Acórdão nº 612/06 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Novembro de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Helena Brito
Data da Resolução14 de Novembro de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 612/2006

Processo n.º 854/05

  1. Secção

Relatora: Conselheira Maria Helena Brito

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:

I

  1. Inconformada com o acórdão da Relação de Lisboa que, confirmando a sentença da 1ª instância, manteve a decisão de atribuição da casa de morada da família ao seu ex-marido, A., B. dele interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo nas alegações respectivas (fls. 564 e seguintes) concluído do seguinte modo:

    “1. Na pendência da Acção de Divórcio, e em sequência do requerido pela ora Recorrente nos termos do artº 1407° do Código Processo Civil, veio o Recorrido com uns Autos de Atribuição da Casa de Morada de Família, pedindo que a mesma lhe fosse atribuída definitivamente e vindo a utilização provisória da mesma, a tornar-se efectiva no prazo de 6 meses.

  2. A Recorrente opôs-se, alegando a sua situação de maior carência e fragilidade do agregado familiar do Recorrido [assim, no original], composto por si e pela filha menor do casal, o que veio a provar-se.

  3. Na pendência do divórcio foi atribuído à Recorrente o direito à Utilização da Casa de Morada de Família.

  4. Decretado o divórcio e nele consignado a culpa do Recorrido, aqueles Autos de Atribuição da Casa de Morada de Família entretanto sustados, prosseguiram.

  5. Produzida a prova, sempre no sentido da maior carência económica da Recorrente, veio o Tribunal «a quo» atribuir a Casa de Morada de Família ao sócio do Cofre, porque adquirida na constância do casamento e no regime de propriedade resolúvel àquele mesmo Cofre.

  6. Utilizando o artº 50° n.º 1 dos Estatutos para uma interpretação desajustada à defesa dos direitos da família, interpretação inconstitucional mesmo, já que não teve em conta o disposto no artº 67° da Constituição da República Portuguesa, interpretação, por demais, contrária ao próprio espírito dos Estatutos e à missão socializante do Cofre de Previdência do Ministério das Finanças;

    Ora,

  7. O Recorrido, aproveitando dessa interpretação, faz dela um aproveitamento em total má fé e abuso do direito, como se contém nas presentes Alegações.

    É que,

  8. A Recorrente para pôr fim ao regime de propriedade resolúvel, liquidou em Dezembro de 2004, as restantes prestações em dívida, ao Cofre de Previdência do Ministério das Finanças, referidas ao empréstimo contraído em Junho de 1980, no montante € 373,93;

  9. O Recorrido na esteira da doutrina preconizada no Acórdão em Recurso, obteve do Cofre de Previdência do Ministério das Finanças, a devolução daquela quantia, devolução em numerário(!), alegando que o pagamento efectuado pela Recorrente, e sem sua autorização, é «fraudulento».

    Isto é,

  10. Pretende o Recorrido manter as fracções em causa no regime de propriedade resolúvel, aproveitando-se do entendimento – salvo o devido respeito – errado e desfasado do contexto das normas contidas nos Estatutos do Cofre,

  11. Contra a Lei e contra o disposto na Constituição como se alegou.

    Acresce por demais que,

  12. A decisão do Acórdão em recurso, ao atribuir ao sócio do Cofre a Casa de Morada de Família, omite o condicionalismo em que essa atribuição se opera, isto é, se gratuitamente, ou se passiva de compensação...

  13. É que estão pendentes Autos de Inventário que correm seus termos sob o n.º 106-C/1999, da 3ª Secção do 4° Juízo do Tribunal de Família e Menores de Lisboa,

    Ora,

  14. As fracções identificadas foram adquiridas ao Cofre na constância do casamento, – e não anteriormente ao casamento como se lê no Acórdão recorrido – foram pagas por ambos os cônjuges na medida em que tais pagamentos foram efectuados através da Conta Bancária aberta pelo Recorrido em seu exclusivo nome, mas provisionada exclusivamente com o seu vencimento!

  15. Constituindo bens comuns do casal, bens em compropriedade de ambos os ex-cônjuges.

  16. A verdade é que nestes Autos o Recorrido nunca se serviu do disposto no artº 1793° do Código Civil com vista à peticionada atribuição da Casa de Morada de Família ou peticionou qualquer renda ou considerou a contrapartida da ocupação.

  17. Antes e tão só está em causa a atribuição a um dos cônjuges da Casa de Morada de Família, neste caso, e a pretexto dos Estatutos do Cofre, ao sócio específico deste.

