Acórdão nº 589/06 de Tribunal Constitucional (Port, 31 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Vitor Gomes
Data da Resolução31 de Outubro de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 589/2006

Processo n.º 739/06

  1. Secção

Relator: Conselheiro Vítor Gomes

Acordam, na 3ª Secção, do Tribunal Constitucional

1. A. interpôs recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), do acórdão da Relação de Évora, de 11 de Julho de 2006, que negou provimento a recurso da decisão que lhe aplicou a medida de coacção de prisão preventiva, por estar indiciada a prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado (artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, alíneas c) e j), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 2 de Janeiro), e da decisão que lhe negou o acesso a alguns elementos de prova que reputa importantes para impugnar a decisão que decretou essa medida de coacção.

Esse acórdão confirmou duas decisões do juiz de instrução criminal que haviam desatendido os seguintes pedidos formulados pelo arguido, ora recorrente:

- o pedido de libertação imediata, que o recorrente fundara em não ter sido respeitado o prazo de 48 horas para interrogatório e aplicação das medidas de coacção, nos termos dos artigos 141.º e 254.º do Código de Processo Penal;

- o pedido de que lhe fosse facultado o acesso aos elementos de prova de prova que foram determinantes para aplicação da medida de coacção, a fim de poder motivar o respectivo recurso perante a Relação.

O recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade das seguintes normas:

- dos artigos 141.º e 254.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código de Processo Penal, na interpretação de que é respeitado o prazo de 48 horas quando o arguido detido é apresentado ao juiz de instrução que o ouve sobre a identidade e os antecedentes criminais e valida a detenção dentro desse prazo, mas a comunicação dos factos que motivaram detenção, bem como a decisão que aplica a medida de coacção ocorre depois das 48 horas, por violação dos artigos 18.º, 27.º, 28.º, n.º 1 e 32.º da Constituição.

- dos artigos 86.º, n.ºs 1, 2 e 5, 89.º, n.º 2, 97.º, n.º 4 e 141.º, n.ºs. 1, 4 e 5, do Código de Processo Penal na interpretação segundo a qual, querendo o arguido impugnar a decisão que lhe aplicou a medida de coacção de prisão preventiva, não necessita de conhecer o conteúdo das intercepções telefónicas e autos de vigilância, elementos de prova usados pela decisão judicial para fundamentar a aplicação daquela medida, por violação dos artigos 18.º, n.º 1, 28.º, n.º 1, 32.º, n.ºs 1, 2, 3 e 5, e 205.º da Constituição.”

2. O recorrente apresentou alegações, nas quais sustenta e conclui o seguinte:

“1. O douto acórdão recorrido interpretou normas dos artigos 141.º n.º 1 e 254.º n.º 1 al. a), ambos do C.P.P., como não violador da Constituição, a circunstância de o arguido ter sido presente ao Juiz de Instrução no prazo de 48 horas, que o ouviu sobre antecedentes criminais e validou a sua detenção ordenada pelo O.P.C. competente, mas, tendo o seu 1º interrogatório “strictu sensu”e a comunicação dos factos que motivaram a sua detenção, bem como a decisão que aplicou a medida de coacção, ocorrido bem depois das 48

  1. O arguido foi detido por mandado de detenção emitido fora de flagrante delito pelo OPC competente, sem que dele conste um único facto concreto.

  2. Presente a MM JIC, não se iniciou o seu interrogatório, e não lhe foram comunicados os motivos de facto e de direito que fundamentaram a sua detenção.

  3. Só bem depois do prazo de 48 horas ter terminado, é que se iniciou o seu interrogatório e foi explicado ao arguido os motivos de facto e de direito que fundamentaram a sua detenção.

  4. Tendo só após esse prazo, o arguido a efectiva oportunidade de responder a perguntas da MM JIC.

  5. Por último, também só depois desse prazo ter terminado, é que foi o estatuto coactivo do arguido ponderado e aplicada a prisão preventiva.

  6. Devem tais normas serem julgadas inconstitucionais quando interpretadas e aplicadas no sentido de que se mostra cumprido o prazo de 48 horas e que alude o artigo 28.º n.º 1 da CRP, sem que se tenha iniciado o 1º interrogatório “strictu sensu”, sem que o detido conheça ao motivos da detenção e os factos que a sustentam e, sem que seja interrogando dando-se-lhe a possibilidade de se defender;

  7. E, ainda, quando interpretadas e aplicadas no sentido de que é possível a apreciação judicial da aplicação da medida de coacção ao arguido, ainda que entre a detenção e aquela medeie prazo superior ao de 48 horas, a que alude o artigo 28.º n.º 1 da CRP.

  8. O douto acórdão recorrido interpretou as normas dos artigos 86.º n.º 1, n.º 2 e n.º 5, 89.º n.º 2, 97.º n.º 4 e 141.º n.º 1, n.º 4 e 5, todos do C.P.P., com a interpretação com que foram aplicadas na decisão recorrida, ou seja, querendo o arguido impugnar a decisão judicial que lhe aplicou a medida de coacção prisão preventiva, não necessita de conhecer o conteúdo das intercepções telefónicas e autos de vigilância, elementos de prova usados pela decisão judicial para fundamentar a aplicação da prisão preventiva.

