Acórdão nº 499/06 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Setembro de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Gil Galvão
Data da Resolução21 de Setembro de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº499/2006

Processo n.º 584/06

  1. Secção

Relator: Conselheiro Gil Galvão

Acordam em conferência na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

  1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que figuram como recorrente A. e como recorridos B., C. e D. foi intentada, no Tribunal Judicial de Beja, acção de reivindicação contra a ora recorrente, pedindo que o autor fosse declarado dono e proprietário, em contitularidade com a ré, em comum e sem determinação de parte, de determinados prédios rústicos e que esta lhe pagasse indemnizações. Falecido o autor, foram habilitados no seu lugar os ora recorridos. O Tribunal de Beja julgou a acção improcedente. Apelaram os autores, tendo o Tribunal da Relação de Évora confirmado o decidido.

  2. Novamente inconformados recorreram os autores para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo alegado, nomeadamente:

    “[...] - Na partilha efectuada entre autor e ré não ficou partilhado qualquer direito de crédito a liquidar sobre o Estado proveniente da expropriação da área de 1.013,8582ha, mas o crédito já liquidado quando da elaboração do mapa de partilha, quantificado pelo valor de 9.270.700$00;

    - Em 07.05.93, ao abrigo da Lei n.º 109/88 de 26.09, foi atribuída exclusivamente à [ré a] área que se mantinha expropriada de 513,8200ha do prédio …;

    - Em 27.04.99, foi atribuída exclusivamente à ré o restante da área expropriada, a título de reversão, ao abrigo da Lei n.º 86/95 pela Portaria n.° 424/99, IIª Série publicada no DR de 27.04.99;

    - As áreas reivindicadas na acção, atribuídas por reserva e reversão a favor exclusivamente da ré, nunca foram objecto de partilhas pelo casal;

    - As áreas de reserva e reversão atribuídas à ré ultrapassaram em dobro a quota parte que lhe pertencia na meação dos bens do casal, à data da expropriação do prédio;

    - Os registos a favor da ré das áreas de reserva e reversão são nulos, pois não respeitaram o conteúdo do direito de propriedade à data da expropriação;

    - Pelo acórdão recorrido, o autor ficou excluído da meação da área de 1.013,8582ha do prédio …, que lhe pertencia em comum com a ré;

    [...]

    - O direito de reserva constitui um limite ao direito de expropriação e determina o restabelecimento do direito de propriedade com o mesmo conteúdo que existia à data da nacionalização, artigos 13°, 14°, 20° e 26° n.º 2 da Lei n.º 109/88;

    - O direito de reserva, como limite ao direito de expropriação do Estado, precede obrigatoriamente a declaração de utilidade pública da expropriação, artigo 26° n.º 2 da Lei n.º 109/88;

    - O direito de reserva atribuída à ré A. não dá lugar à constituição de um novo direito de propriedade, extinguindo o direito que detinha anteriormente, contrariamente ao que foi decidido pelo acórdão; […]

    - A meação do autor do prédio …, não foi perdida a favor do Estado por via da expropriação do prédio, mas indevidamente atribuída por reserva e reversão à ré A.;

    - A ré, por via da concessão da reserva e reversão, apenas restabeleceu o seu direito de propriedade dentro dos limites da sua quota parte na meação dos bens do casal à data da expropriação e só sobre essa área é que detém os direitos previstos no artigo 1305° do CC;

    - A concessão da reserva e reversão à ré A., não extinguiu o direito de meação na compropriedade da área expropriada do prédio …;

    - Os actos administrativos de atribuição da reserva e reversão à ré A., não podem excluir o autor do seu direito de propriedade na meação da área que lhe pertencia no prédio …, à data da expropriação;

    - O autor tem direito à meação da área de 1.013,8582ha no prédio …, que detinha aquando da expropriação do prédio, tendo a recorrida se locupletado com a parte que pertencia ao recorrente;

    - A área reivindicada não foi objecto de partilha pelo casal, tendo os direitos de ampliação da reserva e o direito de reversão surgido posteriormente à partilha homologada por sentença de 12/78, pela Lei n.º 109/88 de 26.09 e pela Lei n.º 86/95 de 01.09;

    - As áreas de reserva e reversão reivindicadas não foram objecto de partilha entre autor e ré, conforme já decidido pelo Ac. do STJ proferido em 30.10.02, Revista 2476/01, já transitado em julgado;

    - A ré A., com a demarcação da reserva e reversão exclusivamente a seu favor, baniu o autor do direito de propriedade na meação da área reivindicada, como é por demais evidente e notório, indevidamente e perceptível pelo senso comum;

    - O Dec.-Lei 406-A/75 de 27.07, o Dec.-Lei 493/76 de 27.07 e a Lei 77/77 de 29.09 não se aplicam à concessão do direito de reserva à recorrida, atribuída ao abrigo da Lei 109/88;

    - O acórdão recorrido, ao decidir que a atribuição do direito de reserva e reversão dá lugar a um novo direito de propriedade, por erro de interpretação, violou o disposto nos artigos 1305° e 1316° do CC, os artigos 13°, 14°, 20° e 26° n.° 2 da Lei 109/88, o artigo 31° da Lei 109/88 na redacção da Lei 46/90 de 22.08, o artigo 44° da Lei 86/95 de 01.09 e o artigo 145° n.° 2 do CPA;

