidade material pelas mesmas razões por que aquele acórdão a declarou, o n° 1 do art. 160°. deve ser interpretado de forma a ser compatibilizado com o citado art. 53° n° 1.

    Nestes termos, o despacho impugnado, ao rejeitar o recurso hierárquico interposto pelo recorrente, incorreu no invocado vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito, em virtude de ter aplicado uma norma n° 1 do art.160°. do C.P.A. - que enferma de inconstitucionalidade material por infracção do art. 56°., n°. 1, da CRP - na interpretação acolhida, devendo, em consequência, ser anulado.

  2. Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, anulando o despacho impugnado.

  3. O Ministério Público interpôs recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea a) do n° 1 do artigo 70° da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da norma do artigo 160°, n° 1, do Código do Procedimento Administrativo.

    Junto do Tribunal Constitucional, o Ministério Público apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:

    1. - É inconstitucional, por violação do disposto no n° 1 do artigo 56° da CRP, a interpretação normativa do artigo 160°, n° 1, do CP A que se traduza em denegar às associações sindicais legitimidade para assumir a defesa e promoção dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem através da dedução dos meios impugnatórios aí previstos - reclamação ou recurso hierárquico perspectivados como condição prévia para a impugnação contenciosa dos actos lesivos.

    2. - Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado pela decisão recorrida.

    O recorrido contra-alegou aderindo às alegações do Ministério Público.

    Tendo sido decidida pelo Presidente do Tribunal Constitucional a intervenção do Plenário, ao abrigo do artigo 79º-A, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional, cumpre apreciar.

    II

    Fundamentação

  4. O artigo 160°, n° 1, do Código do Procedimento Administrativo, tem a seguinte redacção:

  5. Têm legitimidade para reclamar ou recorrer os titulares de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos que se considerem lesados pelo acto administrativo.

  6. É aplicável à reclamação e aos recursos administrativos o disposto nos nºs 2 a 4 do artigo 53°.

    O tribunal recorrido recusou, por inconstitucionalidade (por violação do artigo 56°, n° 1, da Constituição), a aplicação de tal preceito quando interpretado no sentido...

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