  18. E porque […] nos Estatutos – artº 50º – se lê «O Cofre só poderá autorizar o arrendamento de casas em regime de propriedade resolúvel...» em casos específicos, mal andou o Tribunal ao decidir atribuir a casa ao sócio do Cofre, mau grado a sua maior capacidade económica, como se um arrendamento estivesse subjacente... face ao ex-cônjuge...

  19. Actuando o Recorrido como se descreve, dúvidas não restam que tal actuação carece do apoio da Lei para – pagas integralmente as prestações, o que ocorrerá em Maio de 2005 – porque tem em vista tão só, e no seu exclusivo interesse, obstar a que as fracções que constituem a Casa de Morada de Família, sejam atribuídas, no regime do art° 1793° do Código Civil ao ex-cônjuge que mais delas carece – a Recorrente e a filha.

  20. O Tribunal decidindo, sem mais, atribuir a utilização da Casa de Morada de Família ao Recorrido, não considerou que as fracções em causa de que os ex-cônjuges são comproprietários podem vir a ser adjudicadas ou à Recorrente ou ao Recorrido;

  21. O Recorrido actua com abuso do direito ao inviabilizar a cessação do regime de propriedade resolúvel, para impedir a aplicação da Lei.

    Pelo que,

  22. O Recorrido deverá ser condenado como Litigante de Má Fé, pela descrita actuação com Abuso do Direito, e apoiado na doutrina do Acórdão recorrido de que se requer a alteração, com vista a conseguir, contra a sua família em situação de desfavor, decisão contrária à Lei, à Constituição... e aos bons costumes.

    Pelo que,

  23. O Acórdão em recurso deve ser revogado e substituído por outro que consinta uma interpretação dos Estatutos como se vem peticionando, e que tenha em vista a final decisão dos citados Autos de Inventário em curso,

  24. Com vista a que se cumpra o disposto no artº 1793° do Código Civil a final, depois de adjudicada em Inventário.

    Já que,

  25. Iniludivelmente a interpretação dada aos Estatutos pelo Acórdão recorrido, viola o princípio da igualdade – artº 13° da Lei Fundamental.”.

    O recorrido, A., também alegou (fls. 625 e seguintes).

  26. Por acórdão de 29 de Junho de 2005 (fls. 647 e seguintes), o Supremo Tribunal de Justiça negou a revista, remetendo para os fundamentos do aresto então recorrido e acrescentando, para o que agora releva, o seguinte:

    “[…]

    Assim e por um lado, importará pôr em destaque que nas Instâncias se decidiu bem a questão de direito, que se mostrava «essencial» para a boa solução a conferir aos autos. E que era a de saber se «era possível que o sócio do Cofre de Previdência do Ministério das Finanças, que haja adquirido uma fracção em regime de propriedade resolúvel, a possa dar de arrendamento, na sequência do seu divórcio».

    Na verdade, a «solução» havida nas Instâncias, em sentido negativo, traduz o entendimento legítimo para tal «questão».

    […]

    Por outro, importará «sobremaneira» pôr em «relevo» a necessidade, «in casu», de contemplar a natureza «peculiar» da «morada de família», na conjugação dos artigos 1793º do Código Civil e 27º, 50º e 51º do D.L. n.º 465/76, de 11 de Junho.

    Tal, no espírito do previsto, aliás, pelo Professor Leite de Campos, Lições, 305 e seguintes e, também, em consonância com o decidido no Ac. deste S.T.J., de 21 Maio 98, B.M.J. 477, 550, no tocante à consideração do «arrendamento» na sua caracterização como «judicial» e não propriamente como contrato, portanto.

    Observe-se, também, que ao invés do sustentado pela Recorrente com a «solução» assumida nas Instâncias, e que, ora, se homologa também, não se nota a «violação» constitucional do princípio da «igualdade», estatuído no artigo 13º da Lei Fundamental.

    Ou de outro qualquer, nessa sede, aliás.

    Na verdade, nesse campo, o que importa sempre contemplar são as «razões» de ordem garantística que estão na génese e presidem aos dispositivos de natureza constitucional.

    Nesse alcance, a lição do Professor Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 6ª ed. 379 e seguintes.

    E entre outros o Ac. do Tribunal Constitucional de 19. Jun. 96, n.º 786/96, publicado no DR II de 20. Agt. 96, a página 11.660.

    Ora, «in casu», não se mostra que se tenha verificado a «quebra» das aludidas «razões» e em qualquer vertente.

    Nomeadamente, não se constata, porventura por banda do Recorrido, o «ultrapassar» dos limites impostos pela boa fé, bons costumes ou fim social ou económico do direito que lhe assistia na sua qualidade de «sócio» do Cofre de...

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