Acórdão nº 530/06 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Setembro de 2006

Data27 Setembro 2006
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 530/2006

Processo nº 1015/2005.

  1. Secção.

Relator: Conselheiro Bravo Serra.

1. Na acção declarativa com processo comum emergente de contrato individual de trabalho a que foi dado o valor de € 9.903,73, acção essa que A. propôs no 1º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa contra B., S.A., declarada falida por sentença proferida em 22 de Setembro de 2003 pelo Tribunal de Comércio de Lisboa, foi, a dada altura, proferido, em 16 de Novembro de 2004, despacho por via do qual – considerando que, como a ré foi declarada falida por aquela sentença, transitada em 14 de Outubro de 2003, os créditos resultantes de cessação de contrato de trabalho haviam de ser reclamados no processo de falência e não em acção própria – se declarou a inutilidade superveniente da lide, condenando-se o autor nas custas processuais.

Em 24 de Novembro de 2003 deu entrada naquele Tribunal requerimento do autor, capeando um «acordo» realizado entre ele e a ré, solicitando a homologação da transacção celebrada e, em consequência, a declaração de extinção da instância.

Nesse acordo foi estipulado que as “custas em dívida a juízo serão suportadas a meias”.

Em 6 de Dezembro de 2004, ponderando que o anterior despacho de 16 de Novembro de 2004 se não encontrava transitado, foi proferida decisão que homologou a transacção efectuada e determinou que as custas fossem pagas conforme o acordado.

Remetidos os autos à conta e elaborada esta, da mesma reclamou o autor, sendo, por despacho de 7 de Abril de 2005, determinada a sua reforma e que, após ela, fossem os autos «conclusos» novamente, a fim de a Juíza autora daquele despacho se “pronunciar quanto aos demais argumentos despendidos na douta reclamação”.

Reformada a conta na sequência do ordenado, na mesma se surpreende que a taxa de justiça devida ao Cofre Geral dos Tribunais era a de €133,50 e, sendo a taxa inicial já paga pelo autor de €66,75, ao que acrescia a procuradoria devida aos Serviços Sociais do Ministério da Justiça, no montante de € 13,35, restava pagar € 80,10.

Procedendo-se à notificação da conta assim elaborada ao autor e à ré, da mesma veio aquele reclamar.

Perante essa reclamação, a indicada Juíza do 1º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa proferiu em 27 de Junho de 2005 despacho no qual, no que ora releva, disse: –

“(…)

Analisando e decidindo.

Diz o artº 13° nº 2 do CCJ vigente que ‘a taxa de justiça do processo corresponde ao somatório das taxas de justiça inicial e subsequente de cada parte.’

Ora para se compreender este preceito legal e o espírito subjacente ao novo CCJ é preciso recorrer ao Exórdio do DL nº 324/2003 de 27-12 o qual diz, entre outras, o seguinte:

Nº 3, 2° parágrafo:

‘é adoptada uma tabela mais perceptível e abrangente, caracterizada pela redução do número de escalões relevantes para efeitos de determinação da taxa de justiça do processo. Paralelamente, com a adopção de uma tabela única – por contra posição às duas tabelas (a da taxa de justiça final e a dos pagamentos prévios) actualmente existentes –, restabelece-se a coincidência entre os montantes da taxa de justiça inicial e subsequente pagas durante o processo e a taxa de justiça global devida a final.’

Nº 3, 4° parágrafo:

‘De igual forma, põe-se termo à multiplicidade de reduções de taxa de Justiça existente, consagrando-se, como regra geral, um único grau de redução da taxa de justiça (redução a metade) a operar mediante dispensa do pagamento da taxa de Justiça subsequente (...)’

Nº 4, 1º, 2° e 3° parágrafos:

‘Por força das modificações operadas, e tendo presente os objectivos visados, a tabela da taxa de Justiça do processo sofre uma profunda revisão. Introduz-se um novo conceito – o de taxa de justiça de parte – a partir do qual se obtém o valor da taxa de justiça do processo, correspondendo este último ao somatório das taxas de Justiça inicial e subsequente de cada uma das partes. (...)

No entanto, e porque o conceito de parte é distinto do de sujeito processual, consagra-se a regra de que, em caso de pluralidade activa ou passiva, o respectivo conjunto de sujeitos processuais é considerado, para efeitos de cálculo da taxa de justiça, como um[a] única parte. Por essa mesma razão, e de forma a evitar pagamentos em excesso e as consequentes devoluções, consagra-se a regra da dispensa do pagamento de taxa de justiça subsequente, designadamente nos casos em que a taxa de justiça inicial paga pelos sujeitos processuais se revele suficiente para assegurar o pagamento da totalidade da respectiva taxa de justiça de parte.

No entanto, sempre que, quer neste, quer noutros casos, exista dispensa do pagamento prévio de taxa de justiça, caberá à parte vencida suportar, a final e na medida do seu decaimento, a totalidade da taxa de justiça do processo, ou seja, a sua taxa de justiça de parte e a taxa de justiça da parte contra quem litigou.’[1]

É com base neste último parágrafo acabado de citar que o respectivo programa informática fora, ao que nos é dado compreender, elaborado.