    - Os artigos 13°, 14°, 20° e 26° n.° 2 da Lei 109/88, o artigo 31° da Lei 109/88 na redacção da Lei 46/90 de 22.08 e o artigo 44° da Lei 86/95 de 01.09, na interpretação da sentença, são inconstitucionais por violação do artigo 62° da CRP, uma vez que conduziram à perda do direito de propriedade do autor das áreas reivindicadas, sem qualquer indemnização ou compensação. […]”

  3. Contra-alegou a ora reclamante, não tendo, nas quarenta e duas folhas dessa contra-alegação, referido nunca que as normas então invocadas pelos agora recorridos – ou a interpretação que os mesmos delas faziam – implicassem qualquer violação de norma ou princípio constitucional. Aliás, nessa contra-alegação não é referido sequer, por uma única vez que seja, qualquer preceito da Constituição.

  4. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 7 de Março de 2006, deu provimento parcial ao recurso, considerando que “o autor (sucessores) é assim dono e legítimo proprietário, em co[n]titularidade com a ré, em comum e sem determinação de parte dos 1.013,8548 ha da Herdade …, com as legais consequências”. Fundamentou, assim, para o que ora releva, a decisão:

    “[...] Impõe-se uma nota prévia.

    A acção de reivindicação é intentada pelo proprietário não possuidor contra o possuidor não proprietário. Ora, a ré está na posse dos prédios de que o autor se afirma contitular, por essa posse lhe ter sido atribuída, no que respeita à reserva por despacho do Secretário de Estado e no que toca à reversão por Portaria. O autor interpôs recurso contencioso de anulação desta Portaria e recurso contencioso do despacho que atribuiu a reserva. O que aqui está em causa em nada conflitua, nem pode conflituar, com a matéria da competência do foro administrativo. E da competência da justiça administrativa a apreciação da legalidade dos actos administrativos em causa e é da competência do foro cível decidir se os herdeiros do autor são ou não comproprietários com a ré das áreas atribuídas a esta e é só isso que, em princípio, está em discussão nesta acção.

    [...]

    Nas decisões constantes do processo - inclusive na Portaria que atribuiu à ré o direito de reversão - partiu-se sempre do entendimento de que a atribuição à ré da reserva inicialmente demarcada e do crédito a liquidar sobre o Estado, proveniente da expropriação da parte restante, tinha o alcance de transferência para o património da interessada de todos os direitos dessa natureza emergentes da aplicação das leis sobre a Reforma Agrária.

    Ora, não é assim.

    No inventário e no que aqui importa foram adjudicadas à interessada duas verbas: a n.° 161, constituída por uma área de reserva de 185.7212 ha; a n.º 2 composta por um crédito a liquidar sobre o Estado.

    Partilhou-se aquilo que relativamente à Herdade … existia no património do casal na altura do inventário.

    Assim, essa reserva e esse crédito (que era provisório) são definitivamente património da ora recorrida, já que lhe foram adjudicadas tais verbas com sentença homologatória transitada em julgado.

    Mas não fazem parte do património exclusivo da recorrida bens que na altura do inventário não existiam no património do casal, como é o caso da nova área de reserva e da área atribuída a título de reversão. Quando se procedeu à partilha e consequente homologação, essa parte da herdade continuava expropriada e nem sequer existia como direito futuro por a legislação então em vigor não a permitir.

    É evidente que a expropriação importa a extinção definitiva do direito existente e a constituição de um novo direito, não havendo sucessão ou transmissão do antigo ao novo titular, como se escreveu no acórdão e resultava do artigo 4° do Dec-LEI 406 - A/75 de 29 de Julho.

    A questão, contudo, não é essa. A reserva que mais tarde veio a ser atribuída à ré resulta da disposição legal posterior ao inventário e consiste na atribuição aos proprietários de uma parte que veio a ser considerada necessária para os mesmos.

    Por sua vez, o conceito de reversão não se afasta, em sede de princípios, do que já vigorava para as expropriações antes da Reforma Agrária.

    […]

    «O direito de reversão traduz-se no poder conferido ao expropriado (v.g. o primitivo proprietário) de reaver ou readquirir os bens que foram objecto de expropriação”, Código das Expropriações e Construção — Cons. Sá Pereira e Dr. Goucha Soares, pág. 21. Ora, um dos proprietários era o recorrente e não deixou de o ser por não se ter partilhado algo que não existia então na esfera jurídica dos cônjuges ou ex-cônjuges.

    Basta, aliás, pensar que se não tivesse existido inventário, necessariamente, as áreas da reserva e da reversão passariam a integrar o património dos cônjuges, que nessa altura continuaria indiviso.

    […]

    O direito de reserva inicialmente consentido foi-se modificando nos seus limites e até nos seus destinatários. Desde o Dec-lei 406-A/75 de 17-07, afastando os proprietários “absentistas” até à Lei 109/88 de 26 de Setembro e à lei 86/95 de 1 de Setembro, concedendo novas reservas e consagrando a reversão, procurando “repor” o que existia antes, vai...

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