  9. Da mesma forma tinha já entendido o despacho da MM JIC aí recorrido, ao considerar as peças cujo acesso o arguido agora pretende não respeitam a diligências de prova a que pudesse assistir nem a declarações por ele prestadas não se encontrando no leque daquelas cujo acesso lhe é permitido por via do disposto no art. 89.º n.º 2 do Cod. Proc. Penal e que…não se entende verificada a conveniência para o esclarecimento da verdade no acesso ao seu conteúdo dos elementos agora referenciados pelo arguido, nos termos que vêm previstos no art. 86.º n.º 5 do Cod. P. Penal.

  10. Resta dizer que o arguido não teve conhecimento no decurso do seu interrogatório, do conteúdo de qualquer auto de vigilância, intercepção telefónica ou sua transcrição.

  11. Contudo, as mesmas serviram de fundamento para decretar a sua prisão preventiva.

  12. Serviram também, para que no decurso do seu interrogatório, o arguido fosse confrontando com a existência das escutas telefónicas e de vigilâncias, que contra ele existiam.

  13. Contudo em nenhum, momento do interrogatório ou após este, o arguido teve conhecimento do teor de uma intercepção telefónica ou vigilância.

  14. A interpretação com que foram aplicadas as normas do C.P.P. acima referidas, no douto acórdão recorrido, é inconstitucional, por limitar de uma forma desproporcional e intolerável os direitos defesa do arguido, e assim contende com as normas constantes nos artigos 18.º n.º 1, 28.º n.º 1, 32.º, n.º 1, n.º 2, n.º 3, n.º 5 e 205.º da CR.”

    O Ministério Público contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso e concluindo nos termos seguintes:

    “1. O prazo de 48 horas previsto nos artigos 28.º, n.º 1 da Constituição e 141.º, n.º 1 e 254.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, funciona como prazo máximo para apresentação ao juiz de instrução de arguido detido.

  15. Não é constitucionalmente exigível que no decurso do referido prazo, seja o arguido interrogado e que haja tomada de posição judicial sobre a medida de coacção imposta, maxime a prisão preventiva.

  16. Não se afigura também inconstitucional uma interpretação das normas dos artigos 86.º, n.ºs 1, 2 e 5, 89.º, n.º 2, 97.º, n.º 4 e 141.º, n.ºs 1, 4 e 5 do Código de Processo Penal, segundo a qual e de acordo com um ponderado equilíbrio entre direitos da defesa do arguido e preservação do segredo da justiça na fase inicial da investigação, não tenham que ser facultados todos os elementos de prova para efeitos de recurso da decisão que aplicou a prisão preventiva.”

    Cumpre conhecer do objecto do recurso.

    3. Quanto ao prazo para validação judicial da detenção e aplicação de medidas de coacção.

    3.1. Importa começar por pôr em destaque os factos em que se concretiza a aplicação da norma a este propósito questionada, de modo a mais facilmente identificar o problema de constitucionalidade que importa resolver:

    - O recorrente foi detido, conjuntamente com outros sete co-arguidos, pelas 9 horas do dia 28 de Fevereiro de 2006, em cumprimento de mandado de detenção emitido por órgão de polícia criminal, nos termos dos artigos 255.º, n.º 1, alínea a) e 256.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, por tráfico de estupefacientes, crime previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, alínea c) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro;

    - Os oito detidos foram apresentados ao juiz de instrução criminal às 13 horas e 50 minutos, de 1 de Março de 2006, sendo proferido despacho a ordenar interrogatório imediato;

    - Pelas 16 horas e 59 minutos, do dia 1 de Março de 2006, o juiz de instrução interrogou o recorrente sobre a sua identidade e antecedentes criminais, informou-o dos direitos e deveres que lhe são conferidos pelo artigo 61.º do Código de Processo Penal e proferiu despacho do seguinte teor: “Valido a detenção do arguido porque efectuada fora de flagrante delito nos termos dos art.s 257.º, n.º 2 e 258.º do CPP, tendo o mesmo sido apresentado no prazo legalmente previsto nos art.s 141.º, n.º 1 e 254.º, n.º 1, al. a) daquele diploma legal”;

    - O juiz de instrução interrompeu os interrogatórios pelas 19 horas e 50 minutos do dia 1 de Março, designando para continuação da diligência o dia 2 de Março de 2006, pelas 9 horas.

    - A diligência foi retomada no dia 2 de Março de 2006, sendo sucessivamente interrogados os arguidos, com exposição dos motivos da detenção e dos factos que lhes eram imputados, ocorrendo o interrogatório do ora recorrente, que foi o último, às 12 horas e 35 minutos de 2 de Março de 2006;

    - No início deste interrogatório, o recorrente apresentou um requerimento pedindo a sua libertação imediata, alegando não lhe terem sido comunicados, no prazo de 48 horas, os motivos da detenção e os factos imputados;

    - O que foi indeferido, tendo o recorrente sido interrogado e tendo-lhe sido aplicada a medida de coacção de prisão preventiva.

    Esta sequência torna evidente que não está em causa uma interpretação da norma que permita o atraso (ou a falta de cumprimento do prazo) na apresentação do arguido ao juiz de instrução criminal, a qual teve lugar dentro das 48...

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