Acórdão nº 587/06 de Tribunal Constitucional (Port, 31 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Vitor Gomes
Data da Resolução31 de Outubro de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 587/2006

Processo n.º 524/06

  1. Secção

Relator: Conselheiro Vítor Gomes

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. O relator proferiu a seguinte decisão, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro:

    “1. Por sentença do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, de 1 de Fevereiro de 2005, proferida nos autos de processo comum singular n.º 107/01.7DPRT, foi decidido condenar os arguidos A., B. e C., pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo artigo 105.º, n.ºs 1, 2 e 5, da Lei n.º 15/01, de 5 de Junho, nas penas de 3 anos de prisão, de 2 anos e 9 meses de prisão e de 2 anos e 10 meses de prisão, respectivamente, e ainda a arguida sociedade “D., SA., pela prática do mesmo crime, esta punida ainda ao abrigo do artigo 7º da mesma Lei, na pena de 800 dias de multa, à taxa diária de 5 euros.

    Decidiu-se ainda «suspender a pena aplicada aos arguidos A., B. e C. pelo período de 5 anos, condicionada à obrigação de, atento o disposto no artº 14º, da Lei nº 15/01, de 5/06, os referidos arguidos pagarem, também no prazo de 5 anos, a quantia global que fizeram ingressar na esfera patrimonial da arguida sociedade (902.065,83 €), e acréscimos legais.»

  2. Inconformados vieram os arguidos A., B. e C. interpor recursos para o Tribunal da Relação do Porto.

    O arguido C. concluiu a sua motivação do recurso do seguinte modo [segue transcrição integral das conclusões]:

    a) Foi dada como provada a existência de uma decisão colegial dos membros do conselho de administração da D. no sentido de esta sociedade deixar de pagar impostos. A existência desta decisão colegial não tem qualquer suporte na prova produzida pois não consta de qualquer acta ou outro documento nem a ela se referiram quaisquer das testemunhas ouvidas.

    b) A conclusão pela existência desta decisão colegial resulta de uma inadmissível transposição para o domínio do direito penal da responsabilidade solidária dos membros dos órgãos sociais prevista pela lei comercial.

    c) Tal resulta na “consagração de uma responsabilidade penal objectiva”.

    d) Ficou provado que o poder de decisão em matéria de pagamento de impostos da D. pertenceu ao arguido A. e, depois, ao Dr. E..

    e) Não ficou provado ter o Recorrente C. qualquer poder de decisão nesta matéria, salvo durante um pequeno período (a que a seguir se referirá)

    f) Ficou provado que o Recorrente aceitou integrar a conselho de administração da D.apenas por crer que assim contribuiria para um processo de recuperação da sociedade que permitiria a regularização da situação fiscal desta, convicção que sempre manteve.

    g) Tal exclui a existência de uma actuação dolosa (mesmo dolo eventual). Sendo este um crime doloso, tal deve determinar a absolvição do Recorrente da autoria de tal crime.

    h) A decisão do Recorrente em se manter no conselho de administração da D., apesar de conhecer a ilegalidade da situação fiscal desta, preenche a figura da cumplicidade pois que se limitou a ser conivente com uma situação que, só por si, não podia inverter. Tal enquadramento legal implica uma atenuação especial da pena, o que não foi feito em violação do disposto no n.º 2 do art.º 27° do CP, sendo que a tal atenuação especial deverá acrescer a resultante dos factos que a seguir se referem.

    i) Não foi sequer valorada a actuação do Recorrente que, no período em que teve poderes para tal, conseguiu que a D. regularizasse parcialmente a situação relativa às retenções de IRS. Mereceria especial consideração, em termos de graduação da pena, o facto de ter sido este o único administrador a ter actuado, nos limites das suas possibilidades, em prol dos interesses do fisco.

    j) O Recorrente foi condenado a, como condição de suspensão da pena, pagar os impostos em dívida pela D. e respectivos juros.

    k) Ora, o Recorrente não é devedor desses impostos, pelo que o preenchimento de uma tal condição é, desde logo, inexequível em termos práticos.

    l) O Recorrente só será responsável pelo pagamento de impostos da D. se e quando a administração fiscal proferir um despacho de reversão ( e o notificar) no qual fixará o montante do imposto devido pelo ora Recorrente.

    m) Contra tal eventual despacho poderá, ainda, o Recorrente, usar os meios de defesa que a lei lhe faculta.

    n) O decidido, ao impor ao Recorrente como condição para não ser preso, que pague um imposto de que não é devedor, que não lhe foi ainda notificado nos termos legais e contra o qual se poderá, ainda, opor nas instâncias próprias, viola o disposto no art.º 103°, n.º 3, da CRP.

    o) Uma interpretação conforme à Constituição do disposto no art.º 14°, ° 1, do RGIT determina que se entenda que a suspensão da pena ficará condicionada ao pagamento pelo Recorrente do montante relativo aos impostos em causa da D. que venha a ser liquidado em seu nome enquanto responsável fiscal desta sociedade - pela administração fiscal, no prazo de cinco anos contados desde a data em que tal decisão de reversão, a existir, se tenha tornado definitiva.

    p) Termos em que se pugna pela alteração do decidido.