O sistema informático ‘pega’ no valor depositado nos autos, e ignorando se o mesmo fora depositado por uma ou ambas as partes, assume esse valor e divide-o, no caso de uma transacção, ao meio, imputando metade a cada parte.

O que significa que, tendo o A. pago a totalidade da taxa de justiça da sua responsabilidade, o sistema assume que tenha pago apenas metade, imputando-lhe o pagamento da outra metade, que foi o que claramente ocorreu nos presentes autos.

Neste sentido, e em termos técnicos, a conta não foi incorrectamente elaborada pelo Exmº Sr. Escrivão da secção que se limitou a cumprir escrupulosamente a elaboração da conta, tendo introduzido correctamente todos os dados os quais foram processados pelo respectivo programa informático.

É o sistema informático que assume o pagamento da taxa de justiça pelo A. como sendo a taxa de justiça do processo e o divide, imputando automaticamente metade na esfera da Ré que, em boa verdade, nada pagou.

Mas, em última análise, o sistema informático não pode ser directamente responsabilizado uma vez que ele fora criado para seguir a lei.

Assim, em nosso modesto entendimento, o problema reside com a lei.

Afigur[a]-se-nos óbvio e de elementar bom senso que a norma em apreço, e em especial, o parágrafo 3° do nº 4 do exórdio do DL nº 324/2003, é manifestamente injusto e mesmo, em nosso modesto entendimento e salvo o devido respeito, imoral.

Com a preocupação de simplificar ao máximo o processamento das custas de modo a, como se diz no próprio exórdio, tomar mais acessível ‘a matéria de custas judiciais (que) está actualmente regulada de forma complexa, sendo reconhecida a sua difícil acessibilidade à generalidade dos cidadãos, bem como grande maioria dos operadores judiciais, com evidentes prejuízos para todos os interessados’[2], o legislador acabou por criar, ao arrepio dos mais elementares princípios de justiça, boa fé e bom senso, um sistema profundamente injusto, apto a criar desigualdades no tratamento das partes processuais.

É certo que o artº 8° do Código Civil diz que ‘o dever de obediência à lei não pode ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo’[3]

No entanto, apesar de, em nosso modesto entendimento, a supra citada norma ser de questionável conformidade com a Constituição da República Portuguesa (CRP), a qual ainda é a lei máxima do País e, portanto, prevalece sobre as restantes (artºs 204° e 277° do CRP) ela não traduz a plenitude da ciência jurídica ou seja, do Direito.

E, assim, conforme refere Menezes Cordeiro[4] ‘o controlo, com referência a critérios superiores, das normas legisladas, imperfeitas porque humanas, é tão velho como o Direito. (…) A lei não se confunde com o Direito. Uma dogmática jurídica, radicada na cultura que a suporte e na segurança das convicções científicas dos juristas que a sirvam, coloca, entre a fonte e a solução do caso concreto, um percurso que nenhuma lei pode dispensar e que o legislador não pode corromper. Reside aqui, o «Direito natural» dos finais do nosso século: suprindo a inactividade legislativa, harmonizando as soluções desavindas ou disfuncionais dentro do espaço jurídico, complementando as mensagens apenas esboçadas pelo legislador e limando, no concreto, as saídas injustas, inconvenientes ou paradoxais, a Ciência do Direito afirma-se (…) o motor fundamental de qualquer evolução jurídica.’

Ora, aplicando a ciência de direito em toda a sua plenitude, e considerando os princípios consagrados na mais alta lei na Nação, constata-se, em nosso modesto entendimento, que os princípios orientadores do novo CCJ, nos quais assentam o sistema informático, que produziu as contas de fls.77 a 79, são, para além de injustos e imorais, manifestamente inconstitucionais, porquanto violam um dos mais básicos e essenciais princípios do nosso direito: o princípio da igualdade, plasmado no artº 13° da CRP.

Se o A. já pagou ‘à cabeça’ a taxa de justiça que é de sua responsabilidade porque motivo é responsabilizado por uma dívida da outra parte que nada pagou, acabando, desta forma por ser tratado de forma igual perante uma situação desigual.

Ou se preferirem, o A, é tratado de forma desigual em relação à Ré quando não há motivos objectivos ou sequer legais que permitam essa distinção.

Porque motivo deve a Ré pagar menos do que o A. se as custas são suportadas em partes iguais?

Aonde está a igualdade das custas conforme acordado e homologado por sentença?

Repare-se que o sistema de cálculo da taxa de justiça da responsabilidade das partes processuais do novo CCJ, ao fim e ao cabo, permite a violação da sentença homologatória pois não respeita o que ficou decidido: custas em partes iguais.

Pelo que se nos afigure que o sistema em si mesmo é duplamente ilegal, porquanto acaba por violar outras normas jurídicas, para além das constitucionais.

E ao transferir o ónus de recuperar as custas de parte entenda-se a taxa de justiça que era da responsabilidade do...

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