    Para além de diversos erros na apreciação da prova, foram violados: art.º 27°, n.º 1 e 2 do Código Penal; art.º 24 da LGT; art.º 14°, n.º 1, do RGIT foi aplicado por forma que viola o art.º 103°, n.º 3, da CRP.

    Os arguidos A. e B. apresentaram a motivação de recurso conjuntamente tendo formulado as seguintes conclusões [segue transcrição da parte das conclusões relevante para a questão de constitucionalidade]:

    XLVIII - Por último, ainda sem prescindir dir-se-á que mesmo admitindo, por mera hipótese ser a conduta dos Recorrentes passível de censura penal, jamais poderia a pena concretamente aplicável ser suspensa condicionada ao pagamento das prestações tributárias que se entende estarem em falta e demais acréscimos legais.

    XLIX - Afigura-se aos Recorrentes que o regime concretamente aplicável é o estabelecido pelo Decreto-Lei 20-A/90, de 15 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 394/93 de 24/11 e Decreto-Lei 140/95, de 14/06 (RJIFNA).

    L - Verdade é que o RJFINA, tal como o RGIT, estabelece no art.º 11. n.º 7, que a suspensão da execução da pena de prisão fica condicionada ao pagamento das prestações tributárias e acréscimos legais.

    LI - Na aplicação daquele normativo terá de atender-se, por um lado, à interpretação da vontade do legislador e, por outro lado, às circunstâncias do caso concreto sob pena de serem injusta e ilegalmente violados princípios fundamentais da justiça penal.

    LII - Ora, conforme demonstrado, os Recorrentes estão absolutamente impossibilitados de efectuar o pagamento do montante em causa, pois que o Recorrente A. foi declarado falido e o Recorrente B. encontra-se desempregado, não possuindo quaisquer fontes de rendimento.

    LIII - Deste modo, o Tribunal “a quo” ao sujeitar a suspensão a condição de pagamento das prestações tributárias sem atender às condições económico-financeiras dos Recorrentes, violou o disposto no art. 51.º. n.º 2 do Cód. Penal, visto ter imposto àqueles obrigações cujo cumprimento sabe antecipadamente que não podem cumprir .

    LIV - Acresce salientar que fazer depender a suspensão da pena aplicada ao referido dever de pagamento das prestações tributárias consubstancia expressa violação do princípio da igualdade consagrado no n.º 2 do artigo 13° da Constituição da República Portuguesa.

    LV- Radica esta flagrante discriminação única e exclusivamente na situação económica dos agentes. De facto, os Recorrentes correm o risco de serem privados do seu direito à liberdade, simplesmente porque se encontram impedidos de cumprir a condição imposta.

    LVI - À violação do princípio da igualdade, acrescenta-se que a situação descrita determina também efectiva prisão por dívidas em manifesta violação do disposto nos art.º 27° e 28° da Constituição da Republica Portuguesa.

    LVII – Finalmente, de referir que o avultado património da D. permitirá efectuar o pagamento da totalidade ou quase totalidade das prestações tributárias em causa.

    LVIII - Assim, condicionar a suspensão da execução da pena ao pagamento daquelas mesmas prestações tributárias significaria - caso os Recorrentes possuíssem meios de efectuar o seu pagamento, o que manifestamente não ocorre - permitir que os Estado obtivesse um enriquecimento ilegítimo, recebendo duas vezes a mesma quantia.

    LIX - A douta decisão recorrida viola as normas e os princípios jurídicos constantes dos art.º 24°., n.ºs 1 e 5, do Decreto-Lei 20-A/90, de 15 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 394/93, de 24/11 e Decreto-Lei 140/95, de 14/06, nos art.ºs 105, n.ºs 1 a 5 da Lei 15/01, no art.º. 31°., n.º 2, al. d) do Código penal, no art.º. 51º., n.º 2, do Cód. Penal, no art.º. do art.º. 71°., 72°, .nº 2, al. d), 73°., n.º 1 e 2 também do Código Penal, e nos art.ºs 13°., 27°. e 28°. da Constituição da Republica Portuguesa, porquanto as mesmas deveriam ter sido interpretadas e aplicadas com o sentido versado nas considerações anteriores.

  3. Por acórdão de 26 de Fevereiro de 2006, o Tribunal da Relação do Porto decidiu negar provimento aos recursos, mantendo, em consequência, a sentença recorrida. Este aresto, na parte que é relevante para efeito das questões de constitucionalidade é do seguinte teor:

    Do recurso do arguido C.:

    Recuperando a decisão quanto a este arguido, diga-se que foi condenado na pena de 2 anos e 10 meses de prisão pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelo art.º 105° n.ºs 1, 2 e 5 da lei 15/01 de 5 de Junho. Tal pena de prisão foi suspensa na sua execução pelo período de 5 anos condicionado à obrigação, e nos termos do art.º 14° da citada lei, a pagar, no prazo de 5 anos, solidariamente, a quantia global de 902.065,83€.

    As questões colocadas por este recorrente são as seguintes:

    - A decisão colegial dos membros do conselho de administração da D. não têm suporte na prova produzida;

    - Não se provou ter o recorrente poder de...

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